Mídia não defende o Brasil na polêmica da capitalização
Tenho acompanhado o debate que se trava em torno da capitalização da Petrobrás. Nele aparece uma discussão sobre o preço médio do barril de petróleo que será usado na capitalização, se de US$ 5 ou US$ 6 por barril ou se de US10 a US$ 12/b. Vinculam-se as primeiras cifras a uma certificadora que foi contratada pela Petrobrás, as segundas cifras a outra certificadora contratada pela ANP.
Por José Antônio*
Publicado 27/08/2010 19:56
Os acionistas “minoritários” da Petrobrás estão defendendo as cifras mais baixas. Fala-se que também seria essa a opinião da Petrobrás. A ANP, ou pelo menos seu diretor geral, estaria defendendo as cifras mais altas. Ele aparece frequentemente encabeçando a defesa das cifras mais altas. Aposentado da Petrobrás, sindicalista no passado, e da esquerda histórica brasileira quero dar uma opinião sobre esse assunto.
A Petrobras divulgou um ambicioso plano de investimento para fazer face aos grandes projetos do pré-sal. Seria algo em torno de R$224 bilhões. Para enfrentar tais desafios, articulou-se a meta da capitalização. Por esse expediente, a Petrobrás receberia recursos novos e, aumentando seu patrimônio, poderia arcar com novos empréstimos sem correr o risco de perder a condição do “investment grade”, o que lhe seria muito desvantajoso.
O governo elaborou então a idéia de localizar no pré-sal cinco bilhões de barris de petróleo e ceder, de forma onerosa, à Petrobrás, o direito de sua exploração e produção. Para tanto seria necessária uma certificação idônea, que atestaria a existência e o valor desse petróleo da União, ainda embaixo do mar.
Daí por diante, há cerca de um mês, começaram a aparecer diversas opiniões do que a grande mídia chama de “especialistas”, na verdade sempre os mesmos, todos achando que o valor do petróleo da União que seria certificado deveria valer por volta de US$ 5 ou US$ 6 por barril. Quando essa opinião dos “especialistas” e dos grandes jornais já estava quase que assentada, a Folha de São Paulo de 10 de agosto publicou longa entrevista do diretor geral da ANP Haroldo Lima com o sintomático título “Brasil ficará mais dono da Petrobrás”. Nela Lima afirma que o valor de US 5 ou US 6 /barril é muito baixo e que seria mais razoável um valor em torno de US$ 8/b. Com o valor de US$ 8/b a União, vale dizer o Brasil, teria a sua parte na capitalização, ou seja, os seus cinco bilhões de barris de petróleo avaliados em US40 bilhões, ao invés de US$25 bilhões, que seria o valor dos cinco bilhões cotados a US$5 /barril.
Ademais, com o barril cotado a US$8, aos acionistas minoritários seriam ofertados US$ 60 bilhões em ações, pela lei das SA. Se os ditos acionistas minoritários não usassem seu direito à compra dessas ações, por qualquer razão, o acionista majoritário, – o Estado brasileiro – poderia comprar as ações que sobrassem, e assim aumentar a parcela que hoje detém na grande empresa. Daí Haroldo Lima dizer que “o Brasil seria mais dono da Petrobrás”.
Precisamente porque esse assunto entrava verdadeiramente em pauta – se a Petrobrás seria mais do Estado brasileiro ou dos “minoritários”, (diga-se de passagem, o “minoritário” mais importante era George Soros, tido como o maior especulador do mundo) – é que “os especialistas” e a grande mídia saíram a campo criticando Haroldo Lima, como foi o caso da Veja, on line de 11 de agosto, que abriu a seguinte manchete: “Interferência da ANP impacta ação e prejudica minoritários”, em alusão ao que considerou as “indesejáveis declarações” do diretor geral da Agência. A matéria especulava sobre eventual afastamento desse diretor.
As coisas estavam assim, quando em 14 de agosto a Folha de São Paulo noticiou que o Presidente Lula estava “insatisfeito” com os preços de US$ 5 ou US$ 6 por barril e que “só aceitará um valor superior”. A batalha por um preço maior para o patrimônio da União ganhara um aliado forte.
Mas, até o momento o assunto não foi concluído. Como está chegando a hora das definições, a mídia começa de novo a fazer pressão para baixar o preço do produto do Estado brasileiro, para favorecer os chamados “minoritários”.
O jornal O Globo, publicou nesta sexta-feira, 27 de agosto, matéria em que diz que as reuniões havidas nos últimos sete dias “estariam levando o preço do barril a cerca de US$ 8, podendo chegar a US$ 8,20 ou US$ 8,30.” E acrescenta: “A Petrobrás, no entanto, estaria tentando uma última cartada, para levar o preço do barril para a faixa dos US$ 6.” (1)
Não se sabe se isto é verdade ou não, nem se a Petrobrás se ligou tanto aos interesses dos “minoritários”. O jornal Valor Econômico, em matéria intitulada “Declarações causam questionamentos sobre atuação da CVM”, mostra-se irritado com a possibilidade do crescimento do preço do barril do petróleo da União. Volta a examinar, com destaque, medidas judiciais e de mercado com o objetivo de fazer com que o diretor geral da ANP pare de falar sobre esse assunto. Na verdade, se o diretor Lima falasse que o preço de US$ 5 o barril seria um preço justo, seria saudado como um dirigente equilibrado e certamente ganharia manchetes elogiosas.
A capitalização vai se definir, pelo que diz a ministra da Casa Civil Erenice Guerra, nos últimos dias de agosto ou primeiros de setembro. A pressão por rebaixar o preço do petróleo da União, que será cedido de forma onerosa à Petrobrás, vai aumentar.
Seria muito bom, se no final do governo Lula, o Estado brasileiro ficasse mais “dono da Petrobrás”, saísse dos 32% que tem hoje do capital social da empresa e fosse alguns pontos à frente. Isto não será fácil. Mas nota-se a “militância” da grande mídia fazendo pressão para que isto não aconteça, ameaçando, destacando os comentários de seus “especialistas”, tentando desqualificar as opiniões de quem pensa em contrário, como hoje faz o Valor Econômico, em editorial onde sustenta que “o falatório desenfreado de diversos atores envolvidos no processo – como o diretor geral da Agência Nacional do Petróleo (NAP), Haroldo Lima, e do próprio presidente Lula, – alimenta a especulação com as ações da companhia”. O Plantão de Economia de O Globo de 26 de agosto sintetiza o quadro em termos de que, “quanto maior o preço, maior o peso da União na capitalização, mas pode significar um volume de recursos menor para a Petrobras, que precisa do dinheiro para seu volumoso plano de investimentos.” E conclui: "O martelo será batido pelo presidente, que vai arbitrar a questão que colocou governo e Petrobras em confronto.” E O Globo de 27 de agosto, em quadro com destaque, anuncia sua “opinião” sob o título “custo da arrogância”, criticando o presidente Lula por chamar a si a definição final do preço do barril do petróleo da União.
Em contraposição a essa atividade febril, o movimento social, a imprensa independente, de sentimento nacional, os blogueiros, mesmo aqueles setores à esquerda, talvez por falta de informação, têm tido pouca ou nenhuma participação nesse debate. O silêncio nos enfraquece.
Nota da redação
1- Na sexta-feira à tarde o governo definiu em 8,5 dólares o preço do barril da cessão da cessão onerosa, como relata matéria publicada neste portal. O título do artigo é de responsabilidade da redação
* José Antonio Pereira é funcionário da Refinaria Landulfo Alves de Matarico (Bahia), a primeira refinaria brasileira da Petrobrás.