“Vamos sentir piedade, senhor, piedade, desta gente careta e covarde”
O artigo intitulado “Vamos sentir piedade, senhor, piedade, desta gente careta e covarde” foi escrito pelo presidente do PCdoB de Goiânia, Bruno Pena*, e publicado originalmente no jornal Diário da Manhã na última quarta-feira (5). Confira a íntegra abaixo:
Publicado 07/11/2014 15:18 | Editado 04/03/2020 16:43

Com a reeleição da presidenta Dilma Rousseff, veio à tona uma saraivada de críticas e ataques ao povo nordestino, aos nortistas, aos mais humildes e ainda os beneficiários dos programas sociais do governo. Alguns adeptos da cultura do preconceito e do desprezo chegaram a propor a separação do Norte com o Sul, acusando suas populações de ignorantes, burros e outros adjetivos não menos pejorativos, e se colocando como "superiores" a eles. Essas pessoas prenhes de ódio, preconceito e desprezo atribuíram a compatriotas a "culpa" pela derrota do elitismo brasileiro, que depositou todas as suas esperanças no tucano Aécio Neves.
De fato a presidente Dilma abriu uma frente de mais de 10 milhões de votos no Nordeste e pouco mais de um milhão no Norte, o que é natural e esperado posto que essas duas regiões do Brasil foram ignoradas por anos a fio. Segundo o raciocínio desses ditos separatistas, São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais (os três maiores colégios eleitorais do Brasil e repleto de pessoas ricas e "esclarecidas", segundo eles) devia ter equilibrado o jogo, abrindo ampla frente para o candidato Aécio Neves. Contudo, isso não aconteceu. Dos quatro Estados da Região Sudeste, Dilma venceu em dois: Minas Gerais (Estado governado por duas vezes por Aécio Neves e o segundo maior colégio eleitoral do País) e no Rio de Janeiro (terceiro maior colégio eleitoral, onde Aécio já morou e é visto com frequência). O único Estado onde o candidato tucano conseguiu abrir uma expressiva diferença foi no Estado de São Paulo, contudo, pouco mais da metade da frente aberta por Dilma no Nordeste.
Isso mesmo, a maioria dos eleitores do Estado de São Paulo mesmo sem água, até para um banho rápido, ainda assim, reelegeu, no primeiro turno, o seu governador (Geraldo Alckmin – PSDB) por mais quatro anos e votou maciçamente em Aécio Neves, também do PSDB, e ninguém os atacou ou classificou de burros e ou ignorantes. Muito menos com relação aos eleitores goianos, que bradavam votar em Aécio em nome da renovação e para acabar com ditadura petista que caminhava para 16 anos de governo, ao mesmo tempo que votavam pela quarta reeleição do tucano Marconi Perillo.
Em um País que já teve voto censitário (concessão do direito do voto apenas àqueles cidadãos que atendessem a certos critérios e que comprovassem condição econômica satisfatória); a política do "café com leite" (em que poder político do Brasil revezava-se entre as oligarquias cafeeiras de São Paulo e as oligarquias leiteiras de Minas Gerais); a Lei do Boi (durante muitos anos os administradores das universidades públicas destinaram aos filhos de latifundiários 50% das vagas reservadas pela Lei do Boi nos cursos de Agronomia e Veterinária), e outros privilégios, o elitismo não haveria de aceitar de braços cruzados não ter mais o poder de influência e decisão que já tiveram no passado. O que o elitismo brasileiro temeu por mais de 500 anos, e chegou a dar um golpe militar e implantar uma ditadura para evitar, começou a tornar-se realidade no momento em que o primeiro operário da história do Brasil chegou ao Palácio do Planalto, e ao sair foi substituído pela primeira mulher a chegar à Presidência da República.
Esses diletos membros do elitismo brasileiro, e digo elitismo e não elite, porque parte considerável dos adeptos deste "movimento" não constituem parte da elite, mas defendem com unhas e dentes os seus privilégios, pelo medo de que sejam abolidos antes de que eles cheguem lá, consideram o Programa Bolsa Família (chamado de "Bolsa Esmola") como o pivô da derrota de Aécio Neves.
Em julho desse ano, em relatório do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), divulgado pelo Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas (PNUD), foi considerado exemplo para os países que querem evitar retrocessos em seus indicadores sociais. E até mesmo o Bill Gates (um dos homens mais ricos e bem-sucedidos do Mundo) em um artigo publicado no Facebook, elogiou o Bolsa Família e a redução da pobreza no Brasil, e compartilhou em conjunto a matéria do professor de Economia da Universidade de Otago, na Nova Zelândia, Berk Özler, que destaca o Bolsa Família como importante instrumento de redução da miséria.
Este eficaz programa de erradicação da pobreza que tem trazido dignidade a milhões de brasileiros e brasileiras, proporcionando frequência de seus filhos na escola e a vacinação em dia, além de dar a opção de recusar empregos degradantes, tem um custo orçamentário relativamente baixo para a dimensão do impacto social. O programa custa em torno de 0,3% do Produto Interno Bruto (PIB) – soma de todas as riquezas produzidas no País) e atinge de 20% a 25% da redução da desigualdade. E ainda há quem diga que com a reeleição de Dilma terá que trabalhar dobrado para sustentar os "desocupados do Bolsa Família".
O elitismo brasileiro convenientemente ignora que o Bolsa Família, aliado a uma redução histórica do desemprego; junto com o "Minha Casa, Minha Vida", que retirou milhões de pessoas do aluguel; ao Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec); a criação das 14 novas universidades federais durante o governo Lula e mais quatro já no governo Dilma; a expansão dos campi universitários criando mais 17 novos campi; o grande aumento no número de vagas oferecidas pelas universidades federais com o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni), que tem como principal objetivo ampliar o acesso e a permanência na educação superior; o Programa Universidade para Todos (Prouni) que abriu cerca de 191 mil novas vagas no ensino superior privado para estudantes carentes; o espantoso crescimento dos Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia (IF's), especialmente em Goiás; e o Ciências sem Fronteiras que tem promovido a consolidação, expansão e internacionalização da ciência e tecnologia, da inovação e da competitividade brasileira por meio do intercâmbio e da mobilidade internacional; tem estabelecido as bases do desenvolvimento do povo brasileiro, que será acelerado com os recursos do pré-sal.
Nessas eleições, mesmo com poderosos grupos econômicos, mesmo com quase todos os partidos de oposição se juntando, no segundo turno, sob a batuta do PSDB, alguns, que até se consideravam de esquerda e pregavam uma tal de "nova política; mesmo com o apoio de gigantes da mídia e do decadente tabloide da Editora Abril, que atacaram o quanto puderam a candidata Dilma Rousseff, o elitismo brasileiro foi derrotado pelo povo, que manifestou nas urnas sua resposta à cultura do desprezo e do preconceito.
O elitismo brasileiro precisa aceitar sua derrota e se curvar diante do resultado das urnas. Da minha parte, ao Norte e Nordeste do nosso País eu só tenho a agradecer e aos membros do elitismo brasileiro, como disse o eterno Cazuza: "Vamos sentir piedade, senhor piedade, desta gente careta e covarde!"
*Bruno Pena é advogado, presidente do Comitê Municipal de Goiânia do Partido Comunista do Brasil/PCdoB-Goiânia