Neusa Jordem Possatti: Festa no interior
Começa assim com um pinguinho de gente, depois vai crescendo a multidão e não se sabe de onde brota todo aquele povo de Deus. Uns vem vestidos em grande estilo de novela das oito, outros de country, e há ainda, e esses são genuinamente os do interior, os que vêm revestidos do verdadeiro espírito da festa.
Por Neusa Jordem Possatti*
Publicado 24/08/2011 14:05
Na expectativa da chegada do sábado, recolheram o café nos balaios, espalharam os grãos no terreiro e à tardinha da sexta-feira juntaram no paiol a colheita e os instrumentos de trabalho. Porque é sábado, dia de festa no Patrimônio, lustraram as botinas e recarregaram a bateria do celular, que curiosamente chegou ao campo antes do telefone convencional. Em frente à igreja, depois da celebração da missa, misturam-se os compadres, gente da cidade e gente da roça. Nunca falta assunto, às vezes começa com a justa reclamação do preço baixo do café, passa pela escassez de chuvas e chega sorrateiramente na polêmica aparição das máquinas colhedeiras, que prometem deixar muita gente sem emprego nas lavouras de café. O festeiro anuncia, no microfone, antes de começar o leilão, que tem canjicão com amendoim torrado quentinho nas barracas, tem também quentão com pouco gengibre, pouca canela e muita cachaça. Nem precisa anunciar as poções de vaca atolada. Dos pratos fundos o cheirinho de mandioca recém-cozida vai fumegando e a vontade da gente aumentando. O leiloeiro começa a peleja e de cara impõe preço bom na ceia, que é para fazer caixa e ajudar nas reformas da igreja. Depois de alguns lances, interrompe para dizer que tem menino perdido e que acabou de chegar o leite de onça, de onça mesmo!…e já podem ficar descansados que o pai da criança apareceu. Aí começa o arrasta-pé, tem sanfona e forrozão para animar. Encontro às escondidas, namoro certinho e um tal de ficar. Alguém observa o céu e aponta para a lua no firmamento pipocado de estrelas. Um círculo espetacular a envolve e a constatação óbvia é feita, do menino mais velho para o mais novo: círculo longe, chuva perto. O cheiro de churrasquinho no espeto de bambu se espalha pelo ar. Político aproveita para fazer campanha para as próximas eleições e a meninada solta arranja jeito de brincar. A dança segue animada sem hora para acabar, amanhã ainda é domingo e dá tempo de descansar. O povo de Deus ri descontraído, ouvindo a última acontecida na cidade, cai na dança — porque ninguém é de ferro! — e o pessoal da roça, que é muito mais esperto que o da cidade, sabe que o que se leva dessa vida é a vida que se leva.
* Neusa Jordem Possatti é formada em Letras