Joanne Mota: "Década Inclusiva", o que falta para avançarmos?
Historicamente, a desigualdade no Brasil sempre esteve entre as mais altas do mundo, estatística que se encontra em um cenário muito diferente no momento. Com o objetivo de diminuir a distância dos mais ricos entre os mais pobres, há dez anos o Estado brasileiro tentou aplicar uma receita na qual o desenvolvimento não poderia perder de vista a inclusão social.
Joanne Mota, no Portal Vermelho
Publicado 22/05/2013 09:13
É importante dizer que ao olhar para o modelo de desenvolvimento econômico adotado no Brasil na segunda metade do século XX seguiu uma lógica mimetista com foco no modelo de desenvolvimento das nações ditas de primeiro mundo, baseadas no consumo individual. Tal postura renunciaria a qualquer desejo de encabeçar o processos de transformação no Brasil.
Nesse sentido, os valores capitalistas fomentariam uma ideia de concorrência e liberdade de escolha, ambas apartadas das tradições, focadas no interesse material e em relações de concorrência. Assim, ao longo do século anterior, as dinâmicas econômicas e sociais se apoiariam continuamente, por um lado, na concorrência desregulada entre os trabalhadores, e, por outro, na monopolização das oportunidades de vida para àquelas que estavam no topo da cadeia social.
Resumidamente, as décadas finais do século XX criaram a base necessária para o aprofundamento de uma sociedade já fortemente desigual, na qual os setores abastados deteriam o poder econômico e político. Uma sociedade implacável, baseada em um consumismo exacerbado e no sufocamento do individuo, especialmente os que naquele momento compunham a base da pirâmide.
Um capítulo diferente, mas com grandes desafios
Recente estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) aponta que a última década do século XX corroborou com essa ideia, quando não aprofundou assimetrias antigas. No entanto, a partir de 2001 os indicadores começaram a mudar, apontando um horizonte diferente do até então visto.
Publicada em setembro de 2012, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad), compilada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), e divulgada através do comunicado intitulado "A Década Inclusiva", apontam que a desigualdade de renda no Brasil atingiu em 2011 o menor patamar desde a década de 1960.
De acordo com o relatório, a pesquisa reflete como um espelho o nível e as mudanças das diferenças de renda entre países do mundo, em particular reflete também a queda observada da última década. No entanto, a desigualdade interna dos países segue movimento inverso, sobe antes e depois da crise dos países desenvolvidos, assim como no boom da China e da Índia, como fez aqui nos anos 1960.
De acordo com o Ipea, diferentemente da década passada, desde o fim da recessão de 2003, a economia brasileira cresceu em todos os anos, compondo uma taxa acumulada de 40,7% até 2011. O estudo também explicou que em dois terços dos países do globo a desigualdade aumentou, a exceção são os países da América Latina que tem apresentado uma tendência de queda generalizada no período na última década.
No que se refere a participação do Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) – excetuando o Brasil -, a desigualdade encontou patamares mais baixos, mas mesmo subiu consideralmente entre 2000 e 2007. O crescimento da renda dos 20% mais ricos no Brasil foi inferior ao de todos os Brics, enquanto o crescimento de renda dos 20% mais pobres supera o de todos os demais, com exceção da China.
Para exemplificar as mudanças encontradas, o estudo demonstrou a curva decrescente trilhada pelo coeficiente de Gini – indicador que é referência na medição da distribuição de renda -, que, em 2011, alcançou 0.527 patamar semelhante ao observado na década de 1960.
Para o Instituto, a inédita redução da desigualdade observada na década passada pode ser decomposta pelas diversas fontes de renda captadas pela Pnad e retrabalhadas da seguinte forma: Trabalho (58%), Previdência (19%), Bolsa Família (13%), Benefício de Prestação Continuada (BPC) (24%) e Outras Rendas (6%) como aluguéis e juros. O estudo do Ipea concluiu que a redução da desigualdade se deveu ao efeito da expansão da renda do trabalho, o que confere sustentabilidade ao processo redistributivo assumido. Além disso, o Instituto reconheceu que sem as políticas redistributivas patrocinadas pelo Estado, a desigualdade teria caído 36% menos na década.
Outra questão apontada pela pesquisa, é que o aumento do nível de emprego formal e do rendimento real tornam esse movimento mais sustentável no longo prazo. De acordo com dados disponíveis até agosto, o Ipea calcula que o coeficiente de Gini caiu mais 1,6% em 2012, em função tanto do aumento da renda quanto da população ocupada.
A pesquisa também refletiu sobre a necessidade de se melhorar as atuais medidas de desempenho econômico que se centram no Produto Interno Bruto (PIB). Em particular, enfatizar a perspectiva da renda e consumo do domicílio para melhor aferir padrões materiais de vida médios.
Para os pesquisadores medidas de renda, consumo e riqueza devem estar acompanhadas por indicadores que reflitam sua distribuição. No período 2003 a 2009 o crescimento da renda real per capita da PNAD dos 10% mais pobres foi de 69%, caindo monotonicamente à medida que nos aproximamos, décimo a décimo, dos 10% mais ricos, quando atingiu 12,6%. O pequeno recorte apresentado mostra apenas um décimo do que a pesquisa esquadrinhou, mas já sinaliza que uma pequena mudança de gestão pode causar resultados infinitos e com reais impactos sociais.
O próprio estudo apontou que “não há na história do país, estatisticamente documentada desde 1960, nada similar à redução da desigualdade de renda observada desde 2001. Se a década de 1990 foi a da estabilização da economia, a de 2000 foi a da redução de desigualdade de renda” .
E a nova década? Se for a década do fomento ao protagonismo social, novas portas de entrada à cidadania e aos mercados podem ser abertas através da políticas sociais? Essa resposta ainda não está clara e mesmo com números tão otimistas, os pesquisadores desconfiam desta receita para estruturar um desenvolvimento de longo prazo com foco em um projeto de nação.
A segunda década deste século parece ser a de múltiplos caminhos em direção à superação da pobreza, o que para o Brasil seria um grande passo em sua história. Porém, esse caminho impulsionado pela inclusão através do consumo, pelo acesso a hábitos até então praticados por uma pequena parcela da sociedade, seria a melhor receita para a construção de um novo modelo de desenvolvimento que rompa com o mimetismo do século anterior?
Tanto os dados da pesquisa do Ipea, como a atual conjuntura de crise, deixam claro que a presença do Estado associada a um projeto de políticas foram essenciais para os avanços alcançados. No entanto, a partir de agora, tais políticas precisam ser pensadas como políticas de Estado, de forma a não sofrerem influência nem dos governos em exercício e nem dos setores econômicos. Para Furtado (1974), o modelo de desenvolvimento de nação deve estar atrelado diretamente ao protagonismo, não do mercado, mas sim da sociedade, dos trabalhadores, estes que fazem a roda da riqueza girar.
Referências
A DÉCADA INCLUSIVA (2001-2011): Desigualdade, Pobreza e Políticas Sociais’. Disponível em: http://alturl.com/a76tg. Acessado em: 05.03.2013.
FURTADO, Celso. O mito do desenvolvimento econômico. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1974.