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Porto Rico: perspectivas da nova luta pela independência

São raríssimas as notícias sobre Porto Rico e a luta dos porto-riquenhos pela sua independência soberana. Neste artigo, o advogado e militante Juan Mari Brás traça um rico cenário do atual momento vivido pelo país e descreve parte da tática contra a polít

Perspectivas e antecedentes da novíssima luta pela independência de Porto Rico



O século 21 trouxe mudanças significativas para a região caribenha e para toda a Nossa América. Convém, sobretudo, assinalar as novas correntes políticas que vão (re)definindo um caminho claro em direção a uma libertação e desenvolvimento real para os povos da região. Essas mudanças pressagiam uma função de grande relevância mundial para os países insulares e continentais que compõem ou margeiam a Costa caribenha.



Desde o início do século 20 que o libertador Simón Bolívar antecipou a (certeira) visão de que essas ilhas formariam parte da independência da América. Posteriormente, no último terço desse mesmo século, os porto-riquenhos Ramón Emeterio Betances e Eugenio María de Hostos, os cubanos José Martí e Antonio Maceo e os dominicanos Máximo Gómez e Gregorio Luperón, iniciaram um movimento “antilhanista”, no qual se integraram os melhores combatentes e divulgadores das idéias que configuravam essa corrente histórica.



Como resposta às velhas e novas imposições imperiais das potências européias e norte-americanas que quiseram submeter os nossos povos à dominação colonial ou neocolonial, foi-se desencadeando e consolidando, durante todo o século 20, graças a lutas e combates, uma vontade de concretizar programas libertários herdados dos movimentos do século 19.



Essas iniciativas criaram identidades nacionais em cada um desses países, que sempre mantiveram fortes laços de amizade e de solidariedade mútua. Se formos buscar a cúpula representativa dessas incessantes lutas, durante o século passado, temos de destacar o Comandante Fidel Castro Ruz, o dirigente dominicano Manuel Tavares Justo e o patriota porto-riquenho Don Pedro Albizu Campos. Dentro e fora das organizações originais destes três grandes personagens da nossa “Antilhanía”, destacaram-se, no campo da criatividade e da ação revolucionária, muitos milhares de mulheres e homens: heróis, mártires, combatentes e lutadores, tanto pela libertação plena das nossas respectivas pátrias como pela solidariedade ativa com os demais países caribenhos e da América latina, em geral. Todos estes esforços foram produzidos durante o período histórico-político a que os europeus chamaram de modernidade.



No caso de Porto Rico, os Estados Unidos apropriaram-se, mediante a invasão do país e a utilização forçada do nosso arquipélago como bastião militar das suas forças armadas, ponto geopolítico cujo interesse reside no objetivo de converter o Mar Caribenho no “Mar Nostrum” do novo império ianque – tal como o Império romano havia feito, na antiguidade, com o Mediterrâneo -, exercendo um modelo de exploração econômica tipicamente colonial. Paralelamente, submete-se o povo porto-riquenho a um rigoroso mercado cativo, o qual propicia a exportação para o nosso país dos grandes excedentes da produção agrícola e industrial norte-americana, a preços inflacionados, conseqüência, igualmente, do monopólio do transporte marítimo entre os Estados Unidos e Porto Rico. Submeteram-nos, igualmente, a um forçado esquema pseudo-industrial que atribui ao território colonial os trabalhos originários do processo de industrialização, com o pagamento dos salários mais baixos de todos os lugares que se encontram sob o domínio direto ianque.



Primeiro, tentaram destruir as bases da nossa nacionalidade, impondo o inglês como língua de ensino nas escolas públicas e privadas, modificando o sistema jurídico do país em função dos seus interesses, eliminando os foros econômicos que o povo porto-riquenho havia conquistado à Espanha. Todo esse esquema fracassou. O povo “boricua” resistiu a essa brutal investidura e algumas cedências tiveram de ser feitas. Foram os nossos maiores lutadores, como Albizu Campos e o seu movimento nacionalista, os verdadeiros causadores dessas concessões.



A dominação militar do nosso país, convertido, num determinado momento, em sede das maiores operações caribenhas da Marinha de Guerra, do Exército e da Força Aérea dos EUA, assim como a imposição do serviço militar obrigatório dos porto-riquenhos nas forças armadas norte-americanas, desmantelou-se lentamente, mas em progressão crescente, graças às incessantes lutas dos “boricuas”.



Face à perseguição sistemática do nacionalismo “albizuista”, face à tortura, à prisão, ao desterro, e ao assassinato de Dom Pedro, foi surgindo um novo movimento em várias organizações e frentes de ação e de militância que, no seu conjunto, é conhecido como “a nova luta pela Independência”. Fortaleceram-se os organismos reitores dessa nova luta, incorporando neles os melhores artistas, os científicos de maior erudição e os combatentes com maior disposição para o sacrifício, tal como defendia a prédica “albizuista”. Foi esse grande aluvião de povo que conseguiu deter a exploração dos maiores recursos mineiros da zona central do país, onde duas companhias norte-americanas pretendiam, com a anuência dos governantes coloniais de turno, despojar-nos de grandes reservas de cobre, ouro e outros metais que existem ao longo da Cordilheira Central (a qual divide a Ilha maior do arquipélago em Norte e Sul). A militância patriótica do MPI (Movimento Pró-Independência), da FUPI (Federação de Universitários Pró-Independência), a Vanguarda Popular e outras organizações, impediram esse saque, quando este estava prestes a concretizar-se.


 


A luta da juventude porto-riquenha contra o serviço militar obrigatório, durante a guerra de agressão dos EUA contra o Vietnam, fez com que o mesmo fracassasse. Milhares de jovens não só se recusaram a ingressar nas forças armadas ianques como, num ato simbólico de desafio, queimaram milhares de cartões de inscrição no dito serviço militar. Este ato simbólico realizou-se no dia 23 de Setembro, dia do Grito de Lares, no qual se comemora a proclamação da nossa primeira república, em 1868.



Em 1970, na histórica Praça da Revolução, em Lares, o Monsenhor Antulio Parrilla Bonilla, Bispo da Igreja Católica, que unia a sua vocação religiosa a uma grande fidelidade à causa patriótica porto-riquenha, empilha os cartões entregues pelos jovens, os quais ajudavam, assim, o clérigo a exercer a causa do desafio anti-colonial. Os atos acusatórios do FBI, que imputavam ao bispo e seus ajudantes delitos graves nos EUA, foram devolvidos pela Casa Branca ao Secretário da Justiça de Washington, com a indicação de que não era do interesse político do império acusar um membro da hierarquia religiosa pelas atividades patrióticas desenvolvidas em Porto Rico. Posteriormente, quando foram divulgados as dezenas de casos contra jovens que se haviam negado a responder ao Serviço Militar Obrigatório, ante o tribunal extraterritorial dos EUA, em San Juan de Porto Rico, todos esses casos foram arquivados.



Na Universidade de Porto Rico, onde os estudantes haviam levantado múltiplos protestos contra a presença do ROTC (Corpo de Preparação de cadetes para as forças armadas ianques), o programa de treino e os seus membros tiveram de abandonar o campo de treino. Foi, também, fechada a base aérea de Punta Borinquen, na cidade de Aguadilla, a mais importante do dito instituto armado em todo o Caribe.



O uso militar em Porto Rico ficou circunscrito à ação da Marinha de Guerra, que mantinha no oriente da nossa Ilha maior a principal base naval dos EUA de todo o Caribe (e, quem sabe, talvez de todo o Atlântico Norte), assim como às ilhas-município de Vieques e de Culebra, onde se situam os campos de manobras da Marinha e dos seus aliados do Tratado do Atlântico Norte e da Organização dos Estados Americanos.



Graças às nossas ações de desafio junto do povo de Culebra, o movimento patriótico conseguiu paralisar as manobras navais nessa ilha-município. Pouco tempo depois, a Marinha acabou as suas operações nessa ilha. Começaram, então, a dedicar todos os recursos no reforço das operações navais na ilha-município de Vieques. As atividades da Marinha nessa ilha, povoada, originalmente, por mais de trinta mil habitantes, e com uma história de produção agrícola muito importante para a sua economia e para a economia de todo o país, obrigaram mais de um terço da população a emigrar devido ao colapso da agricultura.



Vieques tem uma geografia esplêndida que oferece àqueles que a visitam uma paisagem de insuperável beleza e praias de grande atrativo turístico. Esta atividade turística também sucumbe, uma vez que a ilha se converteu, desde os anos quarenta do século 20 até aos primeiros anos do século 21, num campo de tiro, de ensaios bélicos e de armazenamento de armas – incluindo armamento nuclear da Marinha de guerra norte-americana.



O governo ianque chegou a propor um plano de desalojamento total da população viequense. A resistência, com diferentes níveis de ação e de solidariedade, tanto por parte do movimento patriótico porto-riquenho (que, como sempre, foi o iniciador dos maiores desafios) como por parte dos pescadores viequenses, ajudados pelo reforço do patriotismo “boricua”, conseguiu generalizar uma luta para obrigar a Marinha de Vieques a partir. A luta atingiu o seu ponto culminante quando um trabalhador civil da própria Marinha ianque, David Sanes, foi atingido por um míssil, disparado por um avião da Armada, que o matou de imediato. Esse crime, que, historicamente, foi um dos vários que ocorreram no decurso dos anos, teve como conseqüência a tomada de consciência de todo o povo de Vieques, e do povo porto-riquenho, de que a Marinha teria de sair de Vieques.



Seguiu-se uma luta que incluiu manifestações massivas e unitárias, de todo o povo “boricua”, e atos contínuos de desafio com vista a dificultar e impedir as manobras navais do império, na nossa terra. A essa luta uniram-se, em múltiplas participações solidárias, movimentos e grupos diversos, assim como influentes personalidades dos EUA.



Mais tarde, a solidariedade ampliou-se extraordinariamente, e vários foros internacionais compreenderam a luta contra a Marinha, a favor do povo de Vieques e de Porto Rico. O Comitê de Descolonização das Nações Unidas, que exerce jurisdição sobre Porto Rico devido à relação colonial que este mantém com os EUA desde 1972, aprovou, no âmbito das decisões anuais tomadas em relação à questão porto-riquenha, uma resolução, na qual apelava à Marinha dos EUA que findasse os bombardeios em Vieques e que devolvesse ao povo os terrenos ocupados e limpos dos lixos tóxicos.



Em Cuba pudemos falar com o povo, numa das Mesas Redondas da televisão nacional, na qual participou um grupo de representantes de diversas entidades patrióticas, e tendo como convidado o Comandante-em-Chefe da Revolução, Fidel Castro Ruz. Fidel ficou tão impressionado com a luta desenvolvida pelo povo porto-riquenho, no que diz respeito à causa de Vieques, que nos disse, ali mesmo, numa quarta-feira, que falássemos aos cubanos, no sábado seguinte, numa tribuna anti-imperialista em frente da chamada secção de interesse dos EUA, em Havana.



Desta forma, pudemos participar nesse ato massivo que teve como objetivo ajudar-nos a «sacar» a Marinha de Guerra dos EUA de Vieques. Nesse momento, centenas de porto-riquenhos estavam presos por ter entrado em terrenos alegadamente propriedade da Marinha, em Vieques, de forma a dificultar as manobras navais efetuadas pelos invasores ianques. Mais de dois mil desobedientes civis foram presos pelo aparelho repressivo dos EUA, devido às suas (nossas) ações de desafio em Vieques.



Tudo isso levou o Sr. Bush, Presidente dos EUA, ao responder a uma pergunta de um jornalista, numa conferência de imprensa que organizou em Estocolmo, na Suécia, a dizer, «como quem não quer a coisa», que «esses são uns amigos e vizinhos que, no entanto, não nos querem ali, pelo que teremos que partir». E assim partiram de Vieques. Pouco tempo depois fecharam, também, a grande base naval de Roosevelt Roads, no povoado de Ceiba, na parte oriental de Porto Rico.



Tudo o que foi dito foi o resultado do que, na segunda metade do século 20, ficou conhecido como «a nova luta pela independência». Mas o nosso esforço libertário não terminou. Porto Rico continua a ser uma colônia dos EUA.



O século 21 iniciou uma nova fase da nossa luta, já centenária. Teremos, então, de lhe chamar a “novíssima luta pela independência”. Esta é outra etapa da mesma luta. Participa do mesmo acervo acumulado pelas lutas anteriores, no entanto vai marcando uma rota e características próprias.



Temos do nosso lado várias organizações e líderes representantes de diversas correntes de pensamento e de ação independentista. O que mais se destaca é Filiberto Ojeda Ríos, comandante do Exército Popular Boricua, uma pequena, mas heróica, organização armada que tem como principal objetivo, desde o seu primeiro dia de existência, a utilização de todas as formas de luta, incluindo a luta armada, para alcançar a independência. Ojeda Ríos está há quinze anos na clandestinidade e nunca foi preso, apesar das suas freqüentes aparições públicas em diferentes lugares do país, incluindo na televisão, e em entrevistas com jornalistas conhecidos dos diferentes meios de comunicação social.



Filiberto manifestou, num dos seus escritos, a sua adesão à unidade na ação de todos os sectores patrióticos do país. Como demonstração, expressou o seu respeito pelos grupos e pessoas que realizavam ações pacíficas, e que saíram vitoriosos na luta contra a permanência da Marinha em Vieques.



Os governantes ianques decidiram assassinar Filiberto, pelas mesmas razões pelas quais assassinaram Dom Pedro Albizu Campos através da tortura e da aplicação, no seu corpo, dos mais execráveis ensaios bélicos. Um exército de mais de duzentos mercenários e agentes do FBI, e de outras agências de repressão do governo dos EUA, armados com todo o tipo de parafernália de combate, rodeou a modesta casa onde se encontrava o patriota e a sua esposa, numa operação que desrespeitou as áreas aéreas de jurisdição semiautomática do chamado «estado livre associado de Porto Rico (no qual, supostamente, tem o poder policial e de investigação de homicídios, nos territórios sob a sua jurisdição). Assassinaram Filiberto, deixando-o a sangrar durante horas, após um tiro que não lhe provocou a morte imediata. As reclamações feitas pela Secretaria da Justiça do governo de Porto Rico para que o FBI e outras agências “federais”, envolvidas neste caso, lhes entregassem os documentos e provas que tivessem em seu poder sobre as suas “investigações” não tiveram frutos, uma vez que todas as petições feitas pela Secretaria foram recusadas.



Tudo o que foi dito nega a alegação feita pelos “desinformadores” do governo de Washington, e pelos mais incautos porto-riquenhos, os quais alegam que os EUA já não têm qualquer interesse em reter Porto Rico sob a sua dominação colonial, argumentando-se que o interesse de Washington, em Porto Rico, se justificou militarmente, apenas, durante a Guerra-Fria. Com o fim desta, os EUA não têm qualquer interesse em manter Porto Rico como colônia, já que tal situação apenas lhes provocaria perdas.



Geopoliticamente, Porto Rico é o único país caribenho no qual convergem os dois arquipélagos do Mar Caribe, o das Antilhas Maiores, na parte oriental do qual a nossa Ilha maior se situa, e o das Antilhas Menores, no qual as ilhas porto-riquenhas de Culebra e de Vieques são as primeiras de uma cadeia de ilhas que formam um arco que se estende até à costa venezuelana. Somos, por isso, uma das principais entradas na América de todo o tráfego entre a Europa, a África, o leste da América do Sul, da América Central e da América do Norte. E, sobretudo, seremos, se formos livres e independentes, um importante fator na formação de uma grande organização regional caribenha que nos permitirá, tal como Betances, Martí e Hostos o previram, equilibrar as forças do Novo Mundo e proporcionar bem-estar e avanço a todos os nosso povos.



Economicamente, Porto Rico é o principal mercado dos EUA em ambos os arquipélagos caribenhos. De um ingresso anual bruto de oitenta mil milhões de dólares, Porto Rico exporta para os EUA, aproximadamente, trinta e quatro mil milhões de dólares, o que cria uma situação de crescente dependência e de subdesenvolvimento, obrigando um sector da população nacional a buscar a sua subsistência em ações e atividades delituosas. Tudo isto nos condena a uma situação de deterioração social que põe em risco a vida de uma grande parte da população. Os chamados “fundos federais” que são injetados na nossa economia não são, na sua maioria, ajudas, tal como é argumentado pelos defensores da submissão colonial. São pagamentos feitos relativamente a contratos e serviços prestados. Por exemplo, os porto-riquenhos pagaram, no ano passado, para o fundo do Seguro Social nos EUA, duas vezes e meio mais do que o que foi devolvido em pensões e pagamentos aos “boricuas”. Outra parte significativa desses fundos é, por seu lado, feita para pagar veteranos das forças armadas ianques e ex-empregados «federais», pagamentos estes que representam obrigações contratuais por serviços prestados e não ajudas do governo norte-americano.



Tendo em conta tudo o que aqui foi dito, podemos concluir, com grande certeza, que, agora mais do que nunca, Porto Rico tem a oportunidade de invocar o seu direito inalienável à livre determinação e à independência, tal como é reconhecido pelo Direito Internacional e pelo Comitê de Descolonização das Nações Unidas. Pedimos – e, neste momento, fazemo-lo com o apoio de todas as forças políticas do país – que seja dado a conhecer, em toda a sua amplitude, o caso de Porto Rico ante a Assembléia-Geral das Nações Unidas. É urgente que tal seja feito porque somos, sem dúvida alguma, o território colonial remanescente de maior importância do império mais poderoso da nossa época.



Tais são os nossos antecedentes e as perspectivas do que será, daqui para a frente, a «novíssima luta pela independência», sobre a qual continuaremos a informar o(s) nosso(s) amigos(s) solidário(s) em todo o mundo.



Fonte: Diário.info