De Hitchcock a Aquino, a arte do voyeurismo
Eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios. Li esse livro de nome comprido durante uma tarde de férias em 2006. Chovia e eu nem via. Do jeito que eu li, supus ao virar a última página, Marçal Aquino escreveu o livro, num fôlego só.
Por Christiane Marcondes*
Publicado 29/11/2011 20:47

A paixão apressadíssima de Lavínia e Cauby não admite escala para reflexões, exige um mergulho de corpo e alma na trama que explora com preciosismo cada ato, personagem e contexto.
Desde o início eu pressenti, depois compreendi que o próprio título delatava, o final tão ruim quanto as notícias e ao mesmo tempo tão belo quanto os lábios de Lavínia. A perfeita alquimia dessa composição é que livra o romance do lugar-comum. Afinal, triângulo amoroso de um fotógrafo e uma ex-prostituta casada com pastor evangélico parece receita de bolo que sempre dá certo porque não se atreve. Longe disso, a narrativa consegue surpreender dentro do que acenava com previsibilidade. E consegue entranhar um amor maior sem pegar atalho para pieguice ou fantasia.
De verdade, li o texto há muito tempo e com tanta sede fui ao pote que não tenho os detalhes na memória. É uma experiência diferente, como resenhista, escrever depois que o tempo passou, mas digo que é boa, porque o tempo decanta.
Sei que todos os tipos são marginais, de um jeito ou outro, e fadados à solidão. Solidão no sentido mais amplo, esse que é o da própria existência, nascimento e morte. Olhando sob outro aspecto, Lavínia se fará acompanhar eternamente por Cauby. Ou Cauby acompanhará eternamente Lavínia. Não é fácil identificar quem busca quem para apertar suficientemente o nó do relacionamento, que jamais desata. E essa confidência de modo algum estraga o suspense da primeira à última linha.
A história se passa em uma terra de ninguém, na lembrança e no presente de Cauby. Todos os personagens secundários apropriam-se de uma relevância que não lhes pode ser tirada, à custa de sacrificar todo o ardil de Aquino. Uma coisa que deixei para o fim: a obra esbanja sensualidade. Barata no que tudo o que é sensual tem de comum, mas luxuosíssima na literatura de Marçal.
Agora, finalmente, a obra foi à telona e dizem — outra falha minha, realmente não me preparei para esse texto, não vi o filme ainda – que a Camila Pitanga é a Lavínia incorporada. Beto Brant dirige.
O cinema não é casualidade na carreira do autor, mas vocação, outra. O trabalho de Aquino na área inclui a roteirização de textos de sua autoria, como “Os matadores” (1997), “Ação entre amigos” (1998) e “O invasor” (2001), além do desenvolvimento de roteiros originais: Nina (2004). Em parceria com Beto Brant e Renato Ciasca, roteirizou “Cão sem dono”, baseado no livro de Daniel Galera: Até o dia em que o cão morreu (Livros do mal, 2003). E com Berto Brant e Marco Ricca fez Crime delicado (2005). Seu trabalho mais recente no cinema é o premiado Cheiro do ralo, em parceria com Heitor Dhalia.
*do Vermelho