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Alarcón: Eleições na Colômbia acontecem sob signo das ameaças

“O regime político colombiano é caracterizado pela inexistência de uma possibilidade real de exercício da oposição”, relata Pietro Alarcón, professor colombiano radicado no Brasil. Nesta entrevista sobre as recentes eleições parlamentares e o cenário que se delineia para a disputa presidencial, ele descreve um quadro de intolerância, “terrorismo de Estado contra a oposição” e cerceamento aos direitos políticos.

Alarcón é professor da PUC/SP de Direito do Estado e Direito Internacional Humanitário. Também é membro do Cebrapaz e já foi encarregado da Oficina de Coordenação para América Latina da Federação Mundial de Juventudes Democráticas.

Do Brasil, ele acompanhou o desenrolar das eleições colombianas para o parlamento. Segundo o professor, a esquerda enfrentou, mais uma vez, uma dura campanha, na qual os uribistas tentavam associar as forças progressistas à guerrilha.

Com o pleito presidencial marcado para maio e os candidatos já em campanha, Alarcón traça o perfil do postulante apontado como favorito na disputa, Juan Manuel Santos, ex-ministro da Defesa de Uribe. Segundo ele, além de pertencer a um partido com vínculos com o paramilitarismo, Santos é um dos donos do jornal El Tiempo e sua candidatura está fortemente comprometida com o projeto geopolítico dos Estados Unidos. Veja abaixo a entrevista:

Vermelho: Como o senhor viu o processo das eleições legislativas da Colômbia?

Pietro Alarcón: Antes de responder a essa pergunta, acho necessário que levemos em conta alguns elementos de análise. O primeiro é que o regime político colombiano, alhures, é caracterizado pela inexistência de uma possibilidade real de exercício da oposição.

Isso é perfeitamente demonstrável quando observamos o curso da sua história política e analisamos os fatos, que – apesar de existir quem diga que se trata de uma democracia sólida – apontam para uma intolerância e sobretudo, práticas de terrorismo de Estado contra a oposição política.

Recomendo, por exemplo, a leitura do último Informe das Nações Unidas sobre a Colômbia, no qual, infelizmente, o meu país ocupa o primeiro lugar em deslocamento forçado interno e execuções extrajudiciais, especialmente, de lutadores pelos direitos humanos.

Em segundo lugar, as eleições na Colômbia se realizam com regularidade, mas no meio de um contexto no qual se apresenta um conflito armado interno e em que o atual governo não tem uma política de paz ou de saída ao problema fundamental dos colombianos: a conquista da paz democrática com justiça social.

Pelo contrário, as investigações do Ministério Público apontam para uma perigossíssima aliança entre setores do governo – Executivo e Legislastivo – e máfias paramilitares.

Logo, na Colômbia se gerencia um projeto geopolítico de alcance continental. São eleições num país com bases militares da maior potência do planeta, no qual o resultado eleitoral pesa muito para determinar o futuro desse projeto, mais ainda se levamos em conta que o Polo Democrático Alternativo, a principal força de oposição no momento, encabeça a resistência juridica e política a que essas bases continuem no território nacional.

Assim, é um processo eleitoral singular, sob o signo das ameaças, especialmente contra a oposição, com claros cerceamentos aos direitos políticos como expressão da soberania popular.

Enquanto alguns partidos, fortemente ligados ao poder central, possuem todas as garantias políticas e eleitorais em termos de veiculação de sua proposta, outros partidos – entre os quais os partidos de esquerda, logicamente – encontram dificultades inúmeras para poder realizar sua campanha. Alvo de ameaças do paramilitarismo, de perseguições em algumas regiões, os candidatos atravessam dificuldades de segurança, de risco concreto para suas vidas.

Vermelho: Como foi a campanha?

Pietro Alarcón: O Polo Democrático Alternativo, o principal partido de oposição, que conta com a participação de importantes setores, dentre eles o Partido Comunista Colombiano, que é um partido histórico, foi claramente objeto de uma campanha que consistia em estabelecer um nexo entre suas propostas – que são propostas de paz, de defesa da vida e das liberdades públicas, do reconhecimento e efetividade do direito de participação política – com o movimento guerrilheiro colombiano.

Essa é uma tática frequente, velha conhecida e que, em muitos segmentos da população, dá certo, especialmente naqueles que desconhecem a origem do movimento insurgente colombiano.

Ultimamemente essas forças de esquerda são acusadas de obterem recursos no exterior de governos como o da Venezuela. Sabemos que, constitucionalmente, não há como permitir que campanhas sejam financiadas por estados ou entidades estrangeiros. São acusações no marco do certame eleitoral, que difamam, incomodam, e que, obviamente, tentam evitar que um partido de oposição se afirme como alternativa de poder nos marcos de uma democracia muito restrita.

Isso é lamentável. E, como adverti, não há como esquecer que é o Polo Democrático, apesar de ser um partido que agrupa várias correntes, é quem encabeça a campanha contra as bases militares da Colômbia e quem com maior contudência promove a troca humanitária e o fim da guerra e o inicio de uma paz democrática e duradoura.

Vermelho: O que representa o fato de Uribe ter conquistado, na eleição do último dia 14, a maioria parlamentar?

Pietro Alarcón: Acho – à distância, desejo esclarecer – que o governo obteve uma maioria pulverizada e não é tão esmagadora como alguns meios de comunicação têm noticiado. É uma bancada sem muita coesão ou consenso sobre o terreno prático da política, ainda que identificados no fundamental sobre a continuidade de um projeto neoliberal.

Chama-me a atenção que o Executivo colombiano encabeçado pelo presidente Uribe tenha levado um tímido e tardio chamado de atenção do Procurador Geral da República, em razão de sua promoção descarada dos candidatos do seu partido ao Congresso Nacional.

Por outro lado, deve-se advertir que os resultados têm sido entregues com um lapso de tempo muito grande. A Senadora Gloria Inés Ramirez, do Partido Comunista e do Polo Democrático Alternativo denunciou publicamente uma campanha para criar uma especie de caos ao final das eleições.

O Partido Social de União Nacional (Partido do U), que é o partido do presidente, se dedica a sabotar a contagem de votos, acusando – com o presidente fazendo eco – a Registraduria (órgão encarregado pela apuração) de não merecer “a mínima confiança” para concluir o processo.

A Senadora expressa que parece uma cobrança por conta do comportamento exemplar da Registraduria.

Vermelho: Mas e quanto ao desempenho dos partidos de esquerda?

Pietro Alarcón: Como a contagem da Colômbia é muito artesanal, ainda é manual, não temos os resultados definitivos. Ao que se vislumbra o PDA terá 8 senadores e já foram confirmados dois deputados nacionais por Bogotá.

No que tem a ver com os resultados, há que observar que o Polo Democrático Alternativo manteve a senadora Glória Inés Ramirez e o senador Jorge Enrique Robledo. Este último teve a terceira maior votação para essa Casa do Congresso.

Um fato de extrema relevância é que a Missão da OEA para as eleições informa sobre toda a sorte de crimes eleitorais, compra e venda de votos, violação aos dados da Registraduria, e, ainda, o Conselho Nacional Eleitoral fez um chamado às empresas privadas encarregadas de recontar os votos. Não é um contexto transparente, da clareza que se exige em um certame eleitoral.

Vermelho: Já é possível fazer alguma análise desse resultado?

Pietro Alarcón: Há que apontar que os candidatos comprometidos com a denominada parapolítica, quer dizer, com vínculos com grupos paramilitares, obtiveram um número significativo de lugares no Congresso Nacional.

Nesses termos, haverá uma luta ali, de extrema dureza. Especialmente contra os pilares neoliberais e de traços fascitas que teimam em orientar a política: a abertura ao capital estrangeiro de forma escancarada perdendo-se a noção de interesse nacional, com forte castigo aos produtores nacionais; a segurança democrática que nega o conflito armado interno e fecha os espaços para a paz, enquanto se reproduzem fenômenos como os dos “falsos positivos”, que são um escándalo internacional em termos de Direitos Humanos; e a concentração da riqueza e a deterioração das relações no campo colombiano.

Um país em guerra tem pouquíssima chance de crescer em termos econômicos e se existe aumento na produção a distribuição da riqueza se torna utópica.

As eleições parlamentares são o resultado do contexto político e econômico que apontamos. Assim, a perspectiva é que a oposição continue construindo consensos no interior do Polo Democrático Alternativo e com outras forças progressistas, convencidas de que um projeto como o que está em curso não é a saída para os problemas nacionais.

Por outro lado, acho que o Congresso tem de cumprir com seu dever constitucional de criar uma política e uma legislação para a paz.

Vermelho: Que cenário se delineia para a eleição presidencial?

Pietro Alárcon: As notícias que chegam ainda são muito dispersas para uma análise mais detalhada. Eu acho que é claro que, na Colômbia, é preciso criar um novo consenso social em favor das mudanças democráticas.

Existem vários tipos de propostas que eu vou tentar sintetizar: por um lado, os partidos aliados ao projeto que hoje é estimulado e protagonizado pelo Executivo. Eles se diferenciam pelos matizes. Assim, por exemplo, existe um partido criado chamado PIN, formado por políticos investigados por nexos com o paramilitarismo, mas com forte controle em regiões inteiras do país, que cobram caro o apoio à continuidade do projeto de poder em curso, mas que não têm força suficiente para lançar um candidato próprio à Presidência.

Outro setor é o do Partido Conservador, que está dividido entre a opção por Nohemí Sanín, que representa um setor importante do capital financeiro e da chamada alta burguesia e um setor muito próximo a Uribe, que promove a candidatura de Andrés Felipe Arias, ex-ministro de Agricultura, conhecido no país como Uribito, precisamente pelas suas declarações leais ao atual presidente.

O Polo Democrático deve firmar sua proposta de candidatura com o nome de Gustavo Petro, e nessa candidatura devem estar sintetizados os seguintes pontos: a soberania, rejeitando-se as bases militares e a ingerência nos assuntos de Colômbia; um modelo econômico de satisfação das necessidades públicas, que aumente o poder aquisitivo dos trabalhadores, voltado para a construção de um Estado responsável pela prestação de serviços públicos, que promova a igualdade, a tolerância e a paz entre os colombianos; e, finalmente, a rejeição à convergência entre máfias do narcotráfico, paramilitarismo e poder político.

Vermelho: Como avalia a candidatura de Juan Manuel Santos?

Pietro Alarcón: Bom, Juan Manuel Santos, ex-ministro da Defesa, está inscrito como candidato à Presidência pelo Partido Social da Unidade Nacional, conhecido como Partido da “U”. Esta agremiação tem estado bastante comprometida com a chamada parapolítica.

Santos é, além disso, um dos donos do jornal El Tiempo, uma casa editorial que dirige o único jornal de cobertura nacional na Colômbia, quer dizer, é um homem comprometido com como se faz e se efetiva o direito de informação na Colômbia. Essa candidatura está fortemente comprometida com o projeto geopolítico dos Estados Unidos.

É a candidatura ligada à gestão de governo de Àlvaro Uribe, na ideia de continuar a segurança democrática e de outorgar maiores graus de confiança aos investidores estrangeiros. Acho que isso já define um pouco o perfil da candidatura.

Por Joana Rozowykwiat,
Da Redação