Brasil surfa na onda conservadora que invade os EUA
Políticos conservadores, defensores da austeridade fiscal, venceram duas importantes votações ontem no Congresso dos EUA pelo corte de subsídios agrícolas, num primeiro passo de um processo legislativo que pode contribuir para a redução de barreiras comerciais e da concorrência desleal dos fazendeiros norte-americanos com os produtores brasileiros de álcool combustível e de algodão.
Publicado 17/06/2011 16:07
No Senado, foi aprovada uma emenda que derruba imediatamente subsídios aos produtores americanos de álcool, também conhecido como etanol, e a tarifa de importação do produto, com uma folgada maioria de 73 votos a 27. O objetivo é reduzir despesas e amenizar o colossal déficit público. Para entrar em vigor, porém, o dispositivo ainda deve passar pela Câmara.
Algodão
Na Câmara dos Deputados, foi aprovada uma outra emenda que derruba o pagamento de US$ 147 milhões aos produtores brasileiros de algodão, por 223 votos a 197. Num primeiro momento, o Brasil sai perdendo. Mas o deputado que patrocina a medida na Câmara, Ron Kind, afirma que o desdobramento natural dessa votação será cortar também os subsídios aos produtores americanos de algodão, que a Organização Mundial do Comércio (OMC) declarou ilegal numa ação movida pelo Brasil. Essa emenda também tem que passar pelo Senado para entrar em vigor.
A emenda que elimina os subsídios ao álcool foi colocada como contrabando dentro de um projeto que trata de um assunto completamente diferente, a revitalização do desenvolvimento econômico. Como esse projeto maior tem poucas chances de ser aprovado no Congresso, é bastante provável que a emenda que termina com as barreiras ao álcool caia também.
Mas a votação folgada no Senado é um importante termômetro da pouca disposição política para renovar os subsídios quando eles vencerem em dezembro, ou mesmo para extingui-lo antes disso, dentro das negociações no Congresso para cortar o déficit público americano.
US$ 6 bilhões em subsídios
"A indústria americana do etanol tem procurado se posicionar para que os subsídios sejam reduzidos gradualmente", afirmou ao Valor Divya Reddy, analista política especializada em energia e recursos naturais da consultoria Eurasia Group. "A votação mostrou que não há apetite para isso no Senado."
Para incentivar o uso de energias renováveis, o governo americano concede um subsídio de 45 centavos de dólar por galão (3,8 litros) de álcool misturado à gasolina, num programa que custa US$ 6 bilhões anuais aos contribuintes americanos. Para evitar que o subsídio vá para produtores estrangeiros, o governo também impõe uma tarifa de 0,54 centavos de dólar sobre o etanol importado. Um dos maiores prejudicados pelo sistema é o Brasil, que produz etanol de cana-de-açúcar com custos mais baixos que o produto americano, geralmente feito de milho.
"O fim do sistema de tarifas no etanol importado, que dura 30 anos, vai ajudar a baixar os preços dos combustíveis para os americanos, dando acesso a fontes renováveis de energia mais baratas como o etanol de cana-de-acúcar", declarou ontem Leticia Phillips, representante baseada em Washington da União da Indústria de Cana de Açúcar (Única), uma entidade brasileira de lobby.
Austeridade fiscal
Os cortes de subsídio ao algodão e ao álcool combustível são resultado de uma onda conservadora que tomou o Congresso em fins do ano passado, quando o Partido Republicano venceu as eleições legislativas com um discurso de austeridade fiscal. Para esse movimento político, o alto déficit fiscal americano, equivalente a cerca de 10% do Produto Interno Bruto (PIB), é a principal causa da debilidade econômica do país.
A dívida pública extrapola o último teto definido pelo legislativo (US$ 14,3 trilhões de dólares, algo em torno de 100% do PIB) e os republicanos, com muito senso de oportunidade, estão relutantes em ampliar tal limite. “Existe um risco de enorme reação adversa do mercado", alertou o FMI, pois "manter a emissão líquida de dívida em zero iria requerer cortes de gastos irreais no resto do ano [fiscal]", acrescenta o órgão no relatório intitulado Monitor Fiscal. O teto da dívida americana já foi elevado 70 vezes na história. Nos últimos 10 anos, o limite legal foi ampliado 10 vezes. O déficit e a dívida traduzem o crescente parasitismo do império, que já não consegue sobreviver com os próprios meios que produz e procura preservar o decadente estilo de vida americano (American lifestyle).
Os republicanos têm sido mais agressivos na Câmara, onde detêm a maioria, e nos últimos dias concentraram os seus esforços em fazer cortes em uma lei que distribui verbas para programas agrícolas. Uma dessas verbas é um pagamento anual de US$ 147 milhões que os Estados Unidos se comprometeram a fazer, num acordo fechado com o governo brasileiro no ano passado dentro da disputa na OMC, ao Instituto Brasileiro do Algodão (ITA), até que sejam cortados definitivamente os subsídios ilegais aos produtores americanos.
Com informações do Valor