Mazé Leite: Estudo de Arte Realista
O que é a pintura realista hoje? O exame da trajetória desta arte, pelo menos desde o Renascimento, ajuda a entender como a arte de uma época é o reflexo daquele período histórico e também como um mestre é feito de técnica, execução perfeita, pensamento, conceito, conhecimento. E de visão de mundo.
Por Mazé Leite
Publicado 02/06/2011 15:48
Neste sábado à tarde, umas 20 pessoas se reuniram lá no Atelier Maurício Takiguthi, como fazemos uma vez por mês, para estudar mais um capítulo do livro de Heinrich Wölfflin, "Conceitos Fundamentais de História da Arte", desta vez sobre Pluralidade e Unidade na Pintura.
Vimos como a pintura clássica era basicamente feita de partes autônomas dentro do quadro, não só pela diversidade de figuras mas também pela forma técnica da pintura, mais linear. Vimos como depois, no Barroco, as várias partes de uma pintura formam um todo único, sem ser possível deslocar um pedaço qualquer do contexto do quadro sem que a parte deslocada perca sentido.
No Barroco (Caravaggio, Rembrandt, Rubens, Vermeer, Vélazquez…) é que podemos observar um entrelaçamento nas cores, uma espécie de espalhamento das massas, uma inter-relação entre todas as partes e figuras. O quadro, como um todo, conversa entre si.

Mas Wölfflin alerta que isso não significa necessariamente um julgamento de valor, que um fosse superior ao outro, somente aponta que a Unidade estética do quadro surge como algo totalmente novo. Na pintura clássica as partes possuem uma função autônoma. Nesta pintura de Rubens (1577-1640) – acima – dá bem para ver que o quadro poderia ser dividido em dois, por exemplo, sem muito prejuízo do conjunto. E mesmo que os olhares se dirijam sobretudo para a figura de Maria no céu, os diversos personagens parece que não possuem relação entre si.
O que não é possível com este outro quadro, de Rembrandt (1606-1669) – abaixo – pois, como dá para ver, as partes se encontram interconectadas num todo indivisível e não seria possível destacar nenhum pedaço da cena, sem que ela sofresse prejuízo. Até mesmo no estudo de uma simples cabeça dá para se perceber claramente esses dois conceitos de unidade e de pluralidade dentro da História da Arte. E aqui vale lembrar que a Arte não se encontra separada do resto da vida, mas reflete as mudanças que vão ocorrendo no mundo e na sociedade ao longo do tempo.

Vermeer, assim como Rembrandt, são considerados pictóricos e não lineares, ou seja, dão preferência às massas de cor, aos valores, aos efeitos da luz. Um exemplo entre muitos em Vermeer: o lustre no alto da sala é trabalhado com muita minúcia em termos de uso da massa, do efeito da luz e da sombra, da massa que ultrapassa a forma, etc. Nos olhos e nos lábios da modelo, vemos como apenas pequenas pinceladas configuram a expressão doce e suave que ela aparenta. Isso mostra a diferença entre ser minucioso (na aplicação das regras da arte pictórica) e não detalhista.

Alegoria da Pintura, de Vermeer
Enfim, o estudo detalhado desta pintura, por si só, já serve como um curso inteiro sobre como funciona a pintura realista. Há uma profunda unidade na forma, nas cores, no tema, na composição, nos valores, na luminosidade.

Um exemplo de pintura detalhista e linear é o do pintor hiper-realista contemporâneo Jeremy Geddes, um pintor australiano. Nesta tela a óleo pintada em 2009, que se intitula "A Tribute to the Protestant Work Ethic", podemos ver que: – é uma pintura linear, mais próxima da acadêmica; há uma preocupação muito grande em ser detalhista até nos mínimos efeitos; no conjunto do quadro, parece que o artista está mais preocupado em mostrar o quanto ele é bom. Diferentemente desse outro quadro de Vermeer, onde o pintor até aparece, mas de costas. O que importa não é ele, Vermeer, mas sim importa mostrar como a representação da realidade pode se dar de forma pessoal, suscinta, simples, elegante.
Coisas como essas são bastante elucidativas de como a arte de uma época é o reflexo não somente daquele período histórico, mas mostra também o quanto um mestre é feito não somente de técnica, de execução perfeita, mas também de Pensamento, de Conceito, de Conhecimento. E de visão de mundo.
No Atelier de Arte Realista, em pleno século XXI, buscamos aprender a técnica do desenho e da pintura em profundidade, mas também nos interessa – a mim, pelo menos – compreender conceitualmente o que significa ser, hoje, uma pintora realista.