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Gilberto Gil dá brilho à cultura brasileira

Homenagear grandes nomes de nossa cultura é um privilégio, principalmente quando é possível fazer isto em vida. O compositor Gilberto Gil merece destaque pelo conjunto de sua obra e também pela sua atuação no Ministério da Cultura, no governo Lula. Perto de completar 50 anos de carreira, o compositor baiano completa 69 anos no dia 26.

Por Marcos Aurélio Ruy*

Gilberto Gil realçou a cultura brasileira com suas músicas que misturam sons nordestinos com rock, reggae, entre outros ritmos. Suas canções apresentam desde o início uma preocupação social e política com traços definidos. Para Luiz Carlos Maciel “a pluralidade, a diversificação, a receptividade e a flexibilidade” orientam a trajetória desse grande artista baiano, nordestino, brasileiro.

Além de excepcional compositor, cantor, músico e poeta, ele deu vida ao Ministério da Cultura, que anteriormente apenas funcionava burocraticamente. Os cinco anos e meio que esteve à frente do ministério conseguiu inseri-lo no debate nacional da cultura, valorizando o nacional e o popular, procurando dar voz aos que nunca tiveram espaço.

Muito criticado pelos setores conservadores da sociedade, possibilitou a criação de programas como o Ponto de Cultura e o Vale Cultura, importantes para inserir a periferia na vida cultural nacional. A mídia chegou até a insinuar favorecimentos, quando se deu espaço para a diversidade cultural brasileira. O Ministério da Cultura passou a existir a partir da gestão de Gilberto Gil.

A raiz

Muito influenciado por Luiz Gonzaga, Jackson do Pandeiro, Beatles, Jimi Hendrix, entre outros, Gil confessa que iniciou carreira inspirado no violão de João Gilberto. E dessa miscelânea surge o seu som. O músico também baiano, um dos criadores da bossa nova, chegou a gravar a música “Eu vim da Bahia”, do futuro criador do tropicalismo. A primeira apresentação, de Gil, em São Paulo ocorre em 1965, no Festival da Balança, festival universitário, gravado pela gravadora RCA.

Os festivais dos anos 1960 cumpriram a função de dar espaço aos novos talentos da chamada moderna música popular brasileira. Em 1967, Gil tirou o segundo lugar no Festival da Record, com “Domingo no Parque”. A carreira do já ex-administrador de empresas, funcionário da Gessy Lever. No mesmo ano entra em cena o tropicalismo, “movimento cultural brasileiro que surgiu sob a influência das correntes artísticas de vanguarda e da cultura pop nacional e estrangeira”, como define o site Wikipédia. Gilberto Gil constituiu-se num dos principais nomes desse movimento. Para Celso Favaretto o tropicalismo “consistia em redescobrir e criticar a tradição, segundo a vivência do cosmopolitismo dos processos artísticos, e a sensibilidade pelas coisas do Brasil.”

Em 1968, Gil foi preso juntamente com Caetano Veloso. Eram considerados subversivos por atentarem contra a “moral” e os “bons costumes”. Dançavam e rebolavam nos palcos, usavam roupas extravagantes, cabelos longos e apresentavam uma suposta bissexualidade, fatores que agrediam setores burgueses da sociedade. Gil ainda foi acusado de porte de drogas e foi condenado à permanência em manicômio judiciário. Exilaram-se em Londres para escapar da repressão e retornaram ao Brasil em 1972.

Em 1970 Gil foi o único brasileiro a participar do Festival da Ilha de Wight juntamente com The Who, Jimi Hendrix, Emerson, Lake and Palmer e The Doors. Logo descobriu o reggae de Bob Marley e Jimmy Cliff, que o fez aproximar-se do ritmo jamaicano. Com grandes preocupações estéticas, o músico baiano nunca abandonou as questões sociais, as lutas dos negros por igualdade racial, das mulheres, dos homossexuais, dos pobres em geral.

Em 1978, lança disco de gravação ao vivo de sua participação, no Montreaux Jazz Festival, na Suíça. Em 2008, Gilberto Gil lançou "Banda Larga Cordel", reafirmando com mundo digital – tema que o tem fascinado. Grava a música “Pela Internet” e diz “que veleje nesse informar/Que aproveite a vazante da informaré/Que leve um oriki do meu velho orixá/Ao porto de um disquete de um micro Taipé”.

O social e o político

As questões sociais e políticas brasileiras estão presentes em toda a sua obra. Na música “Drão” diz “os meninos são todos sãos, os pecados são todos meus”, numa alusão aos direitos da juventude, principalmente da juventude marginalizada das periferias das grandes cidades. Como em “A Novidade”, em parceria com Os Paralamas do Sucesso, canta “de um lado este carnaval do outro a fome total.” E em “Superhomem – a canção”: “minha porção mulher, que até então se resguardara é a porção melhor que trago em mim agora.”

Foi vereador em Salvador, de 1989 a 1992, pelo PMDB, mais tarde filia-se ao PV e daí foi convidado pelo ex-presidente Lula para ser ministro da Cultura, onde ficou por cinco anos e meio. No Ministério da Cultura trabalhou com a visão de levar o debate cultural a todos os recantos e da utilização dos meios eletrônicos para a disseminação da arte, da cultura, enfim.
Gilberto Gil tornou-se um grande defensor do mundo digital. Para ele “a batalha o software livre, da internet livre e das conexões livres vão muito além delas, de seus interesses. É a mais importante, e também a mais interessante, e a mais atual das batalhas políticas.” Até mesmo o sisudo “The New York Times” se rendeu ao trabalho do ministro Gil. Em 11 de março de 2007 dedicou a matéria intitulada “Gilberto Gil Hears the Future, Some Rights Reserved” (Gilberto Gil Ouve o Futuro, com Alguns Direitos Reservados”) e elogia a aliança com a Creative Commons em 2003. Diz Gil “a cultura digital traz consigo uma nova ideia de propriedade intelectual, e que esta nova cultura de compartilhamento pode e deve informar políticas governamentais.”

Com centenas de canções, onde casa muito bem poesia e melodia, Gilberto Gil juntamente com Milton Nascimento, Caetano Veloso e Chico Buarque, elevou a música popular brasileira a níveis jamais vistos. Os quatro representam a moderna música popular brasileira no que ela apresenta de melhor, no pós-bossa nova. Na obra de Gil, “a natureza e a cultura negra são muito presentes, destoando sons eletrônicos em meio a muita percussão e o contraste de ritmos como o rock, o reggae e as batidas nordestinas se fundem numa sonoridade infindável”, define Susana Gigo Ayres. Felicidades Gilberto Gil e muitos anos de vida produtiva.

*Marcos Aurélio Ruy é jornalista



Abaixo, alguns vídeos de suas canções para deleite de todos:


Domingo no Parque (1967)

O rei da brincadeira – ê, José
O rei da confusão – ê, João
Um trabalhava na feira – ê, José
Outro na construção – ê, João

A semana passada, no fim da semana
João resolveu não brigar
No domingo de tarde saiu apressado
E não foi pra Ribeira jogar
Capoeira
Não foi pra lá pra Ribeira
Foi namorar

O José como sempre no fim da semana
Guardou a barraca e sumiu
Foi fazer no domingo um passeio no parque
Lá perto da Boca do Rio
Foi no parque que ele avistou
Juliana
Foi que ele viu

Juliana na roda com João
Uma rosa e um sorvete na mão
Juliana, seu sonho, uma ilusão
Juliana e o amigo João
O espinho da rosa feriu Zé
E o sorvete gelou seu coração

O sorvete e a rosa – ô, José
A rosa e o sorvete – ô, José
Oi, dançando no peito – ô, José
Do José brincalhão – ô, José

O sorvete e a rosa – ô, José
A rosa e o sorvete – ô, José
Oi, girando na mente – ô, José
Do José brincalhão – ô, José

Juliana girando – oi, girando
Oi, na roda gigante – oi, girando
Oi, na roda gigante – oi, girando
O amigo João – João

O sorvete é morango – é vermelho
Oi, girando, e a rosa – é vermelha
Oi, girando, girando – é vermelha
Oi, girando, girando – olha a faca!

Olha o sangue na mão – ê, José
Juliana no chão – ê, José
Outro corpo caído – ê, José
Seu amigo, João – ê, José

Amanhã não tem feira – ê, José
Não tem mais construção – ê, João
Não tem mais brincadeira – ê, José
Não tem mais confusão – ê, João

Refavela (1977)


 

Iaiá, kiriê, kiriê, iaiá

A refavela
Revela aquela
Que desce o morro e vem transar
O ambiente
Efervescente
De uma cidade a cintilar

A refavela
Revela o salto
Que o preto pobre tenta dar
Quando se arranca
Do seu barraco
Prum bloco do BNH

A refavela, a refavela, ó
Como é tão bela, como é tão bela, ó

A refavela
Revela a escola
De samba paradoxal
Brasileirinho
Pelo sotaque
Mas de língua internacional

A refavela
Revela o passo
Com que caminha a geração
Do black jovem
Do black-Rio
Da nova dança no salão

Iaiá, kiriê, kiriê, iáiá

A refavela
Revela o choque
Entre a favela-inferno e o céu
Baby-blue-rock
Sobre a cabeça
De um povo-chocolate-e-mel

A refavela
Revela o sonho
De minha alma, meu coração
De minha gente
Minha semente
Preta Maria, Zé, João

A refavela, a refavela, ó
Como é tão bela, como é tão bela, ó

A refavela
Alegoria
Elegia, alegria e dor
Rico brinquedo
De samba-enredo
Sobre medo, segredo e amor

A refavela
Batuque puro
De samba duro de marfim
Marfim da costa
De uma Nigéria
Miséria, roupa de cetim

Iaiá, kiriê, kiriê, Iaiá
  

Bob Marley – um samba-provocação (1989)
De Bob Dylan a 
 
Quando Bob Dylan se tornou cristão
Fez um disco de reggae por compensação
Abandonava o povo de Israel
E a ele retornava pela contramão

Quando os povos d'África chegaram aqui
Não tinham liberdade de religião
Adotaram Senhor do Bonfim:
Tanto resistência, quanto rendição

Quando, hoje, alguns preferem condenar
O sincretismo e a miscigenação
Parece que o fazem por ignorar
Os modos caprichosos da paixão

Paixão, que habita o coração da natureza-mãe
E que desloca a história em suas mutações
Que explica o fato da Branca de Neve amar
Não a um, mas a todos os sete anões

Eu cá me ponho a meditar
Pela mania da compreensão
Ainda hoje andei tentando decifrar
Algo que li que estava escrito numa pichação
Que agora eu resolvi cantar
Neste samba em forma de refrão:

"Bob Marley morreu
Porque além de negro era judeu
Michael Jackson ainda resiste
Porque além de branco ficou triste" 

 
Punk da Periferia (1983)

 
Das feridas que a pobreza cria
Sou o pus
Sou o que de resto restaria
Aos urubus
Pus por isso mesmo este blusão carniça
Fiz no rosto este make-up pó caliça
Quis trazer assim nossa desgraça à luz

Sou um punk da periferia
Sou da Freguesia do Ó
Ó
Ó, aqui pra vocês!
Sou da Freguesia

Ter cabelo tipo índio moicano
Me apraz
Saber que entraremos pelo cano
Satisfaz
Vós tereis um padre pra rezar a missa
Dez minutos antes de virar fumaça
Nós ocuparemos a Praça da Paz

Sou um punk da periferia
Sou da Freguesia do Ó
Ó
Ó, aqui pra vocês!
Sou da Freguesia

Transo lixo, curto porcaria
Tenho dó
Da esperança vã da minha tia
Da vovó
Esgotados os poderes da ciência
Esgotada toda a nossa paciência
Eis que esta cidade é um esgoto só

Sou um punk da periferia
Sou da Freguesia do Ó
Ó
Ó, aqui pra vocês!
Sou da Freguesia

Questão de Ordem (1968)
 
 
Você vai, eu fico
Você fica, eu vou

Daqui por diante
Fica decidido
Quem ficar, vigia
Quem sair, demora
Quem sair, demora
Quanto for preciso
Em nome do amor

Você vai, eu fico
Você fica, eu vou

Se eu ficar em casa
Fico preparando
Palavras de ordem
Para os companheiros
Que esperam nas ruas
Pelo mundo inteiro
Em nome do amor

Você vai, eu fico
Você fica, eu vou

Por uma questão de ordem
Por uma questão de desordem

Se eu sair, demoro
Não mais que o bastante
Pra falar com todos
Pra deixar as ordens
Pra deixar as ordens
Que eu sou comandante
Em nome do amor

Você vai, eu fico
Você fica, eu vou

Os que estão comigo
Muitos são distantes
Se eu sair agora 
Pode haver demora
Demora tão grande 
Que eu nunca mais volte
Em nome do amor

 
Tempo Rei (1996)



Não me iludo
Tudo permanecerá do jeito que tem sido
Transcorrendo
Transformando
Tempo e espaço navegando todos os sentidos
Pães de Açúcar
Corcovados
Fustigados pela chuva e pelo eterno vento
Água mole
Pedra dura
Tanto bate que não restará nem pensamento

Tempo rei, ó, tempo rei, ó, tempo rei
Transformai as velhas formas do viver
Ensinai-me, ó, pai, o que eu ainda não sei
Mãe Senhora do Perpétuo, socorrei

Pensamento
Mesmo o fundamento singular do ser humano
De um momento 
Para o outro
Poderá não mais fundar nem gregos nem baianos
Mães zelosas
Pais corujas
Vejam como as águas de repente ficam sujas
Não se iludam
Não me iludo
Tudo agora mesmo pode estar por um segundo

Tempo rei, ó, tempo rei, ó, tempo rei
Transformai as velhas formas do viver
Ensinai-me, ó, pai, o que eu ainda não sei
Mãe Senhora do Perpétuo, socorrei 

 
Só Chamei Porque Te Amo 
(versão de I Just Called to Say I Love You, de Stevie Wonder, 1998)

 
Não é natal
Nem ano bom
Nenhum sinal no céu
Nenhum Armagedom
Nenhuma data especial
Nenhum ET brincando aqui no meu quintal

Nada de mais, nada de mal
Ninguém comigo além da solidão
Nem mesmo um verso original
Pra te dizer e começar uma canção

Só chamei porque te amo
Só chamei porque é grande a paixão
Só chamei porque te amo
Lá bem fundo, fundo do meu coração

Nem carnaval
Nem São João
Nenhum balão no céu
Nem luar do sertão
Nenhuma foto no jornal
Nenhuma nota na coluna social

Nenhuma múmia se mexeu
Nenhum milagre na ciência aconteceu
Nenhum motivo, nem razão
Quando a saudade vem não tem explicação

Só chamei porque te amo
Só chamei porque é grande a paixão
Só chamei porque te amo
Lá bem fundo, fundo do meu coração
 

Tela Internet (2008)


Criar meu web site
Fazer minha home-page
Com quantos gigabytes
Se faz uma jangada
Um barco que veleje

Que veleje nesse infomar
Que aproveite a vazante da infomaré
Que leve um oriki do meu velho orixá
Ao porto de um disquete de um micro em Taipé

Um barco que veleje nesse infomar
Que aproveite a vazante da infomaré
Que leve meu e-mail até Calcutá
Depois de um hot-link
Num site de Helsinque
Para abastecer

Eu quero entrar na rede
Promover um debate
Juntar via Internet
Um grupo de tietes de Connecticut

De Connecticut acessar
O chefe da Macmilícia de Milão
Um hacker mafioso acaba de soltar
Um vírus pra atacar programas no Japão

Eu quero entrar na rede pra contactar
Os lares do Nepal, os bares do Gabão
Que o chefe da polícia carioca avisa pelo celular
Que lá na praça Onze tem um vídeopôquer para se jogar