Ex-motorista se diz ameaçado por Curió, o carrasco do Araguaia
O coronel Sebastião Curió quer, a todo custo, inviabilizar os trabalhos do Grupo Tocantins, que busca localizar corpos de militantes da Guerrilha do Araguaia que ainda estariam enterrados na região. Um de seus alvos é Valdim Pereira de Souza, ex-motorista do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) em Marabá e colaborador do Exército durante o regime militar (1964-1985).
Publicado 14/03/2011 17:06
Na semana passada, Valdim prestou um depoimento em Marabá (PA) em que acusa Curió de usar pessoas a ele ligadas para ameaçá-lo de represálias caso forneça informações ao Grupo Tocantins. A guerrilha ocorreu nos anos 70 e pregava uma revolução das massas camponesas para derrubar a ditadura.
Ao combater o movimento à margem da lei, o Exército envolveu uma série de pessoas, como Valdim. Cabia a ele recolher ossos humanos de guerrilheiros assassinados pelo Exército região.
Agora, mais de 35 anos depois do fim da guerrilha, Souza recebe várias ameaças para ficar calado. Em dezembro do ano passado, em três ligações telefônicas para seu celular, ele foi aconselhado a “fechar a boca para não dizer besteiras”. Numa das ligações, enfrentou quem o ameaçava: “Olha, nós não temos mais nada a perder”.
A mãe do motorista também atendeu a um telefonema ameaçador em Macapá, onde o motorista morava: a voz advertia para ter muito cuidado com o que andava falando. Em depoimento gravado num vídeo, Souza afirma que, para ele, Curió está por trás das ameaças. O motorista diz que fala com conhecimento de causa, porque já trabalhou para Curió por sete anos, entre 1976 e 1983, quando o ex-patrão comandou com mão de ferro o garimpo de Serra Pelada.
“O Curió é corajoso e me disse certa vez que quem fala muito morre”, contou, revelando que o ex-agente do SNI queria que Souza fizesse coisas que não gostava, como seguir e escutar pessoas, inclusive amigos do motorista. E dizia para ele que “inimigo bom é inimigo morto”.
Limpeza
Um dos quatro ouvidores do Grupo de Trabalho do Tocantins e ex-representante do Pará junto ao Ministério da Defesa, no Programa Federal Comissão da Verdade, é Paulo Fonteles Filho. Há vários anos, ele luta para encontrar os corpos de guerrilheiros que militavam no PCdoB, integrando uma força-tarefa de agentes federais.
Fonteles pediu a ex-soldados e outros militares das Forças Armadas, que hoje colaboram com o governo federal para localizar as vítimas, que denunciem as ameaças que também estariam sofrendo. Para Souza, as ameaças não podem ficar impunes. Ele diz que ainda há militares, principalmente do 52º Batalhão de Infantaria de Selva, de Marabá, que tentam negar que no quartel daquela unidade do Exército pessoas foram torturadas. Ele afirma que os ex-militares que colaboram com o Grupo Tocantins estão sendo vigiados.
Em 1976, segundo o depoimento de Souza, ele participou da “Operação Limpeza”, denominação militar para o resgate de corpos e ossadas de guerrilheiros mortos na região. “Não tínhamos o direito de saber o que fazíamos, apenas cumprir a nossa obrigação e as determinações superiores”, revela.
O trabalho dele era dirigir uma caminhonete do Incra. Era um carro descaracterizado, com placa fria. Foi várias vezes a Castanhal da Viúva, mas percorria também localidades como Bacaba, São Geraldo, São Domingos, Brejo Grande e Palestina.
A missão era trazer para a sede do antigo Departamento Nacional de Estradas e Rodagens (DNER), em Marabá, vários sacos amarrados com um cordão. Os sacos pesavam cerca de 100 quilos e dentro, soube depois, por servidor do próprio DNER conhecido por “Pé na Cova”, havia ossos humanos. O cheiro era insuportável. Os homens do Exército que comandavam a operação eram o doutor Luchini (Sebastião Curió) e os sargentos Santa Cruz e Ribamar.
Quem participava da “Operação Limpeza” era proibido de perguntar o que havia dentro dos sacos. Souza declarou que fez quatro viagens para transportar os sacos com as ossadas. Hoje, ele relembra, quem colaborou com o Exército “mal consegue levantar da cama, já morreu ou está muito doente, sem nada”. E desabafa: “não fizemos isso de livre e espontânea vontade, mas de livre e espontânea pressão”.
Da Redação, com informações do Diário do Pará