União do homem com a natureza e a música
Há milhares de anos, o homem começou a inventar instrumentos musicais. Foi movido pelo desejo de imitar os sons da natureza. Surgiram os primeiros instrumentos de percussão. Os de sopro, inspirados nos cantos dos pássaros. Talvez, por isso, podemos dizer que a música seja uma das artes mais próximas ao meio ambiente. E isso inspirou a entrevista desta edição do Ambiente Hoje: Fernando César Santos contrabaixista da Orquestra Sinfônica de Minas Gerais (OSMG).
Publicado 15/06/2010 13:54 | Editado 04/03/2020 16:50

Há mais de uma doze anos, todos os anos, de abril até outubro, a Orquestra Sinfônica de Minas Gerais apresenta o Concerto no Parque Municipal, um domingo por mês. É a união do homem com a natureza e a música. Felicidades para quem ouve. Felicidade maior ainda para quem toca, participa como músico. O contrabaixista afirma que “tocar ao ar livre , no parque, é muito gratificante. O público é maravilhoso. A gente adora tocar.”
Fernando César Santos nasceu em BH. Tem 46 anos. O pai é militar. A família não tem músicos. Aos 11 anos começou a se interessar por música, mas popular. Aprendeu a tocar violão. Na adolescência, quando pensou em ganhar dinheiro, se profissionalizou, passou a tocar em bailes, festas do interior do Estado. Mas não pensava seguir com a música para o resto da vida. Aí teve de fazer serviço militar na Aeronáutica
Um ano depois, saiu. Não queria seguir carreira militar. Não tinha intenção de levar a música como profissão.Foi procurar um emprego, o que fazer na vida. Fez alguns trabalhos como fotografo e em escritório. Mas tudo coisa rápida. Prestou vestibular para sociologia.
Aí, percebeu que não queria aquilo, decidiu estudar música, na Fundação Clóvis Salgado. No no Cefar ( confirmar Centro de Formação Artística), iniciou a aprendizagem de contrabaixo acústico. Não parou. Fez curso superior na Escola de Música da UFMG. Em seguida, mestrado em performance em contrabaixo, na mesma instituição. E há 16 anos toca na Orquestra Sinfônica de Minas Gerais. E pensar que até à adolescência, Fernando só conhecia contrabaixo acústico pela televisão!
A história foi assim. Ainda naquela época que ele tinha banda, tocava em baile. O músico também compunha, participava em festivais de música. Uma música sua foi selecionada. Para incrementar a apresentação, um amigo sugeriu colocar contrabaixo acústico no arranjo. Foram ensaiar em sua casa. Fernando viu um contrabaixo acústicode perto pela primeira. “Quando vi o instrumento, me apaixonei”, conta. Como não tinha condição de comprar um baixo acústico, optou pelo elétrico. O violão ficou de lado.
Só mais tarde, quando começou estudar música, que passou a tocar baixo acústico.
Ele conta que o estudo do instrumento contrabaixo é muito difícil. “Ele demora a soar. Exige do estudante dedicação e um bom tempo para tirar som do instrumento. Não é um instrumento fácil para tirar som.”
Fernando derrubou esse tabu de com 18 anos estava velho para começar a estudar contrabaixo acústico. Admitiu que pode existir dificuldades. Mas a dedicação é fundamental: “se você pega firme, supera”. Mas, também acrescenta que iniciou com música aos 11 anos, tocando de ouvido, a percepção já tinha se desenvolvido. Não começou do zero aos 18 anos.
Quando começou a estudar contrabaixo, não tinha noção de que um dia iria tocar em uma orquestra. “Hoje, parece que nasci para tocar em orquestra”. Já ouvia música erudita, mas não como muita freqüência. Começou a estudar no Cefar, passou a ouvir com mais freqüência. Depois, passou a gostar mesmo.
Tocou em todas as montagens de óperas do Palácio das Artes, nos últimos 16 anos. Confessa que é difícil tocar ao vivo, nas óperas. Exige uma concentração muito grande, quando termina a ópera, está exausto. Orquestra é sinônimo de equipe, tem de ficar atento a tudo que está acontecendo, ao som, dentro da orquestra, regência do maestro, prestando atenção nos cantores, encaixar o seu instrumento. “Contrabaixo é a base da orquestra, tanto na afinação quanto no ritmo. É preciso ter muita atenção”.
Já fazer os concertos no Parque Municipal, observa, “é diferente do que estar dentro do teatro, porque ali tem influência dos sons, que estão ocorrendo, então você tem de estar mais concentrado ainda. Pessoas se movimentam, conversam. Vários fatores que influenciam porque não está em um lugar fechado. O vento que ameaça virar a folha da partitura, agente fica apreensivo”.
A emoção também é especial “Fora de série estar tocando. Dá uma parada na música, as pessoas aplaudem. A música está ligada com a natureza. Você ouve, transcende aquilo. Olha aquelas árvores, o parque, sente a presença de Deus, sente aquela energia”. Aliás, a divindade também esteve presente lá na pré-história, quando os homens começaram a inventar instrumentos musicais.
O contrabaixista explica que durante os rituais religiosos, dançavam, um dia sentiram a necessidade de colocar também sons. Surgiram os instrumentos de percussão, a flauta, inspirados nos sons da natureza. “A gente sente isso, tocando no Parque, vendo aquelas árvores, a gente sente uma presença maior que rege, volta às origens, à ligação da música com a espirituali¬dade e a natureza”, reforça.
Pois é, já dizemos, a natureza provoca sons, vários tipos. A inspiração não foi só para criar instrumentos, vários compositores, eruditos e populares, beberam na mesma fonte. Beethoven, Cibelius, Villa Lobos, Tom Jobim, Hermeto Pascoal, Egberto Gismonti, alguns nomes lembrados pelo contrabaixista.
O contrabaixista da Orquestra Sinfônica de Minas Gerais, Fernando César Santos, encerra a entrevista com uma recordação especial. “Na adolescência, quando resolvi a estudar música, ouvia a sexta sinfonia de Beethoven, deitado na cama no quarto, a janela estava aberta. Comecei a observar as nuvens no céu, que pareciam se mover com a música. Parece que a música estava mexendo com aquelas nuvens. Isso aí foi bonito demais. Aí bateu a paixão de estudar música erudita.”
Publicado no Jornal Ambiente Hoje – nº 160 – maio de 2010