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A quem interessa o aumento da taxa básica de juros?

O Comitê de Política Monetária do Banco Central (Copom) deve definir na reunião que realiza nesta terça (27) e quarta (28) o aumento da taxa básica de juros (Selic). A medida contraria os interesses da esmagadora maioria da nação e compromete o crescimento da economia, mas favorece os interesses da oligarquia financeira e promove uma perversa redistribuição da renda, conforme denunciou o economista e ex-ministro da Fazenda, Delfim Netto.

O Vermelho reproduz, abaixo, o artigo de Delfim Netto publicado nesta terça (27) no jornal “Valor”, embora ressalvando que não concorda com todas as opiniões emitidas pelo autor, que representa os interesses de setores das elites econômicas do país. Em relação à política monetária, porém, o economista, que inegavelmente é um dos maiores especialistas brasileiros no tema, está coberto de razão e é mais do que justa a sua conclusão: “O que se pretende com uma taxa Selic de 12,5% não é a estabilidade, mas uma redistribuição de renda a favor do setor financeiro!”. Leia abaixo a íntegra do artigo.

Por Delfim Netto
 

Selic e redistribuição da renda

Nas atuais condições de pressão e temperatura, a probabilidade de uma crise cambial atingir o Brasil em 2011 ou 2012 é muitíssimo remota, mesmo com um déficit em conta corrente entre US$ 50 bilhões e US$ 60 bilhões em 2010 (3% do PIB). Sobre o que não há dúvida é que a probabilidade de sustentarmos tal nível de déficit no prazo mais longo é também infinitamente pequena. Isso, certamente, exigirá mudanças nas políticas monetária (caminharmos para uma taxa de juro real parecida com a internacional), fiscal (mudança na qualidade do dispêndio do governo) e a continuidade e aperfeiçoamento da política de câmbio flutuante.

A situação é hoje relativamente confortável. Por um lado, estamos enfrentando algumas mudanças de preços relativos devido a choques de oferta e, por outro, uma demanda vigorosa estimulada pelo aumento do emprego, do salário real e pela ampliação do crédito. Há forte estímulo ao investimento privado gerado pelo "espírito animal" dos empresários, que vêm recuperando rapidamente sua taxa de retorno e acreditam na persistência de uma robusta taxa de crescimento do PIB em torno de 5% na próxima década. Não há sinais concretos de sério estresse de oferta interna incapaz de atender ao aumento da demanda. As importações estão abertas e poderão, eventualmente, ser facilitadas por uma redução de tarifas. Não parece, portanto, haver razão para o "terrorismo" inflacionário que emerge das "científicas" análises da intermediação financeira. Quem seguramente está aquecida, é ela!

A discussão sobre o aumento da Selic tem sido mistificada. Não existem duas escolas apoiadas em abrangentes modelos teóricos não rejeitados pela realidade: os virtuosos "ortodoxos" ou os classificados pejorativamente de "desenvolvimentistas". Não há economista que defenda que um pouco mais de inflação significa a possibilidade de um pouco mais de crescimento. Mesmo a ideia de "inflação oportunística", que continua em voga em algumas áreas, é filigrana retórica. É mais do que duvidoso que, conscientemente, o poder incumbente estimule um "surto inflacionário". Este pode, sim, ser produzido por excesso de gastos. Ele teria, entretanto, de ser financiado pelo mercado (o Banco Central está impedido de fazê-lo) aumentando os juros, elevando as despesas do governo e reduzindo o crédito ao consumo, além de cortar o salário real. Quando isso acontece, o fenômeno pode ser econometricamente "descoberto", mas não prova a intencionalidade do poder incumbente. No máximo, expõe o seu erro, que tem consequência eleitoral duvidosa.

Ninguém discute as virtudes de uma política de metas inflacionárias conduzida com cuidado por um banco central operacionalmente autônomo e que estabeleceu sua credibilidade. A volta sistemática da taxa de inflação realizada, para a "meta" (no Brasil, nos últimos cinco anos, a "meta" foi de 4,5% ao ano e a inflação média verificada de 4,7%), tem enorme importância para o equilíbrio social: as negociações salariais são menos conflituosas, porque a "meta" é crível. O mesmo ocorre com o equilíbrio econômico: os preços relativos refletem melhor a escassez dos fatores, o que aumenta a produtividade do sistema em geral. Como não existe almoço grátis, ninguém discute, também, que essas virtudes têm um custo social e econômico. Quanto mais "conservador" for o Banco Central, maior será esse custo.

Há, certamente, um aumento da expectativa inflacionária divulgada pelo boletim Focus, do Banco Central. Este parece "ouvir" apenas o setor financeiro e ter dificuldades com o setor real da economia, o que se prova com sua insistência em utilizar, para o setor industrial, indicadores "jurássicos", como mostrou recente trabalho do departamento econômico da Fiesp. O aumento da expectativa inflacionária (medida pela "expectativa" do setor financeiro) é parte do contrato com o Banco Central. Ele tem que fazer uma manobra com a Selic. A discussão é: qual deve ser o tamanho dessa manobra?

Hoje, a nossa taxa de juro real é a maior do mundo. No último levantamento da "Bloomberg" em 14 países emergentes, apenas um, o Brasil, registrou taxa real superior a 3% ao ano. Com a Selic a 8,75% ao ano e uma "expectativa" de inflação de 5,5%, a taxa de juros real do Brasil seria de 3%, ainda a maior do mundo! O que ninguém explica, a não ser os "sofisticadíssimos modelos macroeconométricos" do Banco Central (que são iguais à salsicha de Bismark: põem fora o que antes se pôs lá dentro) é por que o Brasil precisa da teratológica taxa de juro real de 6% a 8% para manter sua estabilidade monetária. Todas as explicações "ad hoc", nacionais e estrangeiras, são de uma pobreza franciscana e não podem ser aceitas nem com muita tolerância. O limite inferior do juro real é um erro institucional: a taxa de juro real da caderneta de poupança, 6%, ao contrário da estabelecida no passado para o FGTS, 3%.

É isso que alimenta a ideia que devemos levar a Selic para 12% ou 13% em dezembro de 2010 (taxa de juro real entre 6% e 7% e "expectativa" de inflação entre 5% e 6%). Nos últimos 12 meses, tivemos uma taxa de juro real da ordem de 4% (alta pelos padrões internacionais) e indutora da valorização do real, que prejudicou as exportações industriais. Para conservá-la com uma expectativa de inflação de 6%, bastaria uma Selic da ordem de 10%! O que se pretende com uma taxa Selic de 12,5% não é a estabilidade, mas uma redistribuição de renda a favor do setor financeiro!

Antonio Delfim Netto é professor emérito da FEA-USP, ex-ministro da Fazenda, Agricultura e Planejamento. Artigo publicado no jornal Valor.