Sem categoria

Jorge Cadima: Pão e brioches

Reza a história que, pouco antes da grande Revolução Francesa de 1789, quando a rainha Maria Antonieta foi informada de que o povo faminto de Paris se manifestava nas ruas pedindo pão, terá respondido: “se não têm pão, comam brioches”. O espírito de Maria Antonieta está de volta, nos salões do grande capital e dos governos ao seu serviço.

Por Jorge Cadima*

Nos mesmos dias em que o governo Sócrates anunciava a sua mais recente marretada na cabeça do povo português – para “acalmar os mercados” que estavam “preocupados” com o déficit orçamental nacional – o governo irlandês anunciou o aumento em cerca de 6 mil milhões de euros nos subsídios de apoio aos falidos bancos irlandeses (Irish Times, 30.9.10). Como resultado, o déficit orçamental irlandês será, este ano, “uns estonteantes 32% da produção econômica [PIB], o valor mais alto da Europa após a II Guerra Mundial” (Associated Press, 1.10.10).

Os bancos irlandeses estão a ser premiados por se terem “endividado fortemente junto de credores estrangeiros e investido o dinheiro no sobreaquecido mercado imobiliário irlandês – e depois procurarem esconder a verdadeira dimensão dos estragos quando a crise global no crédito fez rebentar a bolha imobiliária” (AP, 1.10.10). Como reagiram os “mercados” e seus serventuários ao anúncio do monumental buraco orçamental resultante da falcatrua, num país cujo PIB caiu 10% em 2009 e cujo desemprego vai em 13,8%? Segundo o Irish Times (30.9.10) a agência de notação (rating) Fitch declarou que o governo tinha “ganho tempo para produzir um plano fiscal para 4 anos” e manteve a notação inalterada.

O comissário europeu para a economia, Olli Rehn, declarou “apoiar fortemente a forma como o ministro das Finanças [irlandês] geriu a questão”. E o comissário europeu para a concorrência, Joaquim Almunia, “saudou a declaração […] afirmando que traz clareza”. Pelos vistos, não é com qualquer buraco orçamental que os mercados se enervam e precisam de ser “acalmados”. Quando estão a mamar da maxi-teta do Estado ficam mansos.

A necessidade de "acalmar" os mercados virá, fatal como o destino, quando se tratar de cortar salários, aumentar impostos sobre o povo, dar novas machadadas orçamentais nas funções sociais do Estado. Que já estão a ser preparados pelo governo irlandês: “Já olhamos para as leis da segurança social, para as leis das reformas. Vamos ter de olhar para todas essas questões” afirmou o ministro das Finanças, ao anunciar que prepara um novo pacote de “austeridade” (Bloomberg, 11.10.10).

Num relatório do FMI sobre Estabilidade Financeira Global afirma-se (telegraph.co.uk, 5.10.10) que: “os governos terão de injetar nova liquidez nos bancos – em particular em Espanha, Alemanha e nos EUA”. Solícito, o comissário europeu Almunia declarou que iria prolongar as medidas excepcionais de apoio ao sistema bancário, indústria e comércio: “não estamos ainda em condições de voltar ao regime normal. Sabemos que ainda há instituições … que precisam deste apoio estatal através de injeções de capitais públicos” (Financial Times, 5.10.10). Isto, apesar dos conhecidos lucros dos últimos meses. E nem se pense em taxar transações financeiras, advertiu o presidente do Banco Central Europeu (euobserver.com, 1.10.10): há “desvantagens econômicas, financeiras […] e técnicas”. Quanto ao povo, que coma brioches.

Mas o sistema capitalista mundial está a ranger por todos os lados. O ex-presidente da Reserva Federal, Paul Volcker, falando num simpósio em 23.9.10, disse que “o sistema financeiro está quebrado. Usamos essa palavra em finais de 2008 e infelizmente penso que ainda é correto usar essa palavra”. O ex-economista-chefe do FMI, K. Rogoff, diz que “A bancarrota grega é inevitável. Há 95% de hipóteses de que a Espanha acabe na bancarrota. A Hungria está à beira do precipício. As coisas vão ficar muito piores na Europa do Leste. Há vários países que vão para a falência. Há vários países da zona euro que fariam melhor em tirar uma licença sabática em relação ao euro durante um ano. A situação nos EUA é muito preocupante” (Der Spiegel, 4.10.10).

Como se sabe, em 1789 o povo de Paris, sem pão nem brioches, resolveu o problema por outras formas. Também foi assim na Rússia, vai agora fazer 93 anos. Há sempre soluções, quando as classes dominantes nada têm para oferecer senão miséria e guerra.

* Jorge Cadima é professor universitário e analista de política internacional

Fonte: Avante