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O tetracampeão merece: combatendo nossa imensa exclusão digital

Em artigo sobre a exclusão digital no Brasil, o senador Aloizio Mercadante (PT-SP) conta o drama do paraplégico Ricardo Oliveira da Silva, que passou a frequentar a escola aos 17 anos e, apesar da defasagem, venceu quatro vezes a Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas. Seu desempenho é prejudicado, porém, porque Ricardo é um excluído digital.

“Ricardo até ganhou um desktop e um notebook, mas na localidade onde vive não há rede de comunicações. Não consegue acessar a internet e o grande universo de conhecimentos on-line nela contido. Por isso, ele sonha com o acesso à rede mundial de computadores”, relata Mercadante.

“Aguardo há quase dois anos a aprovação de meu projeto de lei, que prevê a instalação de banda larga em todas as escolas, inclusive nas 59 mil escolas rurais, o que pode ser ampliado para 45 mil hospitais e postos de saúde e 5.523 delegacias espalhadas no Brasil”, agrega. “Temos as tecnologias e os recursos para fazer uma revolução em todas as escolas do país. Só falta a decisão de assegurar um futuro melhor aos nossos ‘ricardos’ e ao nosso país.”

Confira abaixo a íntegra do artigo.

O tetracampeão merece

Por Aloizio Mercadante*

Ricardo Oliveira da Silva. Esse é o nome de um desses heróis anônimos ou quase-anônimos que o Brasil produz com prodigalidade. Ricardo, filho de agricultores muito pobres do interior do Ceará, foi alfabetizado pela mãe, Dona Francisca. Portador de doença neuromuscular e paraplégico, Ricardo não tinha condições de se deslocar do sítio onde morava até a cidadezinha de Várzea Alegre, onde havia uma escola. Assim, Ricardo só pôde frequentar um estabelecimento de ensino a partir dos 17 anos, quando o seu pai, Seu Joaquim, se dispôs a levá-lo num carrinho de mão.

Entretanto, as dificuldades quase instransponíveis não desanimaram Ricardo. Muito inteligente, Ricardo logo se destacou, principalmente em Matemática. Participante assíduo da Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas (OBMEP), instituída pelo governo Lula em 2005 (antes só havia a olimpíada das escolas particulares), Ricardo adquiriu o hábito de colecionar medalhas. De ouro. Com efeito, esse jovem já tem quatro medalhas de ouro em sua crescente coleção. Ele é tetracampeão. Na matemática e na vida.

Na última cerimônia de entrega de prêmios, ocorrida na semana passada no Rio, Ricardo recebeu sua medalha na presença do presidente Lula e de seus pais, orgulhosos e felizes. Tímido, Ricardo, desde que começou a se destacar, pede aos que querem ajudar que deem a ele livros. Ele tem fome de conhecimentos. Sabe que a educação está mudando a sua vida e a da sua família. Sabe que é a educação que lhe permitirá ter um grande futuro.

Ricardo até ganhou um desktop e um notebook, mas na localidade onde vive não há rede de comunicações. Não consegue acessar a internet e o grande universo de conhecimentos on-line nela contido. Por isso, ele sonha com o acesso à rede mundial de computadores: "Acho que com a internet vai ser mais fácil estudar e se comunicar com os professores", diz. Ricardo tem razão: a rede mundial lhe permitiria dar um grande salto de qualidade no seu aprendizado. Com a Internet em banda larga, ele poderia até participar de aulas virtuais, sem precisar se deslocar de onde mora.

Contudo, assim como o Ricardo, há milhões de jovens pobres brasileiros que precisam apenas de uma oportunidade para se destacar e se tornar cidadãos plenamente produtivos. São jovens que ainda vivem o iníquo apartheid digital que há no país.

De fato, estudo recente, intitulado "Lápis, Borracha e Teclado", de Julio Jacobo Waiselfisz, mostra que enquanto apenas 0,6% dos 10% mais pobres têm acesso a computador com conexão à internet, entre os 10% mais ricos esse percentual é de 56,3%. E apenas 13,3% dos indivíduos de raça negra usam a internet, mais de duas vezes menos que os de raça branca (28,3%), o que mostra que a exclusão digital tende a reproduzir não apenas as desigualdades sociais, como também as raciais. O mesmo raciocínio vale para as disparidades regionais: os índices de acesso à internet das Regiões Sul (25,6%) e Sudeste (26,6%) são mais de duas vezes superiores aos constatados nas Regiões Norte (12%) e Nordeste (11,9%).

Mas os dados mais preocupantes sobre o apartheid digital no Brasil dizem respeito ao acesso à internet nas escolas, pois é nelas que essa tecnologia pode fazer grande diferença. São profundas as disparidades entre as escolas públicas e privadas. No ensino fundamental, apenas 17,2% dos alunos das escolas públicas usam a Internet, ao passo que nas escolas particulares esse número sobe para 74,3%. Mesmo no ensino médio, o percentual de estudantes das escolas públicas com acesso à Internet ainda é muito baixo (37,3%), bem inferior ao constatado nas escolas privadas (83,6%).

Contudo, é no ensino médio que começa a formação técnica do jovem e quando se decidem suas chances de ingresso no mercado de trabalho. A ausência da Internet nessa fase diminui muito as chances de profissionalização.

Tal situação é extremamente preocupante, pois ela impõe um formidável obstáculo ao futuro do país. É evidente que educação de qualidade exige acima de tudo professores bem pagos, formados e motivados; estruturas pedagógicas adequadas; instalações dignas; envolvimento dos pais com a escola e um ambiente voltado para o aprendizado sistêmico. Mas as novas tecnologias podem acelerar este processo. A tecnologia da informação é essencial na construção da escola do futuro e na democratização das oportunidades. A inclusão digital massiva das escolas públicas poderá dar esse salto de qualidade tão necessário ao sistema educacional brasileiro e contribuir decisivamente para acabar com o nosso apartheid digital.

Num estudo de ONU, ficamos apenas em 69º lugar, entre 180 países, em disponibilidade de banda larga. É claro que as nossas dimensões continentais pesam. Mas podemos fugir das tecnologias antiquadas, como a da rede de cobre, e abraçar novas tecnologias, como a das redes sem fio, para suprir nossas deficiências. Este é precisamente o objetivo do governo com o Plano Nacional de Banda Larga.

Não obstante, esse plano, embora muito importante, não é suficiente. Jovens como o Ricardo, que moram em zonas rurais e remotas, não serão beneficiados por tal plano, que prevê a disseminação da Banda Larga apenas em municípios urbanos. Assim, o Plano Nacional não basta para o Ricardo e para o Brasil.

Aguardo há quase dois anos a aprovação de meu projeto de lei, que prevê a instalação de banda larga em todas as escolas, inclusive nas 59 mil escolas rurais, o que pode ser ampliado para 45 mil hospitais e postos de saúde e 5.523 delegacias espalhadas no Brasil. Tudo isso com recursos do Fust, até agora contingenciados em mais R$1 bilhão. Com isso, daríamos grande salto de qualidade, primeiro nas escolas, depois nos outros serviços públicos. Temos as tecnologias e os recursos para fazer uma revolução em todas as escolas do país. Só falta a decisão de assegurar um futuro melhor aos nossos "ricardos" e ao nosso país.

Esse meu projeto já foi aprovado, por unanimidade, no Senado e na Comissão Especial criada para apreciá-lo na Câmara dos Deputados. Resta somente a manifestação do Plenário da Câmara. Tal manifestação está tardando demasiadamente. Ricardo e o Brasil têm pressa. Porém, soube, com satisfação, que já há acordo para votá-lo nesta semana. É a decisão correta, uma vez que a inclusão digital e o salto de qualidade em educação que ela proporcionaria têm de ser objetivos suprapartidários.

Ricardo precisou esperar 17 anos e de um carrinho de mão para conseguir ter a sua oportunidade. Com a mão de todos os parlamentares, os outros "ricardos" não precisarão esperar tanto. O tetracampeão merece. E os futuros campeões também.

*Aloizio Mercadante é senador pelo PT-SP