A Mata Atlântica no Piauí e a realidade dos fatos
Em recente artigo intitulado “Não reconhecer o domínio da Mata Atlântica no Piauí: Má fé ou ignorância?, de autoria da Promotora de Justiça da 30ª Promotoria em Teresina, Senhora Maria Carmen Cavalcanti de Almeida, ao reconhecer que não existe Mata Atlântica no Piauí, enfatiza que essa falsa polêmica só serve para quem deliberadamente quer infringir a lei e degradar ao meio ambiente.
Por Dalton Macambira*
Publicado 15/02/2011 10:00 | Editado 04/03/2020 17:01
Em suas palavras, a senhora promotora não mede esforços para tentar atingir a imagem do Governo do Estado, através da Secretaria Estadual do Meio Ambiente e Recursos Hídricos, destacando que a mesma é a única que defende a verdade de que no Piauí não existe Mata Atlântica.
Para corroborar essa afirmação, a dita promotora cita que segundo publicação do Ministério do Meio Ambiente de 2010, o Domínio da Mata Atlântica foi definido em 1990 por pesquisadores e cientistas de todo o país, como sendo constituído por áreas que originalmente formavam uma cobertura florestal contínua, incluindo também os ecossistemas associados e disjunções florestais existentes no Nordeste Brasileiro, passando a estender-se além do Bioma Mata Atlântica e, nesse aspecto, engloba desde 1994, as Florestas Estacionais Deciduais e Semideciduais do Piauí, de acordo com a Resolução CONAMA nº 26/94. Ou seja, de acordo com o seu entendimento, todas essas áreas encontram-se inseridas no “Domínio da Mata Atlântica” e, como tal, protegidas por expressa disposição da mencionada resolução e da Lei Federal nº 11.428/06.
Até o ano de 2004, a definição de Mata Atlântica em vigor era a estabelecida no Decreto 750/93, isto é: “considera-se Mata Atlântica as formações florestais e ecossistemas associados inseridos no domínio Mata Atlântica, com as respectivas delimitações estabelecidas pelo Mapa de Vegetação do Brasil, IBGE 1988: Floresta Ombrófila Densa Atlântica, Floresta Ombrófila Mista, Floresta Ombrófila Aberta, Floresta Estacional Semidecidual, Floresta Estacional Decidual, rnanguezais, restingas, campos de altitude, brejos interioranos e encraves Florestais do Nordeste”. O Decreto não estabeleceu o tipo de Domínio, conseqüentemente o mapa não o delimitou. Ou seja, apesar do Decreto constar a expressão “Dominio da Mata Atlântica”, não havia definição sobre qual tipo de dominio era esse, se domínio fitogeográfico ou se domínio morfoclimáticoou ainda se domínio florístico, etc…
Ainda antes da aprovação da Lei 11.428/06, foi publicado pelo IBGE em 2004, o Mapa de Biomas Brasileiros, atendendo a uma demanda do Ministério do Meio Ambiente. Apresenta-se pela primeira vez, de forma oficial, a delimitação de todos os biomas (e não “domínios”), incluindo a Mata Atlântica. Desde então, toda a referência aos biomas em todos os produtos produzidos pelo Ministério do Meio Ambiente faz referência aos Biomas tal como representados e delimitados no Mapa publicado pelo IBGE. Segundo esse Mapa, o Piauí não possui áreas no Bioma Mata Atlântica. A área mais próxima do referido Bioma está a mais de 400 km de distância da divisa do Estado. No Piauí existem apenas os Biomas Cerrado e Caatinga, com áreas de transição entre a Caatinga e o Cerrado.
A Lei nº 11.428, finalmente aprovada e sancionada em 2006, coerente com a política do Ministério do Meio Ambiente, faz referência específica ao Bioma Mata Atlântica: Art. 1º A conservação, a proteção, a regeneração e a utilização do Bioma Mata Atlântica, patrimônio nacional, observarão o que estabelece esta Lei, bem como a legislação ambiental vigente, em especial a Lei no 4.771, de 15 de setembro de 1965. Veja-se que se Mata Atlântica (como citado no art. 225 da constituição) ou domínio Mata Atlântica não tinham uma definição precisa, o Bioma Mata Atlântica tem: o Mapa de Biomas do IBGE. Assim a Lei 11.428/06 esclarece e regulamenta o parágrafo 4º do art. 225 da Constituição Federal. A Mata Atlântica, “patrimônio nacional” a que se refere o citado artigo é o Bioma Mata Atlântica. E o Art. 2º da Lei da Mata Atlântica detalha o que é regulamentado: Para os efeitos desta Lei, consideram-se integrantes do Bioma Mata Atlântica as seguintes formações florestais nativas e ecossistemas associados, com as respectivas delimitações estabelecidas em mapa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, conforme regulamento: Floresta Ombrófila Densa; Floresta Ombrófila Mista, também denominada de Mata de Araucárias; Floresta Ombrófila Aberta; Floresta Estacional Semidecidual; e Floresta Estacional Decidual, bem como os manguezais, as vegetações de restingas, campos de altitude, brejos interioranos e encraves florestais do Nordeste. Ou seja, para os efeitos da Lei, são integrantes do Bioma Mata Atlântica as formações especificadas com respectivas delimitações estabelecidas em mapa do IBGE.
A Promotora afirma em seu artigo: “Trata do domínio da Mata Atlântica no Brasil a Lei Federal 11.428/06”. Ora, a palavra “Domínio” sequer aparece no texto da referida lei. Por sua vez, o Decreto Federal nº 6.660, de 21/11/2008, que lhe regulamenta, revogou expressamente em seu art. 51, do Decreto 750/03, que era o único instrumento legal que citava a expressão “Domínio da Mata Atlântica. Assim, a única referência legal ao “Domínio da Mata Atlântica”, deixou de existir, uma vez que tanto no texto da Lei, como no seu Decreto regulamentador, não consta tal expressão. Portanto, a afirmação da Promotora de que o “Mapa da Área de Aplicação da Lei nº 11.428/06, publicado pelo IBGE reconhece o “Domínio da Mata Atlântica” sobre 17 Estados, inclusive no Piauí, em 46 municípios”, não procede. Em nenhum momento o mapa faz referência à expressão “Domínio da Mata Atlântica”.
Em outras palavras, a expressão “Domínio da Mata Atlântica não aparece nem na Lei 11.428/06, nem no Decreto 6.660/08 e nem no Mapa da Área de Aplicação da Lei 11.428/06. Ora, se do ponto de vista legal não existe “Domínio da Mata Atlântica”, não se entende o posicionamento da citada representante do Ministério Público Estadual, como fiscal da lei, que insiste em defender uma tese que não tem respaldo na legal.
Na realidade o mapa traz em seu bojo, uma nota explicativa informando que a localização dos remanescentes de cada tipologia de vegetação e a definição de vegetação primária e dos estágios sucessionais da vegetação secundária as quais se aplica a Lei nº 11.428/06 observará o disposto no seu Art. 4º.
Ou seja, diferentemente do entendimento da Dra. Maria Carmen de Almeida Cavalcanti, não é o simples fato de se encontrar nos limites indicados no Mapa da Área de Aplicação da Lei 11.428/06 ou se constituir em Floresta Estacional Decidual ou Semidecidual, para que uma área seja considerada abrangida por sua proteção; é imprescindível o atendimento dos pressupostos estabelecidos no Art. 4º da citada lei, em aplicação combinada com a Resolução do CONAMA 026/94, específica para o Piauí.
Portanto, não é verdade que a “SEMAR insiste em não aplicar a Lei 11.428/06,”. Ocorre que o Art. 4º da lei 11.428/06 estabelece nove parâmetros a serem observados, mas não os define, remetendo essa importante definição para uma regulamentação a cargo do CONAMA: “A definição de vegetação primária e de vegetação secundária nos estágios avançado, médio e inicial de regeneração do Bioma Mata Atlântica, nas hipóteses de vegetação nativa localizada, será de iniciativa do Conselho Nacional do Meio Ambiente. No tocante a esse mister, tanto a Lei 11.428/06, como o Mapa da Área de Aplicação da mesma, não são auto-aplicativos. Além disso, é preciso levar em consideração, anos de estudos do professor doutor e pesquisador Antonio Alberto Jorge Farias Castro, da Universidade Federal do Piauí que afirma não existir Mata Atlântica no Piauí. Assim como, os conhecimentos da Coordenadora do ICMBio – Instituto Chico Mendes, Eugênia Medeiros que também enfatiza a inexistência do Bioma no Estado. A coordenadora cita ainda, a professora doutora em fitossociologia, Laure Emperaire, que durante oito anos estudou a flora da região da Serra da Capivara e da Serra das Confusões, apontando tratar-se de áreas de caatinga arbórea densa, remanescentes de floresta estacional semidecidual, com doze extratos arbóreos diferentes de cobertura vegetal.
É necessário também, enfatizar, esclarecendo para a promotora Carmen Almeida e para a sociedade, que a Resolução CONAMA 26/94 que estabeleceu as definições indicadas na Lei 11.428/06, lamentavelmente trouxe em seu texto uma grave imprecisão, tornado sua eficácia totalmente comprometida, pois a indicação da florística de maior freqüência nos diferentes estágios de regeneração se encontra representada na norma somente ao nível de gênero, levando-se a concluir pela total ausência de estudos de taxonomia (classificação, determinação e identificação) necessários para o conhecimento das espécies vegetais indicadoras.
Em razão desses aspectos, a SEMAR vem requisitando, no âmbito dos procedimentos de licenciamentos ambientais ou solicitações de autorizações para corte, supressão e exploração da vegetação em áreas abrangidas pelo Mapa de Aplicação da Lei 11.428/06, os estudos necessários para identificar se a vegetação existente se enquadra nos pressupostos contemplados pelo art. 4º, parágrafo 2º da Lei 11.428/06, aplicando-se a proteção indicada na legislação em comento, conforme cada caso.
Com isso, queremos concluir que não é má fé e muito menos ignorância da SEMAR em não reconhecer o “Domínio da Mata Atlântica no Piauí”. Simplesmente estamos aplicando o que está previsto na Lei.
*Dalton Macambira é Secretário de Estado do Meio Ambiente e Recursos Hídricos do Piauí