Valton Miranda – Wall Street treme

Por *Valton Miranda

Quando o muro de Berlin veio abaixo, o mundo capitalista parecia ter definitivamente conjurado o fantasma do socialismo. A versão radical do liberalismo econômico e político bradava que as fronteiras nacionais nos quatro cantos do mundo deveriam ser abolidas para que o mercado triunfante pudesse plantar sua bandeira apátrida. Dessa maneira seriam extintas todas as ideologias enquanto as necessidades humanas, plenamente satisfeitas, dariam surgimento ao novo homem do consumo integral.

Fukuyama já anunciara que neste ponto a história morreria, porquanto o real se tornaria racional e o racional coincidiria com o real, proclamando-se assim o reino absoluto do espírito capitalista. Os dois maiores teóricos do neo-liberalismo F. Hayeck e M. Freedman tinham enterrado definitivamente Marx e os marxistas com toda a grei de românticos que pretendiam a emancipação humana junto com as aspirações democráticas nas áreas econômica, política e cultural. O triunfo da ética do patrimônio individualista parecia completo indicando o Capital Global como senhor da nova era redentora. O mundo de pobreza e miséria seria superado pelo mercado livre, no qual o capitalista competente amparado pelo avanço da tecnologia juntamente com a rapidez da comunicação, espalharia as benesses decorrentes dos seus extraordinários lucros através dos programas de solidariedade social.

O conflito de cada homem deveria ser abolido por uma pílula, enquanto as lutas sociais seriam superadas por normas jurídicas como aquelas propostas pelo brasileiro Mangabeira Unger no seu volumoso e mirabolante livro Política. Os havardeanos triunfantes participavam desse otimismo mundializado do sistema do capital que suplantaria o mal-estar sócio-cultural com a posse do automóvel de luxo e a angústia da depressão com o Prozac. Tal cultura estimulou o que existe de pior no homem com o surgimento da competitividade destrutiva, o grosseiro individualismo narcísico, cuja superficialidade se compraz no espetáculo imagético televisivo, no qual o entretenimento se reduz à contemplação de estúpidos ídolos de ocasião.

A pior consequência desta lógica da irracionalidade não foi o predomínio da ganância dos banqueiros e dos jogadores das bolsas de valores que se entre devoram nos EUA e Europa, mandando a conta para que o povo pague. O pior foi o incremento sem precedentes da inveja, produzindo o ser narcísico incapaz de amar e pensar. O modelo que mais caracteriza essa situação é Steve Jobs. Trata-se de um gênio quase robótico que mede sua ascensão em termo de cifrões. Não existe nessas condições verdadeiro saber, mas raciocínio maquínico impulsionado pelo fetiche dinheiro. O mercado se nutre desse novo homem exatamente porque pensar e raciocinar significam caminhar contrariamente ao consumo compulsivo. O recurso das adições ao delírio religioso, às drogas e vícios eletrônicos torna-se compulsão. O colapso estrutural do capitalismo agora parece evidente no movimento que percorre todo território americano chamado Ocupe Wall Street.

*Valton Miranda Leitão é Psicanalista

Fonte: O Povo