Nasser: EUA e Israel tentam barrar influência do Irã na região
Nas últimas semanas, o governo de Israel tem emitido vários sinais de que poderia iniciar um bombardeio ao Irã. Para o professor de Relações Internacionais da PUC-SP, Reginaldo Nasser, no entanto, as chances de que um ataque aconteça antes das eleições presidenciais norte-americanas são pequenas. Seria um risco para a reeleição de Barack Obama.
Por Joana Rozowykwiat
Publicado 31/08/2012 16:19

Em entrevista ao Vermelho, Nasser explica que a pressão sobre o Irã está associada a uma estratégia dos Estados Unidos que remete ao pós-Guerra Fria. Para preservar sua influência no Oriente Médio, os norte-americanos trabalham para fortalecer seus aliados (Israel e Arábia Saudita) e reduzir ou minar o poder daqueles que se opõem a eles. Buscam então construir uma imagem negativa de algumas nações, classificando-as como “estados irracionais”, que não negociam, e vinculando religião e terrorismo para justificar intervenções.
Para Nasser, o Irã não representa um perigo à região, pelo contrário, já que não interessaria ao governo de Mahmoud Ahmadinejad um conflito justamente no momento em que ganha maior projeção. As acusações de que o programa nuclear iraniano seria uma ameaça não passariam de “subterfúgios”. Ele constata que há, na verdade, um cerco de tropas dos EUA ao país.
Nasser lembra ainda que quem nem sequer assinou o Tratado de não Proliferação Nuclear foi Israel. Para ele, nesse contexto, o Irã teria optado por manter uma posição dúbia, deixando no ar a possibilidade de desenvolver uma arma nuclear, como forma de dissuadir um ataque.
O professor relaciona o jogo de poder envolvendo o Irã com a situação na Síria, grande aliada de Ahmadinejad. Com esta entrevista, o Vermelho cede espaço a uma opinião acadêmica, útil para compreender a geopolítica e o contexto dos conflitos naquela região.
Portal Vermelho: As tensões entre Israel e Irã têm se agravado a cada dia e muita gente já fala na possibilidade de um ataque. O senhor acha que esta guerra está no horizonte?
Reginaldo Nasser: Se a gente pensar da perspectiva de Israel, de quem está no governo de Israel, é sempre possível. Mas acredito que, pelo menos nesse ano, tem um fator aí que complicaria isso, que são as eleições nos Estados Unidos. Porque uma intervenção desse tipo é sempre muito arriscada. A possibilidade de que haja algum erro por parte da ação de Israel junto com os EUA é muito grande. E isso levaria a um desastre eleitoral do governo Obama.
Vermelho: E um ataque sem o apoio direto dos Estados Unidos não seria possível?
Nasser: Acho muito difícil, porque o Irã não é qualquer país. Primeiro, pela influência que tem na questão palestina, com o Hamas, e no Líbano, com o Hezbolá – vizinhas de Israel. E também porque acredito que Rússia e China se oporiam a isso [uma intervenção militar]. As movimentações no Conselho de Segurança da ONU, para punir o Irã com sanções econômicas, são uma coisa. Um ataque militar é uma proporção bem diferente. Acredito que complicaria ainda mais a situação. Tem uma frase que o francês Raymond Aron dizia na Guerra Fria: “paz impossível, guerra improvável”. Então [um ataque] é improvável, mas não impossível.
Vermelho: Muito se fala em uma espécie de "guerra suja" contra o Irã, com assassinatos seletivos, inclusive de cientistas, ciberataques, etc. É uma estratégia de Israel contra Terrã?
Nasser: Sim, Israel tem feito isso deliberadamente. Já há elementos suficientes inclusive para afirmar isso. Mas é um tipo de ação que não tem consequências concretas. Não é isso que vai parar um eventual programa nuclear do Irã, pelo contrário. É preciso ter em conta que o programa nuclear do Irã, sem nem entrar nos detalhes técnicos, é um projeto nacional, não é só do Ahmadinejad. Mesmo os opositores do Ahmadinejad têm claro que essa postura do Irã em relação à questão nuclear é correta. Esse projeto nuclear não tem volta.
Vermelho: O senhor então não crê que essas pressões surtirão efeito?
Nasser: Enquanto se sentir ameaçado, o Irã vai continuar com esse jogo ambíguo, de hora dar sinais de que não tem intenções de produzir artefatos nucleares e horas dar sinais de que sim. Essa posição do Irã começou a se tornar mais evidente após a Guerra do Afeganistão, em 2001, e do Iraque, em 2003, que são seus vizinhos. Se olharmos no mapa, não precisa ser especialista em geografia para constatar que o Irã está literalmente cercado. De um lado, as tropas no Afeganistão; do outro, tropas no Iraque; ao Norte, bases militares dos Estados Unidos no Cazaquistão; e, ao Sul, a Força Marítima de bases norte-americanas.
Vermelho: Atualmente o que se tem visto é Israel – e parte da comunidade internacional – dizer que o Irã representaria um perigo, e Teerã reafirmar que não desenvolve tecnologia nuclear com fins militares. O que o senhor pensa desse discurso da "ameaça à região"?
Nasser: Isso aí, veja… Mesmo o Irã tendo arma nuclear, por que representaria um perigo? O Irã só tem a ganhar se não entrar em guerra com Israel. Todo mundo sabe da força que Israel tem. E qual seria o objetivo do Irã fazer isso, num momento em que sua influência está em ascensão na região? Isso não tem sentido nenhum. O que tem sentido é que, eventualmente, se o Irã tiver capacidade nuclear, ele vai começar a se equilibrar com Israel.
Este é um fato que, guardadas as diferenças, aconteceu com Índia e Paquistão há anos. Havia um conflito. No primeiro momento quem tinha a bomba era a Índia, depois o Paquistão adquiriu, e não teve confronto entre os dois. É o chamado equilíbrio, comum na Guerra Fria. Os dois lados ficavam com medo de confrontar o outro.
Essa questão nuclear poderia até colocar esse equilíbrio ali. Hoje aparece a ideia de que o Irã é um “rogue state”, um estado irracional, um estado pária. E isso não tem sentido nenhum, até porque, mesmo que se queira criticar o governo do Ahmadinejad, a política externa do Irã sempre foi muito pragmática, ao contrário do que é alardeado por Israel e EUA. Isso [apontar o Irã como uma ameaça] são subterfúgios dos EUA e de Israel para não deixar o Irã ascender mais ainda e, eventualmente, atingir ou chegar próximo de atingir um equilíbrio com Israel.
Vermelho: Mas e sobre o programa nuclear do Irã, qual é exatamente a opinião do senhor?
Nasser: Primeiro quero dizer que a estratégia que o Irã está usando não é diferente da que outros países também usam. Estou dizendo isso porque volta e meia colocam como se fosse um caso único. Na Guerra Fria, existia uma palavra que todos empregavam, dissuasão. São declarações ambíguas, que fazem parte do próprio do jogo. [O Irã] não vai dizer que tem nem que não tem [fins militares], tem que jogar com isso, essa é a forma de sobreviver.
Enquanto existir a dúvida se vai ter ou não [fins militares], não vai se sentir tão ameaçado. Sempre é assim, pode colocar aí que é regra geral. Volta e meia aparecem evidências de que o Irã não vai produzir [uma bomba]. De repente, o próprio governo dá declarações, com subentendidos, a partir das quais dá para interpretar que eles podem ter. E isso é proposital. Porque eles querem sentar-se à mesa e negociar. É um jogo de ambiguidades que o Irã está fazendo e outros países já fizeram.
O próprio estado de Israel já fez, quando era para ter a sua [bomba]. É um jogo muito comum no âmbito internacional e não há nada de extraordinário em o Irã fazer isso, como alguns querem colocar. Quando se analisa a postura do Irã, qual é a conexão? Dizem logo que é um governo islâmico, colocam essa adjetivação. Ora, se é um governo islâmico, judeu, católico ou ateu não altera em nada a questão. É um jogo de poder na região.
Vermelho: Então o pano de fundo dessas pressões contra o Irã é essa questão da influência?
Nasser: O pano de fundo é impedir que o Irã consiga ascender ainda mais em influência na região. Se olharmos de 2001 para cá, qual era o rival do Irã na região? Era o Iraque. Com a destruição do Saddam [Hussein] pelos Estados Unidos, com a invasão do Afeganistão e uma série de outras medidas que os EUA tomaram, todos esses outros países caíram em poder. E o Irã ascendeu, passou a ter influência na Síria, no Líbano, na Palestina. Quer dizer, o Irã passou a ser um jogador importante. E isso incomoda. Esse é um dos argumentos para literalmente cercar o Irã. Estão deliberadamente cercando, e isso liderado pelos Estados Unidos e Israel. E os argumentos usados [para justificar isso] são os mais estapafúrdios.
Hoje em dia, por exemplo, a questão Síria, entre outras coisas, passa por isso. A Síria é um grande aliado do Irã, que seria bastante atingido com a queda do governo em Damasco. Então há toda uma estratégia. Tudo aquilo que permite com que se isole o Irã é bem-vindo para Israel e, obviamente, para os Estados Unidos.
E, claro que quem tem mais interesse até que Israel nisso é a Arábia Saudita, porque disputa o mesmo terreno de influência. A Arábia Saudita quer influenciar a política no mundo árabe e islâmico e o seu oponente é o Irã. Não só em relação à influência, como ao petróleo. A Arábia Saudita já declarou várias vezes que, se o mundo se vir diante de problemas de importação do petróleo do Irã, eles podem suprir isso tranquilamente.
Portal Vermelho: É inevitável associar essa ameaça contra o Irã à invasão ao Iraque, sob o pretexto de existirem armas de destruição em massa que nunca foram encontradas. O senhor vê relação entre os dois cenários?
Nasser: Completamente. Se olharmos para trás – porque essa coisa começa lá na década de 1990, no pós- Guerra Fria -, os Estados Unidos pegam e listam alguns países que eles chamam de “rogue state”, países que seriam irracionais, nas palavras deles. Para se ter uma ideia, mesmo durante a Guerra Fria, a URSS não era vista como “rogue state” pelos Estados Unidos, porque, embora fosse um oponente, a URSS negociava. Agora eles vão dizer assim: agora temos inimigos que não negociam. Quem são eles? Irã, Iraque, Síria, Coreia do Norte e tal.
E qual era a meta, desde 1990? Mudar o regime político desses países e, para isso, eles vão arrumar alguns subterfúgios. No caso do Iraque, foram armas e terrorismo, o que não tinha sentido nenhum. Todo mundo sabia que não havia conexão do Iraque com a Al Qaeda, pelo contrário, são inimigos. Como também é o caso do Irã. Há dois ou três anos, [aconteceram] vários atentados de grupos ligados à Al Qaeda dentro do Irã, contra o Irã. São inimigos.
Volta e meia, surge essa ideia de que o Irã apoia grupo terrorista. A fórmula está feita por eles [os EUA]: estados que produzem armas de destruição em massa, que são movidos pelo islã e que apoiam o terrorismo. Esses três elementos configuram o que eles chamam de “estados párias e terroristas” e que, portanto, precisam ser atacados, demovidos de suas intenções. O argumento é o mesmo, a diferença é que o Irã hoje, comparando com o que era o Iraque, está em uma posição mais forte, tanto militarmente quanto economicamente, o que torna mais difícil uma aventura como foi a do Iraque.
Vermelho: E por trás de tudo isto estão motivações ideológicas ou econômicas?
Nasser: Elas se complementam. Os Estados Unidos sempre tiveram isso claro: na região, quem são os aliados confiáveis? Israel – que é como se fosse da política interna norte-americana – e Arábia Saudita. Então tudo deve ser feito para favorecer esses e diminuir o poder daqueles que se opõem. Eles podem combinar meios militares, econômicos, políticos e idológicos, aí pouco importa. Mas o objetivo é muito claro: não permitir que nenhum estado chegue ao nível de poder de Israel ou da Arábia Saudita, outro aliado preferencial.
Vermelho: O candidato republicano Mitt Romney esteve em Israel e chegou a sinalizar apoio a uma intervenção no Irã…
Nasser: O freio [a essa intervenção] é a eleição. Durante esses quatro anos do governo Obama ficou claro que não tem grandes diferenças de Bush, Obama ou Romney, no que se refere à política para o Oriente Médio. O que nos leva à hipótese, que é cada vez mais plausível, de que essa política para o Oriente Médio vai muito além da vontade e determinação do presidente. São políticas elaboradas pelo lobby de Israel no Congresso, gestadas no Pentágono, e que independem de eleição.
O fato muito claro disso é que, quando Obama foi eleito, num fato inédito, ele manteve o secretário de Defesa do governo anterior, que era seu oponente – um caso único. Ou seja, Robert Gates era um homem do Pentágono. Durante o governo Obama, houve ações de inteligência contra o Irã, contra outros países no Oriente Médio, quer dizer, foi a mesma coisa.
Mas o cuidado que eles querem ter é com o público. Qualquer tipo de ação equivocada que possa acontecer, o público norte-americano cobra, principalmente, em eleições. O público americano é isso. Não é questão de princípio moral não. Se as coisas dão certo, tudo bem. Se a ação der errado, punem o governo na hora. Esse é um elemento que, por enquanto, poderia segurar uma ação de Israel.
Vermelho: Uma das coisas que o Ahmadinejad e muitos argumentam é que há o direito do país de desenvolver tecnologia nuclear para fins pacíficos. E que os países que já possuem essa tecnologia tentam impedir que os outros consigam, formando um clubinho fechado de privilegiados. O que o senhor acha disso?
Nasser: Isso procede, sem dúvida nenhuma. Teve um embaixador brasileiro, no fim da década de 1960, Araújo de Castro, que escreveu um pequeno texto que continua muito atual. Chama-se “O congelamento do poder mundial”. Por que congelamento? Porque esse tratado que ainda está em vigência, de Não Proliferação Nuclear, é quase como uma foto. Você bate a foto naquele momento e os que chegaram, tudo bem; os que não chegaram, que se danem.
Agora, no caso que estamos colocando é até pior que isso. Israel nunca assinou o Tratado de Não Proliferação. E o Irã assinou. Isso significa ser inspecionado. Israel, Índia e Paquistão não assinaram, então não tem nem discussão, não tem nem inspeção. Então é interessante que, na verdade, quem é “rogue state” é Israel.
Então realmente existe um clube até não legalizado também. Quando Araújo Castro escreveu isso, Índia, Israel e Paquistão não tinham bomba nuclear. Ele estava falando daqueles nuclearizados que estavam dentro dos regimes internacionais. De 1970 para cá, outro fenômeno foi esse: não vamos participar do tratado e vamos fazer a nossa bomba.
Ahmadinejad fala nesse sentido. Mas sair da boca de Ahmadinejad tem um peso diferente do que sair da boca de Benjamin Netanyahu. Aí o que está claro é assim: durante a Guerra Fria, se discutiam os meios, quem tem, quem não tem, quantas bombas, etc. Hoje não tem mais isso. A discussão passa mais pelo nível das supostas intenções. Então é como se dissessem assim, “ah, tudo bem, Israel tem, mas ele é bem intencionado”. No fundo a discussão é essa.
Quando a palavra “rogue state” aparece, é isso. Não é julgar. É como se dissessem, “olha, fulano ‘x’ tem um fuzil e fulano ‘y’ também, mas esse aí é complicado ter, porque é doido, mas o fulano ‘x’ não tem problema”. É isso, no fundo é isso.
Vermelho: Então na verdade é uma construção de imagem?
Nasser: Sim, claramente. É uma construção de imagem e colabora para isso essa ideia de identificar que é islâmico. Falar que é islâmico, xiita, e colocar isso com uma conotação pejorativa, para dizer que são religiosos, que o estado que professa a religião – e mais ainda o islã – é irracional. Essa é que é a lógica.
Vermelho: E a mídia tem contribuído na construção dessa imagem?
Nasser: Sim, e muito. No ano passado, escrevi isso num artigo, quando a Agência Internacional de Energia Atômica deu um parecer sobre o Irã, não lembro exatamente as palavras, mas ela utilizou sempre o condicional: é possível , poderia. O que o The New York Times e o Washington Post fizeram, no dia seguinte, foi citar agência, dizendo que estava confirmado que o Irã tinha [bomba]. Eles receberam milhares de cartas de leitores contestando. E depois puseram uma nota corrigindo.
Tem uma associação independente nos Estados Unidos, que se chama Associação de Cientistas ou algo assim, que não tem conotação ideológica nenhuma. E eles divulgaram um laudo dizendo isso, que não se poderia afirmar que o Irã iria construir [uma bomba], que os elementos que existem não são objetivos para falar isso. Não dá para afirmar que um dia não poderia ter, mas dá para dizer que não tem. Então quando você vai para o argumento técnico, objetivo, ele acaba não valendo nada, porque vem a imagem.
E a imprensa contribui com isso, tendo ao seu lado os “especialistas”, que acabam colaborando, como foi o caso do Iraque, que você mencionou. Eu lembro, na época, que cientistas e analistas escreviam dizendo que era líquido e certo que o Iraque tinha armas de destruição em massa, inclusive aqui no Brasil. Então é a formação de uma opinião pública.
Vermelho: E como avalia a situação na Síria?
Nasser: Eu acho que a questão na Síria lembra muito a Guerra Fria. Na Guerra Fria, tinha uma denominação em inglês, “proxy war”, quer dizer guerras patrocinadas. Então eu só distinguiria aí o seguinte: eu não vejo que as manifestações contra o governo Assad tenham sido elaboradas e gestadas por Estados Unidos e Israel. Acho que o movimento que teve início na Síria foi o mesmo que aconteceu na Tunísia, no Egito, no Bahrein, contra o governo, contra uma imensa desigualdade econômica.
Agora, durante esse processo, claro que alguns setores que se interessam pela queda do Assad começaram a se aproveitar disso, no caso, Estados Unidos, Israel e Arábia Saudita. E querem atingir isso porque a Síria é grande aliada do Irã na região. Estão aproveitando a situação.
Não me colocaria do lado daqueles que dizem que é tudo uma armação contra Bashar, em termos de causa primeira. Por outro lado, também não dá para ser ingênuo e dizer que é um movimento puramente autônomo e que não tem relação nenhuma com o exterior. Isso não é verdade. Então por isso que eu digo que é bem clima de Guerra Fria.
Agora quando se diz que estão dando armas aos rebeldes, isso não é muito verdade. É só olhar os combates. Que armas que os rebeldes têm? São armas leves. Fuzil e pistola você consegue facilmente em qualquer lugar do mundo. E acredito também que Israel e EUA também são muito precavidos. Quer dizer, são contra o Bashar, mas vai saber quem é que vai chegar no poder com essas armas? Vide o caso do Afeganistão e o que aconteceu com os Estados Unidos.
Agora, em termos de regime político, o regime da Síria acabou. Vamos supor que, militarmente, não consigam derrubar o Assad. Mas como alguém vai conseguir dirigir um país do jeito que hoje está a Síria? Com aquele número de mortos e a destruição, fica cada vez mais difícil. É realmente um impasse.
Vermelho: Na última semana Obama chegou a falar na possibilidade de conflito militar na Síria.
Nasser: É coisa eleitoral, porque a direita critica Obama por inação. Dizem que as pessoas estão morrendo, que o governo não faz nada, que é fraco. Numa situação dessas, ele dá essas declarações, mas é muito difícil que aconteça. A garantia contra uma intervenção externa é a Rússia, que faz questão de obliterar qualquer ação como a que aconteceu na Líbia. Ali é muito improvável que aquilo ocorra, quase impossível. No caso da Líbia, Rússia e China se abstiveram, não concordavam, mas não iam às últimas consequências para apoiar. Era custoso ir contra e vetar [uma ação militar]. No caso da Síria, é o veto. Já deixaram claro.
E há os problemas que isso acarretaria internamente. É uma situação muito delicada, não é como a Líbia, que tinha quase 70% de deserto e o conflito estava em quatro ou cinco cidades, na faixa litorânea. A guerra poderia se alastrar para o Líbano, a Palestina, e assim por diante.