Vitória histórica de Cuba e da América Latina na OEA
A OEA (Organização dos Estados Americanos) revogou após 47 anos a expulsão de Cuba. É uma vitória histórica de Cuba e da América Latina nesta quarta-feira hondurenha, 3 de junho de 2009, contra uma resistência obstinada dos Estados Unidos e sua secretá
Publicado 03/06/2009 21:36
Hillary embarcou para Honduras dizendo que “Cuba precisa abrir-se democraticamente antes de voltar ao sistema interamericano”. “Até o último minuto exerceu pressão para que a resolução fosse aprovada com condições sobre o ordenamento político, social e econômico de Cuba”, conforme reportou Rolando Segura, jornalista da Telesul na reunião da noite de terça-feira na cidade hondurenha de San Pedro Sula.
Sorriso amarelo americano
A pressão não funcionou. A secretária de Estado viajou tarde da noite para o Egito (onde acompanha o presidente Barack Obama em outro abacaxi diplomático-imperial) maldizendo a impontualidade latino-americana, que não lhe permitiu ler o longo discurso que trouxera, mas sobretudo a obstinação latino-americana em reparar a injustiça cometida em 1962 sob comando dos EUA.
Portanto, Hillary já não estava presente quando a ministra hondurenha anunciou o resultado do grupo ministerial de trabalho. Coube a Thomas Shannon, secretário adjunto para Assuntos do Hemisfério e representante dos EUA na OEA (e proximamente embaixador dos EUA no Brasil) jogar a toalha. “Hillary Clinton pediu-me que expressasse seu orgulho por ter participado desta assembleia da OEA e do grupo de trabalho que aprovou a resolução”, disse Shannon, com um sorriso amarelo.
Triunfo da unidade latino-americana
Foi uma vitória da justiça. A alegação americana, de que Cuba violaria direitos humanos, cai por terra diante da convivência da OEA com tiranias como as de Augusto Pinochet no Chile, Garrastazu Médici no Brasil e tantos outros. Aliás, se existe algum centro de violação de direitos humanos em território cubano, este é o campo de prisioneiros de Guantânamo, onde os EUA ainda hoje mantêm 240 prisioneiros da chamada “guerra ao terrorismo”, submetidos a torturas que o ex-vice presidente Dick Cheney defende em público (quatro já se suicidaram, o último deles nesta quarta-feira; tinha 31 anos e enforcou-se após mais de sete anos encarcerado sem qualquer acusação), numa situação que o próprio Obama admite ser ilegal.
Porém a justiça por si não explicaria a vitória, já que não conseguiu impedir que a injustiça eternizasse durante 47 anos. A decisão da 39ª Assembleia Geral da OEA em Honduras foi sobretudo uma vitória da unidade dos latino-americanos.
Neste momento, dentre as 35 nações das três Américas, apenas os EUA não têm relações diplomáticas com Cuba. O último a reatá-las foi El Salvador, com a posse domingo do presidente Maurício Funes, da Frente Farabundo Martí – presenciada por Hillary em outra missão diplomática de engolir sapos latino-americanos.
A OEA de 1962 e a OEA desta quarta
Era bem outra a correlação de forças na 8ª Assembleia Geral da OEA, que votou a expulsão de Cuba, 47 anos atrás (31/1/1962). Meses antes, na Conferência de Punta del Leste, o chanceler da jovem Cuba revolucionária, Ernesto Che Guevara, ousara desafiar o império dos EUA sobre a organização. Acabara de fracassar o desembarque de mercenários vindos de Miami na Baía dos Porcos, com a missão de derrubar o novo poder e matar Fidel Castro. Os EUA ordenaram a expulsão da Ilha rebelde; e a OEA, submissa, aprovou.
Não sem resistência. Enquanto 14 países aprovaram a resolução, e Cuba, claro, votou contra, seis delegações se abstiveram. O Brasil do presidente João Goulart, representado pelo chanceler San Thiago Dantes, foi um deles. Os outros foram Argentina, Bolivia, Chile, Equador e México. Abster-se era o máximo de ousadia que o Tio Sam tolerava na OEA.
Nesta quarta-feira, era outra a América Latina que confrontou o imperialismo norte-americano na 39ª Assembleia Geral. Tão rebelde, tão decidida, tão segura de sua nova força e tão unida, apesar das futricas sobre “três posições”, que foi a vez do império se curvar. A representação dos EUA sequer pôde se abster, pois seria expor ao mundo o seu isolamento. Teve de se contentar com algumas emendas pró forma no texto aprovado, que diz:
“A resolução 6 adotada em 31 de janeiro de 1962 na 8ª reunião de consulta de ministros das Relações Exteriores, mediante a qual se excluiu o Governo de Cuba de sua participação no Sistema Interamericano, fica sem efeito na Organização dos Estados Americanos.”
Uma Reflexão de Fidel
Agora, cabe apenas a Cuba decidir se retorna ou não à OEA. Caso retorne, o fará sob a mais estrondosa salva de palmas que a Organização já assistiu em 61 anos.
Cuba tem reiterado que não voltará, denunciando com razão o passado de um sistema interamericano cuja razão se ser desde o início foi impor o domínio estadunidense. Se irá ou não reconsiderar esta postura face à realidade pós-39ª Assembleia, provavelmente vai depender em primeiro lugar da batalha que passou mais do que nunca à ordem do dia: o fim dessa outra peça de museu com meio século de existência que é o bloqueio americano.
A propósito, vale ler com atenção a Reflexão de Fidel Castro escrita na terça-feira (2). Nela o velho revolucionário de 82 anos esbanja lucidez e astúcia de guerrilheiro.
A Reflexão é quase toda entre aspas. Inicia jogando duro, a começar pelo título, O Cavalo de Troia, e por uma citação de Rafael Correa, presidente do Equador: ''Eu creio que a OEA perdeu sua razão de ser, talvez nunca tenha tido razão de ser''.
Em seguida, dá a palavra a seu grande amigo Hugo Chávez, da Venezuela: ''Será uma 'batalha interessante', na qual, se ficar demonstrado que a OEA 'segue sendo um ministério das colônias' que não se transforma 'para subordinar-se à vontade dos governos que a conformam'”.
E por fim há uma longa reprodução do discurso do presidente de Honduras, Manuel Zelaya, na própria Assembleia Geral da OEA: ''Não devemos deixar essa assembleia,queridos dignatários, sem anular o decreto da oitava reunião que sancionou um povo inteiro por ter proclamado ideias e princípios socialistas. […] Não fazê-lo nos faz cúmplices de uma resolução de 1962 que expulsou um membro da Organização dos Estados Americanos simplesmente porque tem outras ideias, outros pensamentos, e proclama o início de uma democracia diferente. E não seremos cúmplices disto''.
Então é Fidel quem escreve: “No momento em que termino esta Reflexão, quase de noite, ainda não há notícia da decisão. Chávez conversa com Maduro e o insta a manter firmemente que não se pode aceitar qualquer resolução que condicione a revogação das sanções injustas contra Cuba. Nunca se viu tanta rebeldia. A batalha é certamente difícil. Ter conseguido isso é já, por si só, uma proeza dos mais rebeldes. Cuba não é o inimiga da paz, nem resiste ao intercâmbio ou à cooperação entre países de diferentes sistemas políticos, mas tem sido e será intransigente na defesa os seus princípios.”
O que Fidel viu como “uma proeza dos mais rebeldes” ainda não incluía a resolução histórica da tarde de quarta-feira. Da posse dela, a Ilha rebelde, cujo naufrágio supostamente inevitável era vaticinado duas décadas atrás, passa a ter condições provavelmente ímpares para resolver algumas questões estratégicas. O fim do bloqueio não está por certo ao alcance da mão, mas talvez já se possa divisá-lo no horizonte. E, talvez o mais importante e o mais belo, desponta com uma contribuição decisiva de todos nós, latino-americanos.