Nas beiras do Fórum Social Mundial (FSM), pela primeira vez Belém do Pará reuniu os povos das águas amazônicas. Um encontro realizado entre os dias 27 e 31 de janeiro de 2009, para promover o conhecimento e reconhecimento da realidade socioambiental das c
Publicado 03/02/2009 11:15 | Editado 13/12/2019 03:29
Embora o evento do antigo convento dos Mercedários – lugar de memória da Cabanagem – não tenha gozado dos holofotes da mídia; será talvez, dentre todos mais, o que dará os frutos mais consistentes a curto prazo, na perspectiva de que um outro mundo é possível, de fato.
O seminário “Cultura, Cidadania e Natureza” e o fórum “O Estado de Direito: Conhecimento e Reconhecimento dos Povos das Águas da Amazônia Paraense” relembraram a histórica exclusão dos povos ribeirinhos pela escravatura indígena e negro-africana da época colonial e do império, com a longa espera de liberdade e justiça desde a suposta anistia da Cabanagem (1840) até o martírio de Chico Mendes, no Acre. A virada para o estado democrático levou à Constituição do Estado do Pará, que completa 20 anos em 2009; cujo Art. 13, parágrado 2º; determina, de maneira emblemática, embora se refira especificamente a Marajó, atenção a todas comunidades tradicionais do estuário amazônico: “O Arquipélago do Marajó é considerado área de proteção ambiental, devendo o Estado levar em consideração a vocação econômica da região, ao tomar decisões com vistas ao seu desenvolvimento e melhoria das condições de vida da gente marajoara.”
Este dispositivo constitucional, jamais implementado, denuncia o despreparo das elites amazônicas e se estende a todas regiões amazônicas pesando sobre as oligarquias como a espada de Damocles. Está prenhe de simbolismo e suscita lideranças comunitárias em favor do desenvolvimento humano das populações ribeirinhas. Como prova, a demanda da “Associação dos Caranguejeiros de Soure (ACS)” para criação da primeira reserva extrativista marinha da Amazônia, a RESEX de Soure (“Maruanazes”). Cujo núcleo, por acaso, veio ser o sítio histórico de escravização de índios pescadores, o
Pesqueiro Real não longe da sede da reserva na comunidade de Cajuuana. Daí em diante, demandas populares semelhantes deram impulso ao vigoroso movimento socioambiental que o projeto “Nossa Várzea” de regularização fundiária encarna.
Apesar da enorme noite colonial, pouco a pouco, os povos das águas vão se tornando conscientes da ancestralidade da Cultura Marajoara – a primeira cultura complexa da Amazônia, de 1500 anos de idade (cf. http://www.marajoara.com ) – criada por povos originais pescadores do lago Arari. Onde, em 1972, na vila do Jenipapo, habitat de pescadores remanescentes dos antigos marajoaras; Giovanni Gallo inventou “O Nosso Museu do Marajó”, embrião do atual Museu do Marajó, em Cachoeira do Arari – http://www.museudomarajo.com.br .
Por feliz coincidência, no mesmo ano de 1972 o “índio sutil” Dalcídio Jurandir teve reconhecimento nacional pelo conjunto de obras ao receber o Prêmio “Machado de Assis” da Academia Brasileira de Letras (ver http://www.dalcidiojurandir.com.br ). Desta maneira, populações tradicionias (“criaturada grande de Dalcídio”) são fator de integração regional por excelência, em conformidade com a ecologia humana dos povos das águas habitando em mais de mil “aldeias” ou comunidades locais, na Costa Paraense e estuário Pará-Amazonas. Aí, cada comunidade tem o potencial de uma aldeia do futuro: casando tradição e alta tecnologia.
Democracia participativa, autogestão, conservação da biodiversidade, diversidade cultural e o diálogo cooperativo entre comunidades são aspectos vitais da Amazônia Sustentável visando ao conhecimento e reconhecimento de direitos, e saberes tradicionais, notadamente através de inovação tecnológica respeitosa da tradicionalidade regional e a economia solidária como meio de geração de renda familiar buscando o crescimento do IDH conforme as Metas do Milênio (até 2015) e a Agenda 21, para superar todas formas de Pobreza, exclusão e violência.
Urge acelerar a regularização fundiária, com prioridade a unidades de conservação em parceria com comunidades tradicionais, notadamente reservas extrativistas e de desenvolvimento sustentável em terrenos de várzea, mangues e dunas do patrimônio da União. A autogestão de territórios tradicionais, mediante investimentos para produção sustentável em extrativismo e agricultura familiar sustentável é uma aspiração mediante estratégias de economia solidária e parcerias mistas públicas e privadas para o mercado.
Para assegurar continuidade ao processo de integração e organização social das comunidades parceiras do desenvolvimento sustentável Fórum dos Povos das Águas quer assumir caráter permanente usando sítio eletrônico, com sofware livre; e desenvolver sistema de apoio às comunidades tradicionais. Demandar apoio do programa multilateral MAB / Unesco para orientar processo de candidatura do Marajó à lista mundial de reservas da biosfera e do Salgado Paraense a ser declarado patrimônio natural da humanidade.
Esperam modelagem de uma escola da comunidade que se torne centro integrado local desde os primeiros anos de alfabetização e que tenha forte impacto na alfabetização de adultos. Ações de saúde, esporte, lazer, preparação para artes e ofícios ativas. Uma escola local, não necessariamente de prédio sofisticado; mas de maneira que cada residência da comunidade seja extensão da escola e vice-versa. Plataforma de promoção comercial de produtos em economia solidária. Revitalização de seringais nativos a ser tentada buscando-se recursos compensatórios para preservação da floresta (créditos de sequestro de carbono e prevenção da Mudança Climática) a fim de produzir preservativos e material cirúrgico destinados a prevenção de doenças sexualmente transmitidas, inclusive em campanhas de saúde pública em terceiros países mediante cooperação Sul-Sul.
Utopia dos pobres do mundo, os povos das águas esperam constituição de fundo mundial compensatório em benefício de comunidades tradicionais usuárias de reservas extrativistas, no espírito do programa MAB / UNESCO; à exemplo do que foi o plano Marshall para a Europa; que leve por título “Plano Mandela” em homenagem ao líder sul-africano vencedor do regime racista do Apartheid, Nelson Mandela.