Evaldo Lima – Hoje o Canto, o Encanto é Messejana

Mecejana – assim mesmo com c, como o nome era escrito nas toponímias antigas- significa na origem indígena “Lagoa do Abandono”. Mas , na verdade a Lagoa era o canto do encanto,  onde a Iracema de Alencar costumava lavar o cabelo “negro como asa da gr

Antes da invasão portuguesa, Messejana era uma região ocupada pelos índios Potiguaras que viviam ali em prática de liberdade onde “todo dia era dia de índio”. Ser feliz era ser livre. Caminhar com a chuva e com o vento numa terra sem dono, onde tudo pertencia a todos que definia a própria identidade coletiva.


 


As práticas coletivistas potiguaras findaram com a chegada dos padres jesuítas falando de um Deus único, mais poderoso que Tupã ou Amanaiara. Os Pajés, tidos como intérpretes dos deuses, foram tratados pelos brancos como embusteiros e charlatões.Assim foi imposta a visão ocidental e eurocêntrica de mundo, responsável por um etnocídio (matança cultural) que precedeu ao genocídio (matança física) dos verdadeiros “donos da terra”. Como dizia a cantiga de uma certa Legião Urbana, “quem me dera ao menos uma vez, com a mais bela tribo, dos mais belos índios não ser atacado por ser inocente”.


 


Antes os índios viviam na terra no limite de onde a vista alcançava. Agora, os homens da Companhia de Jesus os confinaram na Aldeia de São Sebastião de Paupina, onde suas crenças não valiam muito. Quando morreram os deuses, muitos índios também pereceram com a cruz e a espada do colonizador. Em 1760, já com poucos índios, a aldeia foi transformada por El Rey em Vila Nova Real de Mecejana da América, local de grandes engenhos de cana-de-açúcar onde o doce sabor da rapadura era amargo no açoite dos pretos escravizados.


 


O processo de urbanização de Messejana teve início a partir de 1870 quando a vila foi elevada à condição de município. Em 1839 o município foi extinto por uma nova lei, pouco depois voltou a ser município, até que em 1921, Justiniano de Serpa a rebaixou de novo a condição de distrito. Nas primeiras décadas do século XX o distrito de Messejana contemplava 27 bairros espalhados por uma área total de 135 quilômetros quadrados onde viviam 300 mil habitantes. Anos mais tarde, o distrito foi transformado em regional e metade dos seus bairros passou para a regional da Cidade dos Funcionários.


 


Nos seus primórdios, Messejana recebia os ventos do mar e do sertão e o clima agradável era especialmente indicado para a recuperação de doentes. Por esta razão, em 1932 foi instalado o Sanatório de Messejana. A beleza do lugar também atraiu famílias tradicionais que escolheram a região como moradia. O Padre e Senador José Martiniano de Alencar ali viveu um  intenso amor terreno com uma prima e teve vários filhos, dentre os quais o romancista José de Alencar. Hoje, ao redor da Lagoa, ainda existem mansões que contrastam com a modéstia das moradias mais humildes de uma gente humilde, que ainda coloca cadeiras nas calçadas para uma prosa no final da tarde. Gente com fiapo de riqueza mas com fortuna de generosidade e virtude.


 


A calma do lugar é quebrada nos fins de semana com a feira livre e a feira das bicicletas, algumas das quais de procedência duvidosa. Mais duvidoso ainda é qualidade da música com os forrós eletrônicos perturbando o sossego de Iracema e da gente mais pacata do lugar. Os barraqueiros vendem de tudo: utensílios domésticos, animais, produtos importados, roupas e verduras nas proximidades das águas poluídas da lagoa que nada lembra o romance de Alencar.


 


Para os índios , antigos moradores, Messejana era a “Lagoa do Abandono”. Hoje, é local de encontro, canto e encanto de uma gente digna e trabalhadora que constrói uma nova história com o suor do trabalho e sobrevive num mundo adverso na aventurosa existência de caçadores furtivos do cotidiano.


 


 


Evaldo Lima é professor de História e colunista do Vermelho/Ce