Romaria da Terra e das Águas
Em seu artigo semanal para o Jornal Pequeno, o deputado Flávio Dino saúda e destaca a realização de mais uma Romaria da Terra e das Àguas no Maranhão. O evento acontecerá nos próximos dias 05 e 06 no município de Codó.
Publicado 01/09/2009 21:08 | Editado 04/03/2020 16:48
Flávio Dino
Neste sábado e domingo próximos milhares de pessoas se reunirão em Codó, na décima edição da Romaria da Terra e das Águas. O evento, tradicional no calendário da Igreja Católica, é organizado pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) e demais entidades ligadas às realidades camponesas do nosso estado. Tem como tema neste ano “Um clamor de justiça”, associado à campanha da fraternidade 2009, que nos lembra que “a paz é fruto da justiça”. Assuntos de grande relevância para a nossa sociedade como o combate ao trabalho escravo e a boa vida pregressa de candidatos (ficha limpa), entre outros, serão objeto de reflexão nesses dias.
Já se vão muitos anos desde a primeira romaria realizada na cidade de Vargem Grande. Sempre com o mesmo objetivo: fortalecer a organização dos movimentos sociais, reafirmar o compromisso com a luta pela permanência e convivência na terra, buscando reconstruir uma relação fraterna com a natureza e, ao mesmo tempo, exigir dos governos políticas voltadas para o bem-estar do ser humano, para a paz e para a justiça social.
Não há de fato como se falar em paz e justiça social sem que seja banida de nossa sociedade qualquer forma de escravidão. É inaceitável que em pleno século 21 ainda sejam noticiados casos de trabalho escravo em nosso país. Prática vergonhosa contra a qual sempre me opus; em 1996, como juiz federal, proferi decisão em favor da atuação do Grupo Móvel de Fiscalização que havia interditado carvoarias ilegais em nosso Estado.
Em 2003, como membro da primeira composição da Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo (Conatrae), procurei contribuir ao máximo com a discussão sobre a necessidade de prevenir e combater esse tipo de exploração do trabalho, enfocando especialmente as controvérsias jurídicas, tais como: definição do crime de trabalho análogo a escravo, cabimento de condenação por danos morais coletivos, competência judicial para o julgamento dos crimes, dosimetria das multas administrativas etc. Criado em julho daquele ano, a Conatrae é muito importante para a implantação permanente de programas de erradicação do trabalho em condições análogas à escravidão. Aproveito para mais uma vez homenagear pessoas essenciais naqueles primeiros momentos da Conatrae, como o procurador Luiz Camargo, o juiz Hugo Mello, a representante da OIT Patrícia Audi, o Frei Xavier, o advogado Roberto Caldas, entre muitos.
O Maranhão, ao lado de estados como Piauí e Amazonas, está entre os maiores fornecedores de mão-de-obra escrava. Mais uma estatística lamentável em que o nosso estado desponta. Essa situação não é por acaso. É exatamente em estados onde se verifica brutal concentração de renda, baixos indicadores sociais e subsistência de práticas coronelistas que o trabalho escravo resiste.
Como parlamentar, sou favorável e luto pela aprovação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 438/2001, conhecida como a PEC do Trabalho Escravo, que permite a expropriação (sem pagamento de indenização) de propriedades onde for constatada a exploração de mão-de-obra escrava. A proposta já foi aprovada em dois turnos no Senado e em primeiro turno no Plenário da Câmara Federal em agosto de 2004. Aguarda agora a votação em segundo e último turno na Câmara. Integro a Frente Parlamentar que mobiliza os parlamentares favoráveis à proposição, coordenada pelo senador José Nery, do Pará.
Também sou convicto da necessidade de se buscar, incessantemente, uma adequada conciliação entre a geração de riqueza e o respeito ao meio ambiente, a preservação dos recursos naturais e a justa distribuição da renda gerada. Neste passo, considero fundamental incentivar a agricultura familiar, responsável por grande parte dos alimentos ofertados à população brasileira. É impossível desenvolver o Maranhão sem a participação da agricultura familiar. É escandaloso que gastemos mais de R$ 500 milhões por ano comprando alimentos de outros estados, até mesmo frutas e hortaliças. Sem essa compreensão do papel da agricultura familiar, problemas econômicos, a exemplo do desperdício mencionado, e sociais, como o trabalho escravo, persistirão.
Um outro tema integrante da programação do evento que exige uma atenção especial de toda a sociedade, e particularmente dos parlamentares, é o projeto sobre a vida pregressa dos candidatos, já apresentado pelo Presidente Lula no começo deste ano de 2009, reforçado e aprimorado com base em recente campanha de coleta de assinaturas em todo o país. O tema é atualmente regulado pela Lei Complementar nº 64, de 1990, e portanto somente um projeto de lei complementar pode tratar do assunto. Esta foi a razão pela qual não pudemos inserir a matéria para deliberação quando da recente reforma eleitoral, já que se cuidava de um projeto de lei ordinária. Constitucionalmente é impossível regular matéria de lei complementar por intermédio de lei ordinária. Mas estou empenhado para que em breve o Congresso Nacional tenha condições de votar as propostas, sobretudo agora com o apoio da grande mobilização popular liderada pela CNBB, pela OAB, bem como por juízes e promotores eleitorais.
Esses são os motivos pelos quais me sinto muito feliz com a realização da Romaria da Terra e das Águas, momento de celebração e de animação baseado na defesa da paz, da justiça, da vida e “vida em abundância”.