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As Forças Armadas com Evo Morales?

Considerada a nação mais instável da América do Sul, a Bolívia, em 184 anos de vida republicana, teve, em média, um governante a cada 25 meses. Desde sua fundação, o país coleciona golpes de Estado, ditaduras, juntas militares e governos que não conclu

Apenas entre 1825, data da independência em relação à Espanha, e 1982 (fim da última ditadura militar), os bolivianos foram testemunhas de 193 golpes de Estado, incluindo as tentativas frustradas. Nenhum outro país sul-americano presenciou tamanha instabilidade, com tantas rebeliões contra governos em exercício.


 


Diante desse conturbado histórico, não são raras as indagações quanto à correlação de forças entre o atual governo boliviano e as Forças Armadas, e a maneira como o presidente Evo Morales Ayma vem trabalhando para evitar que o exército apóie ou participe, por exemplo, de um golpe de Estado estimulado pela direita.


 


Em que pese o histórico de instabilidade, o advogado Waldo Albarracín não acredita que possa haver uma ruptura democrática na atual conjuntura que vive o país. “É certo que a história da Bolívia é marcada por rupturas democráticas, mas desde 1982 não há uma ditadura. A democracia já alcançou tal maturidade que já não é possível voltar à etapa anterior”, afirma ele, que exerceu, entre 2003 e 2008, o cargo de Defensor do Povo.


 


Boa relação


 


“O governo Morales pode ter seus choques com a direita, mas não vejo risco de rompimento institucional”, complementa Albarracín. O advogado explica que, durante o governo Evo, houve uma aproximação até então inédita entre as Forças Armadas (FFAA), o povo e os movimentos sociais organizados.


 


De fato, o Executivo vem, claramente, investindo namanutenção da estabilidade das relações com as Forças Armadas. Cerca de um mês antes do referendo de 25 de janeiro, que aprovou a nova Constituição do país, o presidente promoveu todos os oficiais.


 


Além disso, sua primeira atividade pública após o pleito – três dias depois – foi um ato conjunto com o ministro da Defesa, Walker San Miguel, que recebeu a doação de cinqüenta caminhonetes para serem usadas pelo Exército na distribuição da Renda Dignidade, bolsa concedida aos maiores de 60 anos com recursos provenientes da exploração de hidrocarbonetos.


 


A boa relação entre os militares e o governo também fica nítida nas palavras do Comandante-Chefe das Forças Armadas da Bolívia, o almirante José Luis Cabas. Instância superior do Estado Maior, Cabas, em entrevista ao Brasil de Fato, destaca que, apesar de não mudar o que sempre foi o papel das FFAA, a nova Constituição deixa mais explícita sua real participação na nova estrutura do Estado.


 


“A nova Carta, recentemente promulgada, é bastante ampla, sana algumas debilidades que existiam no antigo texto e se aproxima das necessidades de todo o povo da Bolívia. Não há grande diferença no fator militar e seguiremos cumprindo com vigor o que está estabelecido”, diz.


 


Aproximação


 


Eduardo Paz Rada, diretor de sociologia da Universidade Mayor de San Andrés (UMSA), concorda com as avaliações do ex-Defensor do Povo e avaliza as palavras do Comandante-Chefe das FFAA. “As Forças Armadas atuam de forma integrada nas políticas sociais.


 


Participaram do Programa de Alfabetização [que erradicou o analfabetismo em dezembro de 2008] e nas catástrofes naturais, como recentemente no departamento de Beni, em conjunto com a Defesa Civil. Elas estão agindo para além de sua função castrense”, explica.


 


Paz Rada destaca ainda que Evo aposentou todos os comandantes da velha guarda assim que assumiu o governo. Hoje, os atuais ocupantes dos altos escalões têm declarado publicamente que se submetem ao Poder Executivo.


 


Além disso, o governo tem mostrado habilidade para manter a boa relação. Os salários foram aumentados em 14%, os uniformes são novos e os equipamentos, modernos. Para completar, a todo o momento, Evo promove confraternizações com os militares e visita os quartéis espalhados pelo país.


 


Uma outra demonstração do sucesso da parceria entre governo e Forças Armadas foi a aplicação, em setembro de 2008, do estado de sítio no departamento de Pando, após o assassinato de mais de uma dezena de camponeses pró-Evo. A medida culminou na prisão do ex-governador, Leopoldo Fernández, hoje encarcerado em La Paz.


 


Ação coordenada


 


No dia 18 de fevereiro deste ano, o prefeito de El Porvenir – local do massacre – e outros doze acusados também foram detidos. Toda a ação em Pando, que teve amplo apoio popular, foi comandada pelo ministro da Presidência, Juan Ramón Quintana.


 


“Depois de muito tempo houve uma ação militar coordenada entre todas as componentes das Forças Armadas para evitar que os grupos de poder ligados ao ex-governador de Pando ficassem impunes após o massacre”, ressalta Eduardo Paz Rada, que, por todas essas razões, acredita ser muito difícil ocorrer um golpe na atual conjuntura boliviana: “Teria um rechaço popular e dos movimentos sociais muito grande. Os militares do último golpe já estão aposentados e, até agora, já são 25 anos sem ditadura militar. Só se houver um desgaste muito forte do governo, seja por corrupção ou por alguma crise, mas, mesmo assim, seria muito difícil devido ao desenvolvimento que o país vive”.


 


O sociólogo vê, ainda, a característica nacionalista das Forças Armadas como um ponto de apoio no governo Evo Morales Ayma, que já retomou o controle para o Estado de diversas empresas em seus três anos de gestão.


 


Partidos políticos fortes, movimentos sociais estruturados e a estabilização da economia, outrora inexistentes, são os outros três aspectos apontados pelo professor da UMSA como fatores inibidores de um novo golpe militar.