PPP: Política tarifária e subsídio cruzado são dúvidas
Leia abaixo a íntegra do pronunciamento do deputado Luciano Siqueira (PCdoB) durante a audiência pública sobre a PPP do Saneamento. O deputados foi um dos proponentes da iniciativa junto à Comissão de Meio Ambiente, da qual Luciano é vice-presidente.
Publicado 15/03/2012 14:02 | Editado 04/03/2020 16:57
Mariza Lima
Posição política do PCdoB
Sou do PCdoB, o PCdoB participa do governo, integra a Frente Popular e sou absolutamente sintonizado com o programa do governo de Eduardo Campos, que nós entendemos correspondem às expectativas, aos anseios e à exigência da atual etapa de desenvolvimento econômico e social do Estado. No entanto, tanto na Frente Popular de Pernambuco como em relação ao governo Eduardo Campos, nós do PCdoB procedemos tal como em relação a todas as frentes partidárias e a todos os governos dos quais nós participamos.
Assim como aconteceu nos oito anos do governo Lula, com o testemunho vivo do nosso querido e brilhante deputado Maurício Rands, que conviveu com nossa bancada no Congresso Nacional, nós adotamos uma postura propositiva e ao mesmo tempo crítica. É por isso que no curso dos oito anos do governo Lula nós nunca deixamos de criticar a lentidão com que o governo enfrentava a superação dos condicionantes macroeconômicos herdados no governo anterior. Como também no início do primeiro governo Lula nós manifestamos, com toda sinceridade, com toda lealdade, o nosso desacordo ao fato de o então presidente ter colocado como pauta prioritária e nos termos em que colocou as reformas previdenciária e trabalhista naquela ocasião.
Digo isso para sublinhar que mesmo sendo membro da bancada do governo nesta Casa, apoiando o governo de Eduardo Campos, isso não me constrange a fazer uma análise crítica de nenhuma proposição do governo, inclusive nesta matéria que é tão complexa e pode ser controvertida.
PPP versus privatização
Em relação às Parcerias Público-Privadas (PPP) tenho a compreensão de que PPP não quer dizer privatização, mas também não quer dizer que toda PPP seja saudável. É preciso examinar em profundidade o modelo da PPP, verificar os benefícios mútuos e os benefícios para o conjunto da população. A importância, a necessidade das PPPs no Brasil dos nossos dias está diretamente relacionada com uma verdadeira crise crônica de financiamento público, à capacidade de investimento público no Brasil que ainda não foi recuperada.
Em termos de infraestrutura, dados de junho de 2011 revelam que o Brasil investiu em infraestrutura apenas 4% do PIB, isto é, algo em torno de R$ 140 bilhões, sendo que para saneamento foram destinados apenas R$ 7,5bilhões. Comparativamente com outros países emergentes e países desenvolvidos a relação entre investimento em infraestrutura e PIB no Brasil é ridícula.
E isso tem a ver com a herança que nos legou o regime militar, que numa fase de ampla liquidez internacional, dólar sobrando, o regime – até produzindo resultados significativos em matéria de dotar o País de infraestrutura para o desenvolvimento, como estradas, telecomunicações e hidroelétricas -, praticou o endividamento exagerado, irresponsável, que quando sobreveio a decisão unilateral dos Estados Unidos de romper com os acordos que estabeleciam os termos da relação entre o dólar e a as demais moedas do mundo, depois se completando com a primeira crise do petróleo no final da década de1970, gerou isso que nós vivemos até hoje, a tremenda limitação da capacidade pública de investir.
O presidente Lula conseguiu resolver no fundamental a dívida externa, mas ainda convivemos com uma dívida interna monstruosa que inibe a capacidade de investimento público, gerando aí a necessidade de promover parcerias com o setor privado.
Parceria: Sim ou não?
Nós poderíamos, aqui e nos debates que vão acontecer entre os diversos setores da sociedade, até chegar à conclusão de que não se faça a PPP. Entretanto, tenho a convicção de que hoje pelos caminhos possíveis viabilizar tamanha soma de recursos, no prazo que se quer, através dos mecanismos disponíveis no arcabouço jurídico institucional do País não é possível. E aí eu não posso dizer que a minha experiência ao lado do ex-prefeito João Paulo por oito anos (como vice-prefeito do Recife) me daria autoridade de afirmar isso categoricamente.
Aqui foi citada a capacidade de endividamento do Estado que já está se esgotando, não pela a incapacidade administrativa, mas pela operosidade do Estado, do esforço de buscar recursos onde é possível obter recursos, a legislação em vigor. Entre o desejo de fazer e a possibilidade de realizar nós sofremos muito, João Paulo, eu e a nossa equipe, pois era claro que era possível fazer, é justo fazer, mas para viabilizar os recursos passasse um tempo enorme. O Prometrópole, por exemplo, começou no segundo governo de Arraes, a prefeita de Olinda, Luciana Santos, celebrou o contrato com o Banco Mundial, em Washington, junto com o prefeito João Paulo e o governador Jarbas Vasconcelos. Ela costumava dizer: “Parece linha do horizonte, que quanto mais você se aproxima, mas ela se distancia”.
Nós trabalhamos duro para viabilizar o Capibaribe Melhor, a Via Mangue, e só agora os recursos estão sendo conquistados. Quando se capta recursos nas agências financiadoras externas, Banco Mundial, por exemplo, só o exame da carta de intenção demora em média dois anos. Então, esse é um dado da realidade.
Lula e as mudanças
Um dos nossos companheiros que foi à tribuna desta audiência disse que a função dos deputados federais e dos senadores é mudar essa legislação. De certa maneira é, mas seria ingenuidade também imaginar que se transformam essas coisas, esses arcabouços jurídicos formais do país, rapidamente. No início de nossa reunião, eu disse que sempre tivemos uma opinião muito crítica em relação à velocidade com que o governo Lula procurava se desembaraçar dos condicionantes macroeconômicos que herdou do governo neoliberal, do governo de FHC.
Em uma ocasião, fazia três anos e meio de governo, o ex-presidente Lula disse para o presidente nacional do nosso partido, Renato Rabelo: “Puxa, vocês não mudam esse discurso, insistem nisso. Vamos fazer o seguinte: “Renato, junte alguns dirigentes nacionais do partido que eu vou promover uma reunião lá no Palácio do Planalto com a ministra Dilma e equipe para expor tudo do governo”. Eu fui um desses dirigentes nacionais do partido que participou dessa reunião e ao final comentei com um jornalista daqui de Pernambuco com quem tinha conversado uma semana antes, e ele angustiado porque não conseguia entender como a mídia batia no presidente, a oposição não dava tréguas e a popularidade do governo Lula crescendo.
Ele achava que podia ser o carisma do presidente, mas tinha que ter outro motivo. Eu liguei para ele e disse que acabava de saber o porquê da popularidade de Lula: por conta do volume de realizações do governo e do esforço imenso para desmontar os mecanismos jurídicos formais que impediam as ações do governo. Por exemplo, o príncipe dos sociólogos sucateou a universidade pública, o operário metalúrgico deu força à universidade pública, resolveu o problema do financiamento e está expandindo e interiorizando a educação para dar conta das necessidades de preparar recursos humanos. Então, o desmonte da legislação adotada por FHC que impedia investimentos públicos na expansão que se queria para as universidades públicas, o desmonte dessa máquina não é fácil.
Por isso, que preservando o poder público, a empresa pública, preservando a capacidade do poder público de fiscalizar e controlar a ação do parceiro privado é possível fazer PPPs. E não confundir isso com transferência de empresas públicas estratégicas para a iniciativa privada, não comparar com a privatização das teles, por exemplo. Há um mecanismo que os advogados têm me ensinado: o de que o processo de alienação do patrimônio público das telecomunicações para as empresas privadas não é uma concessão é uma autorização, de tal maneira que a Anatel, o Estado brasileiro neste momento não pode cobrar a universalização dos serviços às operadoras da telefonia móvel e, assim, elas vão oferecendo o serviço de telefonia aonde a relação custo beneficio os favorece.
O debate continua
O presidente da Compesa, doutor Roberto Tavares, garantiu com toda firmeza que as ponderações do sindicato, várias delas foram colocadas, podem ser levadas em conta e podem significar ajustes no desenho da PPP do Saneamento.
Pessoalmente, continuo a ter dúvidas em relação à manutenção do subsídio cruzado, a política tarifária, a obrigatoriedade de o ente privado realizar esse índice de universalização em certas áreas habitadas pela população mais pobre. Acho que essas coisas todas ainda carecem de esclarecimento. Por essa razão, penso que esta reunião é um ponto de partida muito importante para que uma decisão política do Governo do Estado possa ter ou não a acolhida da sociedade e o governo possa insistir ou recuar. Portanto, é preciso que tenhamos um debate democrático, amplo, mutuamente respeitoso e esclarecedor, para que se possa construir a muitas mãos soluções para o desafio que está colocado diante de nós.
Fonte Site de Luciano Siqueira