Jovem assentada é aprovada em duas universidades federais

As lágrimas de Ana Carolina Félix de Oliveira, 17 anos, do Assentamento São José do Ferreirinho, no município da Cidade de Goiás, são de sonhos realizados. Há um ano, quando participou da 1ª Oficina de Audiovisual oferecida pelo Incra e pela Secretaria Estadual de Cultura (Secult) durante o Festival Internacional de Cinema e Vídeo Ambiental (Fica), a garota revelou o desejo de ser atriz. Conseguiu, em parte, ao ser escolhida protagonista do documentário feito pelos alunos da oficina.

Mas a adolescente, na época estudante do ensino médio, esboçou outras vontades, como a de estudar e se formar em curso superior. Em março deste ano, veio a tão esperada notícia. Ela conseguiu o que muitos alunos de capitais e cidades maiores do que a de Goiás têm dificuldade. De uma só vez, foi aprovada para Engenharia Civil, na Universidade Federal de Goiás (UFG) – curso oferecido na cidade Catalão, no sul do Estado -, e Agronomia, na Universidade Federal de Alagoas (UFAL), em Maceió.

Ana Carolina relata que nem acreditou quando soube do resultado, que custou noites e noites em claro e tardes inteiras em bibliotecas públicas, além das pesquisas em livros usados e emprestados pelos professores da Escola Estadual Alcides Jubé. "Fiz vestibular utilizando as cotas de alunos de escolas públicas. Mesmo assim, não foi nada fácil porque concorri com 15 estudantes por uma vaga e muitos, como eu sabia, fizeram cursinho pré-vestibular, coisa que eu não pude pagar", relembra.

Depois da boa notícia, veio a dúvida: cursar Engenharia Civil ou Agronomia? Para tomar essa decisão, a adolescente agricultora analisou os custos de estudar fora do estado de Goiás, contabilizou a menor distância que a separaria da família e estudou o mercado de trabalho. A escolha foi entrar para Engenharia Civil. Na verdade, Ana Carolina reconhece que o curso pelo qual optou têm raízes em lembranças e necessidades do passado.

Recordações

Ana Carolina nasceu numa fazenda nas proximidades da Cidade de Goiás. O pai, que até hoje não concluiu o ensino fundamental, cuidava dos animais e da plantação nas terras do patrão. A mãe era responsável pelos afazeres da sede da fazenda, e Ana Carolina, à medida que crescia, ajudava no que podia, fosse na roça ou nos deveres domésticos.

Em busca do sonho de ter a própria terra, o pai, a mãe e as duas filhas se mudaram para acampamentos de trabalhadores rurais. A futura universitária tinha apenas cinco anos quando, bruscamente, viu a vida tranquila do campo mudar para um cenário movimentado, que exigia mobilização, muitas incertezas e várias mudanças de endereço.

"A gente não tinha casa convencional, de alvenaria, como gostaríamos. A rodovia, toda estragada e perigosa, era nossa paisagem diária e a vizinha mais próxima”, descreve. Foram quatro acampamentos até que a família conseguisse, há seis anos, tornar-se beneficiária da Política Nacional de Reforma Agrária (PNRA).

Sem casa, água ou estrada

Ao entrar para a terra, no São José do Ferreirinho, Ana Carolina disse ter visto a realidade do improviso se repetir, pois faltavam casas, água encanada e estradas. Segundo ela, sua ligação com a Engenharia Civil parece ter nascido ali. "Pensei que aquilo seria provisório, que iríamos melhorar. Pensei também que eu podia e queria estudar para não viver a vida que tiveram meus pais. E esse estudo deveria ser algo que pudesse melhorar a minha realidade e a de outras pessoas do campo", explica.

Para a estudante, os caminhos da Engenharia Civil, que ela cursa há pouco mais de três meses, ainda estão sendo desvendados. Ela já se informou que poderá se aprofundar em áreas como hidráulica, estruturas, saneamento, construção civil e mobilidade – que projeta e repara estradas.

Até que chegue nesta fase, Ana Carolina sabe que terá que vencer obstáculos, como o de se manter financeiramente em Catalão. O dinheiro que a sustenta na cidade vem do leite retirado na parcela dos pais, mas esses custos tendem a avançar com a progressão do curso. "Pago hoje R$ 300,00 reais por um quarto alugado na casa de uma senhora, incluindo água e energia, mas sem alimentação. Me inscrevi para conseguir uma bolsa moradia na universidade e penso positivamente que tudo dará certo", diz.

Fonte: Portal do Incra