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A hora e a vez do Juca: o que planeja o sucessor de Gil

O sociólogo baiano Juca Ferreira, de 59 anos, é desde quinta-feira (28) o novo ministro da Cultura do Brasil. Ex-exilado político durante a ditadura militar, Ferreira, que é filiado ao Partido Verde, foi, durante os últimos seis anos, o principal colab

Ferreira falou com exclusividade ao Estado durante quase duas horas em seu gabinete em Brasília e comentou sem papas na língua sobre todos esses assuntos. Antecipou a intenção de criar fundos setoriais — a exemplo do Fundo Setorial do Audiovisual — para todas as áreas da cultura no País e admitiu que o governo não foi tão bem-sucedido até agora no apoio direto às artes. Disse que pleiteia reforços orçamentários — da Fazenda, por exemplo, quer duas extrações anuais da Mega Sena. E pretende criar o Vale Cultura, semelhante ao Vale Refeição, para ser usado em espetáculos artísticos.


 


João Luiz Silva Ferreira virou Juca Ferreira numa remota noite em 1967, quando era militante estudantil na União Brasileira dos Estudantes Secundaristas. Houve naquela noite em Salvador uma série de prisões de militantes políticos, e ninguém sabia onde João Luiz tinha se metido. Todos achavam que estava preso ou que fora morto. “Mas eu tinha ido dormir na casa de uma namorada e quando reapareci, já com o dia claro, riram muito de mim e me pespegaram esse apelido, por causa da música do Chico Buarque, e que ficou até hoje. Só uso meu nome para assinar cheque ou publicar no Diário Oficial. Só minha mãe me chama pelo nome de batismo”, ele contou.


 


“Juca foi autuado em flagrante/ Como meliante/ Pois sambava bem diante/ Da janela de Maria/ Bem no meio da alegria/ A noite virou dia/ O seu luar de prata/ Virou chuva fria”, diz a letra de Chico.


 


Filho de um construtor de estradas na Bahia, ele passou a infância de forma cigana, vivendo em muitos lugares e bairros de Salvador, do Farol da Barra ao Jardim de Alá. Nota-se de cara que é um animal político, adora a política. “Como mudam as coisas, não? Você vê agora, lá na Bahia, ACM Neto só fala bem de Lula, está cheio de amor para dar. É claro: faz isso porque sabe que suas bases, no interior do Estado, estão todas com Lula”, alfineta. Foi quase sempre assim. Ele se recorda que, quando garoto, tentou praticar remo no Esporte Clube Vitória da Bahia, mas foi barrado. “Você é muito magricela”, disse-lhe o instrutor.


 


Agora, na condição de capitão do barco do Ministério da Cultura, Juca chegou falando francamente. “O governo conseguiu a incorporação na economia de quase 30 milhões de brasileiros que migraram para a classe C, aumentaram seu poder aquisitivo. Mas não basta mudar o poder aquisitivo. Um projeto de nação, de um novo ciclo de desenvolvimento no Brasil tem de associar essa redução da desigualdade e o aumento do poder aquisitivo à educação e à cultura”, ponderou. “A educação já está consolidada como um universo compreendido pela sociedade como tal. A cultura está começando agora, e vai ter de ter em algum momento responsabilização do Estado através da dotação orçamentária. Isso é inevitável.”


 


Sua presença nos bastidores do poder nacional tem se caracterizado por essa franqueza. “O mecanismo da Lei Rouanet não é capaz de financiar política pública, porque a empresa que se associa — não há nenhuma crítica nisso — quer retorno de imagem. Quem pode dar retorno de imagem é artista consagrado. E além do mais, a empresa acaba selecionando socialmente também. Atividades culturais ligadas a segmentos de pouco poder aquisitivo não têm capacidade de atrair patrocínios. Atividades longe do Sudeste também têm pouca capacidade. O mecanismo acaba reforçando as distorções, as concentrações e as exclusões em vez de ajudar a realizar política pública que, de fato, gere desenvolvimento cultural para todo o Brasil”, considera.


 


“É preciso que o governo compreenda que é no momento da destinação orçamentária que o governo manifesta sua responsabilidade com a cultura. É insubstituível isso. Na reforma da Lei Rouanet que a gente está trabalhando, nós manteremos a renúncia fiscal, demandamos ao governo um fortalecimento da dotação, que não seja abaixo do 1%, que é uma meta recomendada pela Unesco. Essa é uma questão crucial.”