Livros debatem internet e democratização da informação
O debate sobre comunicação persistirá enquanto não houver verdadeira liberdade de se comunicar. Não pode existir democracia plena sem esse direito fundamental da pessoa humana. No caso da internet, a inclusão digital é essencial
Por Marcos Aurélio Ruy*
Publicado 24/02/2011 11:18
Com o bordão “quem não se comunica se trumbica”, Abelardo Barbosa, o Chacrinha, mostrava que o homem é um ser social e, portanto, único com capacidade para idealizar sua vida. E comunicação é vida. O debate ganha contornos cada vez mais nítidos, mas quase que totalmente restrito à internet e às entidades que lutam pela democratização do setor.
Mas esse debate sempre existiu por estar contido no âmbito da luta de classes, talvez por isso Karl Marx tenha dito que “ninguém luta contra a liberdade; no máximo, luta-se contra a liberdade dos outros”, no livro “A Liberdade de Imprensa”.
Venício A. Lima, em “A liberdade de Expressão x Liberdade de Imprensa – Direito à Comunicação e Democracia”, destrincha o falso embate criado pela mídia convencional para não haver regulamentação da mídia. Para continuar a restringir a liberdade de imprensa, permanecendo apenas a “liberdade de empresa”.
Dois livros lançados recentemente debatem os efeitos dessa nova tecnologia nesse debate. “Essa nova forma de produzir e gerir o conhecimento promove a descentralização e, portanto, uma expectativa de transformação”, afirma Hernani Dimantas no livro “Linkania: Uma Teoria de Redes”, Editora Senac SP.
Para Ele “a internet trouxe a ideia de revolução e, consigo, críticas inequívocas de como a sociedade moderna está estruturada.” No livro “Internet e Espiritualidade: o Despertar Através das mensagens de E-mail”, Editora Calibár, Valter Luís de Avellar diz que “a internet é uma espécie de projeção de tudo quanto existe no espírito humano. Uma extensão do que o indivíduo é no dia a dia, e que não modifica a índole das pessoas.” Avellar acredita ainda que “a responsabilidade surge no plano da ação como o ponto mais alto da liberdade.”
Função social
Essa discussão não aprece de modo abrangente nem mesmo no programa “Observatório da Imprensa”, da TV Brasil, que não vai além da mídia convencional. Programa onde poucas vezes se viu alguém que vá além dessa visão meramente comercial e corporativa e isso numa emissora pública, criada pelo governo Lula.
Para Dimantas, “para existirem, democracias interconectadas precisam de acesso irrestrito para se garantir enquanto tais.” Luis Assange, do Wikileaks, diz que “os interesses ou afiliações perniciosos da mídia e de seus donos permitem abusos por parte de governos.”
Para ele “o livre fluxo do conhecimento de grupos poderosos ou indivíduos menos poderosos é também um fluxo de poder e, portanto uma força equalizadora e democratizante.” Laurindo Lalo Leal Filho afirma que “apesar do avanço da internet, o rádio e a televisão ainda são os mais eficientes e abrangentes serviços públicos de informação. Não há outro meio que consiga falar de forma tão rápida para milhões de pessoas ao mesmo tempo”.
Ricardo Kotscho constata que “há 8 anos, apenas 13% das casas dos brasileiros da nova classe C tinham microcomputadores, Hoje, este número saltou para 52%.” E como, para ele, quem compra um micro tem como principal objetivo receber informações, participar de redes sociais e se comunicar com o mundo, as que têm o equipamento, mas ainda não estão ligadas à internet em casa, logo vão ficar.”
Por isso a internet ganha impulso nesse campo, por ainda estar livre dessa dominação. Qualquer um que domine essa tecnologia e tenha acesso a ela pode se expressar com liberdade. Mas Altamiro Borges adverte que “a guerra no chamado mundo virtual é cada vez mais encarniçada” e “quem dominar esta tecnologia terá papel estratégico no futuro das comunicações.”
Nada impede, explica ele, que “em momentos de maior tensão” a internet possa “ficar à mercê das grandes corporações do setor.” Ele cita o caso do Egito como exemplo e, se atentarmos para a pretensão do governo norte-americano de controlar essa mídia e para o projeto de lei denominado “AI-5 Digital”, no Brasil esse perigo é concreto.
No campo da publicidade é ainda muito pior, porque os publicitários trabalham as questões dentro de uma visão hegemônica do mundo, entendendo o capitalismo como produto final para a felicidade humana. É o produto de beleza x para seu rosto permanecer eternamente jovem ou para a menina ser sexy. É o carro tal para você sentir-se superior, já teve até um cigarro “para levar vantagem”, a tal “Lei de Gerson”. Hoje é pior ainda porque apelam para consciências de crianças para vender seus produtos.
E quando se fala em regulamentar a mídia a gritaria é geral. Chamam de censura o que seria apenas regulamentar e fiscalizar, porque todos têm que ser responsáveis pelo que dizem ou escrevem em qualquer mídia. Sandra Fernandes pergunta se já reparamos que “temos o hábito consolidado de sentar no sofá, ligar a TV e esperar por informações acerca do que está acontecendo no mundo, dia após dia, ouvindo, consumindo, mas nunca questionando?”
Para ela, “é assustador pensar que tem alguém decidindo por nós o que iremos saber e aquilo de que não tomaremos conhecimento.” Ela deixa claro o caráter social da notícia e, portanto, cabe visão mais pública do que corporativista, como as empresas de comunicação agem, defendendo interesses próprios e meramente de lucros.
Hacktivismo global
Essa preocupação da Sandra é pertinente a todos os que desejam uma comunicação democrática. Atualmente é o WikiLeaks que causa alvoroço por trazer à tona informações escondidas do grande público, o que, para Antonio Martins, significa o “hacktivismo global”, que nasceu quando “centenas de jovens, agindo de vários pontos do planeta e articulados numa rede de nome Anonymous, iniciaram um cerco” aos sites de empresas que passaram a boicotar Assange.
Martins entende que, “lutou-se em favor de uma causa capaz de despertar apoiadores em muitos países: a liberdade de expressão.” Ele explica ainda que “difundiram-se instrumentos de ação que podem ser empregados por qualquer pessoa com acesso à internet”, porque vivemos “num mundo em que poder e dinheiro circulam cada vez mais, na forma de bits.”
Dimantas diz que “o advento da internet como ferramenta de construção de redes modifica as estruturas burguesas. E, por incrível que possa parecer, essa ferramenta fez um estrago nas idiossincrasias dos poderosos.”
“Essas ideias apontam no sentido contrário àquilo que é comum numa sociedade de massa, ou melhor, numa sociedade mediada pela produção capitalista”, diz Dimantas. Marcus Barili Alves afirma: “a internet subverteu a ordem instituída. Ela torna obsoleto os intermediários e atravessadores. O controle da informação, eterno sinônimo de poder, pulveriza-se em pequenas redes de relacionamento, blogues, twitter e similares.”
E, na questão da liberdade, “software livre é a ponta do iceberg de um movimento para o conhecimento livre”, afirma Dimantas, para quem os hackers liberaram o conhecimento contra o monopólio do saber e da informação.
Para Gilberto Gil o “hacker é um militante da contracultura a ver no computador uma fantástica ferramenta de comunicação”. Dimantas diz que “na cultura hacker, o compartilhamento da informação é um poderoso e positivo bem”.
Um hacker afirma que “nós fizemos uso de um serviço já existente sem pagar por aquilo que seria bem caro se não fosse usado por gulosos atrás de lucros, e vocês nos chamam de criminosos”. Para Dimantas “o movimento hacker coloca o ser humano no centro do universo e passa a desenvolver toda uma nova relação para satisfazer essa variável. Esses são os caras dos softwares de códigos livres.”
Afirma ainda que “ser hacker não significa ser bandido, assim como ser revolucionário significa a busca de uma vida melhor para todos.”
*Marcos Aurélio Ruy é jornalista