Jorge Messias: O Caos e o "efeito borboleta"

"Era uma vez uma menina da cidade que foi passear ao campo. Encantada, olhava as flores à sua volta quando, nos ares, surgiu uma borboleta. A olhá-la, a menina tudo esqueceu, até mesmo a bola com que até então brincara. Soltou-a das mãos e a bola rolou no sentido da estrada que ficava próximo." Artigo de Jorge Messias no jornal Avante!, do Partido Comunista Português.

"Era uma vez uma menina da cidade que foi passear ao campo. Encantada, olhava as flores à sua volta quando, nos ares, surgiu uma borboleta. A olhá-la, a menina tudo esqueceu, até mesmo a bola com que até então brincara. Soltou-a das mãos e a bola rolou no sentido da estrada que ficava próximo. Circulava então por ali um grande camião carregado de sal. Temendo atropelar a garota, o motorista travou a fundo e o veículo voltou-se incendiou-se. O sal derreteu-se com o calor do fogo e evaporou-se na atmosfera sob a forma de pequenas partículas de cloreto de sódio. Formaram-se espessas nuvens, a temperatura desceu, e ao fim de algum tempo começou a chover torrencialmente. Um rio que passava perto transbordou e as sua águas inundaram uma central atômica que fornecia energia elétrica àquela região. Deu-se então uma enorme explosão e toda a pequena cidade foi destruída !…" (Edward Lorenz, "Antropologia e Cultura Brasileira").

"Caos, pode corresponder a um novo e radical caminho para modelos científicos pré-definidos através de fatores especulativos… As Ciências Sociais são ideologias que reflectem e afectam as sociedades que as produzem… A Desordem é um estado comum da Natureza… A Organização é somente uma exceção e, apenas, um momento interno do Estado da Desordem …" (George Zarur Sorto, "Universidade Arendo Morunhi").

Por entre o ninho de contradições em que vivemos, surgem histórias infantis que ajudam a ver mais claro os traços do mundo real. É o caso do efeito borboleta que o nosso conto ilustra: o bater de asas de uma borboleta pode vir a causar destruição a centenas ou milhares de quilômetros de distância…

Tudo depende do encadeado de fatores, da forma como o lermos e da nossa determinação em gerir os acontecimentos. Nesta metáfora de Lorenz, a menina brincou com a bola e a bola fugiu para a estrada; o camião tombou e incendiou-se; e admite-se que a carga que ardeu fosse volátil, como o sal. Depois, vem toda uma infeliz sucessão de fatos que termina em tragédia.

Porém, está ao nosso alcance mudar a narrativa. Por exemplo: se a bola não existisse, já o condutor não freiava fundo; se a carga do camião fosse algodão, não se produziriam mudanças atmosféricas e a explosão final jamais se registraria.

Assim, toda a realidade tornada como ficção obedece ao potencial especulativo do homem. Basta alterar-se um elo inicial da cadeia lógica e a história muda ou não muda, de acordo com as nossas conveniências. Tudo deixa de fazer sentido ou toma um sentido totalmente diferente. É assim a prática neoliberal.

Como é óbvio, esta teoria foi recebida de braços abertos pelos arautos de um neoliberalismo em fase de afirmação. Confirmar-se-ia, tal como o proclamam os iluminados, que a realidade pode moldar-se à justa medida dos nossos interesses particulares. O mundo é dos fortes e só os ricos ditam o destino dos pobres.

Fala-se muito, agora, dessa profunda afronta à moral pública que são os swaps ou os mercados do futuro. É uma ruptura com as práticas do silêncio e da submissão digna de todos os aplausos. Mas é fundamental que penetremos até ao coração da questão e façamos explodir o sistema do crime organizado.

A mentira sistemática, o saque e a especulação ou a centralização dos capitais, não residem apenas nos swaps mas são a quinta essência de todo o sistema neoliberal que envolve a globalização, o descrédito da luta de classes, o imperialismo do capital e a vitória bem caracterizada e definitiva da escravização do homem.

Há um processo em curso que repete o de há duas ou três gerações atrás: primeiro veio a guerra e a formação de fortunas milionárias, à custa das mortandades, da miséria, da escravização e do desemprego; depois, foi o saque e a centralização dos capitais, o trabalho escravo e a bancarrota das classes médias; finalmente, os chamados ideais do Estado Liberal converteram-se ao elitismo fascista, produziram o caos, aprofundaram as injustiças e devolveram as conquistas universais ao algozes históricos da justiça e do progresso humano: a tirania do poder absoluto, os monopólios político-financeiros, as redes bancárias unificadas e o obscurantismo e o fascismo das hierarquias religiosas.

Tudo isto, afinal, aconteceu ontem e é como se de hoje se tratasse …

Fonte: Avante!