Michel Tirabosco, Música e superação

Michel Tirabosco venceu dificuldades para se tornar um flautista reconhecido na Europa. O músico se apresenta hoje, às 19h, na Igreja Matriz de Aquiraz

Tocar flauta sem as mãos? A trajetória musical de Michel Tirabosco, italiano que cresceu na Suíça e nasceu com apenas uma parte de ambos os braços, prova que é possível. E que desafios aparentemente intransponíveis podem ser contornados a partir de esforço, persistência, adaptação. Foi assim com o músico, que ao lado dos cearenses Adelson Viana (acordeom) e Nélio Costa (contrabaixo) realiza hoje apresentação especial na Igreja Matriz de Aquiraz, na inauguração de um Núcleo de Educação voltado ao atendimento de pessoas com necessidades especiais.


 


O antebraço, dois dedos em cada ´mão´ e uma grande dose de talento foram suficientes para que Michel trilhasse um caminho musical iniciado já na infância e consagrado em instituições como o Conservatório Superior de Genebra, onde é graduado em Cultura Musical, e o Instituto Superior de Música de Genebra, pelo qual se formou mestre em flauta de Pã, instrumento conhecido pela dificuldade na execução.


 


´Comecei aos sete anos. Meu pai era cantor, então eu cresci em um mundo musical, na minha casa. A música era natural pra mim. Depois freqüentei Conserrvatório, estudei música clásica´, ressalta Michel, frisando que a flauta de Pã o permite obter o mesmo resultado alcançável por qualquer músico. ´Esse instrumento foi realmente feito pra mim. E desde criança eu queria fazer música, realmente. Pra mim, sempre foi muito importante. A música mudou a minha vida´.


 


À primeira vista, a condição de portador de necessidade especial desperta curiosidade por parte do público, admite Michel Tirabosco. Sentimento logo superado em prol do que, para ele, é o mais importante: a música. ´Acho que as pessoas me vêem como um músico, acima de tudo. Ficam curiosas, mas depois esquecem de tudo o mais. Claro que cada pessoa tem sua própria reação, mas nunca tenho isso em mente. Sempre explico que isso não é um problema pra mim´, afirma. ´As diferenças são muito importantes no mundo de hoje. A música é o que importa mais: é a verdadeira linguagem internacional, pra falar com as pessoas de qualquer lugar´.


 


O desafio pessoal, por mais complexo que possa parecer, foi superado com naturalidade pelo flautista. ´Já nasci assim, e nunca chegamos a saber ao certo o que aconteceu. Minha mãe passou por uma cirurgia quando estava com três meses de gravidez, então talvez isso tenha influenciado´, pondera. ´Mas não importa pra nós. É meu destino, e hoje em dia sou muito feliz. Meus pais foram tão incríveis comigo, que eu pude ter ir à escola, enfim, ter uma vida absolutamente normal, como todo mundo´.


 


Flauta de Pã


 


Visitando o Brasil pela segunda vez e dizendo-se satisfeito pela oportunidade de tocar no Ceará (´O mar é maravilhoso, e as pessoas são muito simpáticas´), Michel Tirabosco detalha a especificidade de seu instrumento – a Flauta de Pã, na América Latina mais associada à música nativa de países como o Chile e o Peru. ´Aproveito o show para falar um pouco ao público, explicando a técnica da flauta, porque as pessoas não conhecem muito do instrumento. Talvez conheçam mais a que vem da América do Sul, mas a minha vem da Romênia, é bem diferente´, demarca.


 


No repertório da apresentação de hoje, na companhia dos anfitriões Adelson Viana e Nélio Costa, Tirabosco promete apresentar temas da música venezuelana, composições do brasileiro Celso Machado, tangos clássicos do argentino Ástor Piazzola e peças do alemão Johann Sebastian Bach. Oportunidade que o músico europeu pretende aproveitar para também buscar referências sobre flautistas brasileiros. ´Espero poder conhecer um pouco mais sobre os flautistas e a música brasileira como um todo´.


 


Musicalidade e desenvoltura


 


Encarregado de acompanhar Michel Tirabosco na apresentação desta noite, o pianista, acordeonista, compositor e arranjador cearense Adelson Viana destaca a desenvoltura do músico europeu na execução musical em um instrumento complexo. ´Ensaiamos algumas músicas, pegando alguns clássicos do repertório de flauta, trazendo pra flauta de Pã. Apesar da questão da deficiência, ele se mostrou um exímio flautista´, ressalta Adelson, pontuando . ´Os tangos do Piazzola, por exemplo, ele gosta muito e toca muito bem. Ele tem como se fosse dois dedinhos, e ele segura a flauta de Pã, tocando com a boca, e consegue ter uma agilidade muito grande. Além de uma perfeição na execução´, destaca o músico cearense, concluindo: ´Além de tocar perfeitamente, também escreve música. Enfim, não fica nada faltando´.


 


Além da formação erudita em flauta, Tirabosco também se dedica a outras vertentes, como a ´música étnica´ e o jazz, universos pelos quais trafega com seu Michel Tirabosco Trio, formado com o pianista Jean-Marie Reboul e o contrabaixista Franck Cottet Dumoulin, com o qual costuma se apresentar constantemente na Suíça e em outros países da Europa. Michel conta com 12 CDs gravados, ao longo de mais de 20 anos de carreira.


 


Na opinião do especialista: Heriberto Porto, Flautista e professor-doutor da UECE, a flauta de Pã é um instrumento tradicional da música de países como a Romênia e a Hungria. Ela tem uma origem antiga, mas é um instrumento bastante aperfeiçoado, para poder ter todas as notas todas da nossa música. Os romenos conseguiram um nível de virtuosismo muito grande. Eles criaram uma escola na Flauta de Pã, que parece um pouco com as flautas peruanas, mas é bem diferente, tem mais notas, é um instrumento bem mais completo. E dificílimo de tocar! Cada tubo é uma nota, então as notas ficam distantes. E eles conseguem tocar concertos de Mozart, as peças clássicas da flauta tranversal, de uma forma incrível. O nome da flauta é uma referência ao deus Pã, da mitologia. Ele queria conquistar uma ninfa que foi transformada, por outra deusa ciumenta, naqueles pequenos bambus que vivem na água. Ele cortou aqueles bambus e fez a flauta de Pã, pra tocar sua tristeza. Entre os grandes nomes da flauta de Pã está Georges Zamphir, que ajudou a tornar mais popular o instrumento.


 


 


De Fortaleza,


Dalwton Moura