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Diplomata do Brasil nos EUA defende abertura de mercado

As relações entre Brasil e Estados Unidos devem avançar significativamente assim que a bruma da crise financeira começar a se dissipar, segundo avaliação do embaixador José Alfredo Graça Lima, que acaba de assumir o Consulado geral do Brasil em Los Angele

Nesta entrevista ao Estado, o embaixador também disse que o Brasil deveria abrir mais o seu mercado, ainda que isso possa prejudicar a oferta de empregos em alguns setores. O ingresso da Venezuela no Mercosul – que ainda depende de aprovação do Senado brasileiro, criticado por Chávez no passado – não atrapalha as negociações do Mercosul nos fóruns internacionais, de acordo com o diplomata. A Rodada Doha, acredita, não deve trazer “espetacular crescimento” do comércio e abertura de mercados.


 


O nome do embaixador Graça Lima, que conta 40 anos de carreira, está ligado a praticamente todas as grandes negociações comerciais de que o Brasil participou nas últimas décadas. Ele atuou na Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad), participou da Rodada Uruguai, foi representante do Brasil no Mercosul e na União Europeia.


 


A boa relação entre Obama e Lula ajuda no relacionamento entre os dois países?


 


Certamente. As relações entre Brasil e EUA na era Bush não eram más, eram até muito boas, pelo fato de haver respeito mútuo. Depois de abandonado o plano da Alca (Área de Livre Comércio das Américas), verificou-se que há áreas em que a cooperação pode ser muito frutífera. É o caso da energia alternativa, do uso do etanol. Temos uma agenda positiva, mais do que uma agenda negativa. Acho que no governo Obama isso tende a se ampliar. Primeiro porque a guerra do Iraque e o combate ao terrorismo estão tomando outra dimensão. Tudo colabora para aproximar os EUA da América Latina em geral e do Brasil em particular.


 


Surgiu uma boa química entre os dois presidentes. Eles têm certamente pontos em comum. O fato de Obama ter dito que Lula era o presidente mais popular do mundo e Lula dizer que Obama poderia ser confundido com um baiano tem importância enorme nas relações internacionais. As pessoas encontrarem semelhanças e pontos comuns, ainda que as suas agendas internas possam ser diferentes.


 


O fato de o presidente Obama ter sido eleito com a expectativa de os Estados Unidos serem mais propensos ao multilateralismo é para mim o mais importante. Gostaria que isso viesse a se dar também em matéria de comércio.


 


Na prática, o que o governo Obama pode mudar nas relações com o Brasil?


 


Num primeiro momento, nada específico, porque todo mundo está mais preocupado em resolver suas questões internas. Mas à medida em que você sai da recessão, abre-se um mundo de possibilidades. Não digo a ressurreição do Alca, mas um tipo de busca de entendimento entre Mercosul e EUA, ou, dependendo de como estiver o Mercosul, entre Brasil e EUA.


 


O Brasil hoje é o nono maior destino das exportações americanas e compra dos EUA porque precisa do que os americanos produzem. São produtos que nós não fazemos bem: máquinas, equipamentos, bens de alta tecnologia, serviços que são importantes para a nossa própria economia.


 


O que quero dizer é que existe entre Brasil e EUA mais complementaridade do que, por exemplo, entre Brasil e algum vizinho que também é produtor agrícola importante, que concorre, portanto, com o Brasil na abertura de mercados.


 


O ingresso da Venezuela no Mercosul ajuda ou atrapalha?


 


Este assunto ficou muito politizado por causa das declarações do presidente Chávez com relação ao Senado brasileiro. Não sou daqueles que acham que a Venezuela representa o fim da união aduaneira ou vai complicar nossa participação em negociações internacionais como bloco. Veja que na OMC o Mercosul não atua como bloco. É diferente da União Europeia (UE). Cada país faz as suas próprias negociações e, dependendo dos resultados, eles vão ter que arrumar a casa, o que acontecerá com o Mercosul na hipótese de conclusão da Rodada Doha.


 


Doha não vai resultar em espetacular crescimento do comércio e abertura em todos os níveis. A oferta europeia é muito pobre. E os EUA vão continuar subsidiando alguns produtos agrícolas, mas eu acho que vai fazer bem a países que ainda têm tarifas muito altas em alguns setores.


 


O Brasil também deveria liberalizar mais seu comércio externo?


 


Se você puder liberalizar o comércio externo, certamente estará contribuindo para uma economia mais saudável, em que os consumidores de baixa renda podem exercer sua liberdade de escolha. Ao Brasil interessa cada vez mais fortalecer o seu mercado interno, no sentido de fazer com que sua produção e, portanto, sua riqueza, reverta em benefício da própria sociedade. É claro que você vai precisar de ajustes e no curto prazo você precisa mesmo é distribuir melhor a renda. Temos muita desigualdade desde a época da escravidão. Precisamos, sobretudo, de algumas reformas que já estão maduras. Por exemplo, mudar o sistema tributário.


 


Em que setores o Brasil ainda deveria se abrir mais?


 


Eu li um relatório que os EUA fazem todos os anos, que elenca – na visão americana – as barreiras que as exportações americanas enfrentam. Tem oito páginas sobre o Brasil. Não digo que aquilo é um retrato perfeito, mas você tem lá algumas indicações dos setores que são mais protegidos.


 


Eles reclamam sobretudo dos setores automotivo, têxtil, plástico e químico, em que as tarifas são as mais altas. No caso dos automóveis, por exemplo, a tarifa é de 35%. Isso deve levar a uma reflexão para avaliar em que medida a abertura pode resultar em aumento da produtividade. Você não abre o seu mercado para satisfazer os interesses de terceiros, mas para ajudar a si mesmo, esse é o princípio do livre comércio. Se você pode comprar alguma coisa muito mais barato do que custaria se você produzisse internamente, é bom negócio para quem compra e para quem vende. E sobretudo para o consumidor de baixa renda. Porque o rico, no Brasil ou em qualquer lugar, não se importa muito se o preço de uma televisão ou de um produto eletrônico tem uma variação qualquer, mas para o pobre faz toda a diferença. Ele vai ter que trabalhar mais horas para adquirir isso – se tiver trabalho. Se você tiver mais concorrência interna, isso é um ganho e não vai implicar queda de arrecadação nem vai afetar a sua conta corrente porque as contas públicas no Brasil estão sendo bem administradas.


 


E não afeta a oferta de empregos?


 


Alguns empregos e em alguns setores, apenas. A importação de insumos, naturalmente, vai criar melhores condições para você exportar mais. Você precisa modernizar a sua indústria para poder crescer, para poder fazer crescer a sua produção e portanto as suas exportações. A corrente produtiva mudou muito. Hoje, para fabricar o que quer que seja, você terá que importar insumos de onde seja mais barato. Você às vezes até investe no exterior para importar aquela parte ou aquele componente e, portanto, dinamizar ou otimizar a sua planilha de custos.


 


Tudo isso demonstra que quanto mais global for a economia, maiores as possibilidades de todos ganharem. O contrário também é verdadeiro. Quanto mais você se fecha, mais efeito contaminador isso tem e mais empobrecida a economia internacional fica. Essa avaliação encontra resistência no próprio governo. O Brasil teve um longuíssimo período de substituição de importação. Há um elemento cultural importante aí, que não pode ser negligenciado e há pouco apoio ao livre comércio. Mas quando você está numa negociação, você tem que oferecer alguma coisa. Numa negociação como a de Doha há sempre a expectativa de que o custo político da liberalização seja absorvido pelo que você vai obter em troca.


 


O encontro do G-20 traz resultados positivos para o Brasil?


 


Era uma reunião necessária. Ela tinha sido prevista num ponto crítico da crise econômica, que acabou evoluindo para este ciclo recessivo que enfrentamos agora, e acho que ela constituiu um sinal positivo para os investidores. A bolsa aqui reagiu, foram cinco dias de alta, o que é bastante significativo. Numa economia cada vez mais globalizada, os países emergentes têm papel importantíssimo a desempenhar, seja como mercados consumidores, seja como fornecedores. No caso do Brasil, como fornecedor confiável de produtos primários e até de algumas manufaturas leves. O Brasil tem uma economia interessante, diversificada, produzindo com abundância produtos agrícolas e energia. Isso é extraordinário.