Espetáculo mexicano aborda imigração para os EUA
"Eu olho para o Norte. Mas o Norte não olha para mim", diz um dos personagens do espetáculo mexicano Amarillo. Título dos mais aguardados desta 2.ª edição do Mirada – Festival Ibero-Americano de Artes Cênicas de Santos, Amarillo esquadrinha uma das feridas abertas do seu país: a migração em massa para os EUA.
Publicado 13/09/2012 16:42

O tema, pode-se argumentar, já foi mais do que repisado. Explorado em outras peças teatrais, filmes, livros, até em telenovelas. Porém, o que a companhia Teatro Línea de Sombra consegue captar não se assemelha a nenhuma dessas leituras.
Com bela e inventiva encenação assinada pelo diretor Jorge A. Vargas, o texto de Gabriel Contreras parte do personagem interpretado pelo potente ator Raúl Mendoza, que congrega em si todos os migrantes, em um jogo teatral já estabelecido logo no começo. Ele não é apenas um. É a soma de todos.
Amarillo é o nome da cidade do Texas para onde o imigrante sonha ir, em busca de dinheiro, deixando no México seu grande amor, em uma história tão repetida ao longo dos últimos tempos e que deixa, muitas vezes, cadáveres em seu rastro.
O enredo que poderia esbarrar fácil no clichê, é transformado em pura poesia pelo maduro Teatro Línea de Sombra, que existe desde 1993.
O grupo utiliza-se com propriedade de outras expressões artísticas como a videoarte, a dança contemporânea e as artes plásticas. A areia do deserto ganha lugar no palco enterrando sonhos e despedançando corações.
Com uma narratividade que conquista o espectador a cada imagem desenhada durante os 90 minutos da encenação, seja no palco ou na tela projetada ao fundo – uma extensão do tablado – o espetáculo comove sem precisar ser piegas.
O restante do elenco, Alicia Laguna, Antígona Gonzáles, María Luna e Vianey Salinas, contribui na primeira parte do espetáculo para que a história do personagem representado por Raúl seja contada da melhor forma possível, enquanto o ator Jesús Cuevas canta ao vivo e em voz gutural as músicas melancólicas e cheias de angústia compostas por Jorge Verdín e Clorofila.
Na virada do espetáculo, quando as atrizes deixam o posto de meras assistentes técnicas para ganharem presença cênica carregada de poesia, surge o outro lado da imigração: aquele que ficou, sem notícias, representado pelas mulheres deixadas pelos maridos que atravessaram a fronteira. Cheio de vigor, o elenco feminino ganha espaço, e Antígona González impressiona quando ao dar seu texto. É graciosa, forte e carismática.
O teatro contemporâneo muitas vezes se utiliza de elementos tecnológicos sem muita consciência. Gerando, muitas vezes, a sensação de que os recursos multimídias estão ali apenas por estar. Isso não acontece na montagem.
Em Amarillo, além do vertiginoso trabalho feito pelo elenco, cada efeito é justificado e contribui à história contada da forma mais inventiva possível, gerando um espetáculo de qualidade artística incomensurável.
No México, do mesmo modo como podemos observar no Brasil e em tantos pontos da América Latina, o teatro político tem ganhado novas feições. Saíram de cena os discursos pedagógicos. Entraram outras aproximações conceituais do real, que recusam a sua simples representação. "Escreve-se muito sobre violência. Mas a violência evidente está nos jornais, na TV. Tudo já se transformou em espetáculo, foi teatralizado. A morte foi espetacularizada. Como pode, então, a ficção competir com isso?", questiona Vargas.
Na sua visão, resta ao teatro fazer o caminho inverso. E inventar outras maneiras de falar sobre a realidade. "Sobretudo, porque há violências que não se veem, impregnadas ao sistema. A violência das organizações criminosas, que cercam hoje a questão da migração, não é senão uma perversão do sistema."
Com R7 e Estadão