O pântano
O General Wesley Clark tornou-se famoso como comandante supremo da Otan na sua guerra contra a Iugoslávia. Reavivou a fama em 2007, quando em entrevista ao programa Democracy Now da Rádio Pública Nacional dos EUA revelou que, poucos dias após os atentados de 11 de setembro, já estava tomada a decisão de que “iríamos limpar sete países em cinco anos, começando pelo Iraque, depois a Síria, o Líbano, a Líbia, a Somália, o Sudão e para terminar o Irã”.
Por Jorge Cadima, no Jornal Avante
Publicado 06/03/2015 17:11

Agora, Clark informa-nos sobre as origens do famigerado bando de assassinos que conhecido pela sigla EI. Disse Clark à CNN: “o Estado Islâmico (EI) foi criado através do financiamento dos nossos amigos e aliados, porque como as pessoas da região lhe dirão, 'se queremos alguém que combata até à morte contra o Hezbolá, não se afixam avisos de recrutamento a dizer para se juntarem a nós, a fim de construir um mundo melhor'. Procuram-se os fanáticos e arregimentam-se os fundamentalistas religiosos – é assim que se combate o Hezbolá. É uma espécie de Frankenstein”.
Quando ouvirmos falar dos crimes e atrocidades do EI, lembremo-nos que – nas palavras do general norte-americano – estamos perante um monstro criado pelos “amigos e aliados” dos EUA.
Clark não esclarece quem são os “amigos e aliados” em questão. O vice-presidente dos EUA, Joe Biden, ao discursar perante estudantes da Universidade de Harvard já falara publicamente nos governos turco, saudita e dos Emirados Árabes Unidos. Mas convém lembrar o maior “amigo e aliado” dos EUA na região, Israel, cujo ódio ao Hezbolá é fácil de imaginar.
O Estado sionista (que se considerava invencível) já foi por duas vezes derrotado pela organização da resistência libanesa: em 2000, quando foi obrigado a pôr fim à sua ocupação do Sul do Líbano que datava de 1978; e de novo em 2006, quando Israel lançou nova criminosa guerra de ocupação contra o seu vizinho do Norte.
Já o New York Times titulou que “Interesses convergentes podem levar à cooperação entre Israel e os estados do Golfo”, acrescentando que a colaboração poderia passar pela “cooperação de israelitas e sauditas no treino dos combatentes da oposição síria”. O jornal israelita Haaretz informa que “relatórios dos observadores da ONU no[s Montes] Golã, entregues aos 15 membros do Conselho de Segurança, pormenorizam os contatos regulares de oficiais da IDF [Forças Armadas israelitas] e figuras da oposição síria armada, junto à fronteira”. E o canal televisivo de notícias israelita, i24news, acrescenta que em resposta a denúncias de que as forças armadas de Israel prestam socorro médico a todos os grupos armados da oposição síria “incluindo a Frente al-Nusra e o EI”, o gabinete de imprensa militar israelita confirmou: “nos últimos dois anos, as IDF têm prestado auxílio humanitário e salvado vidas de sírios feridos, independentemente da sua identidade”. Para quem chacinou centenas de crianças em Gaza, é comovente este 'humanismo'.
Mas Clark e Biden são falsos ingénuos. O problema não são apenas os “amigos e aliados”. Já em 20 de setembreo de 2014, o New York Times dizia “No Iraque há profundas suspeitas de que a CIA e o Estado Islâmico estão unidos”. E segundo a agência noticiosa iraniana FNA, “o exército iraquiano derrubou dois aviões britânicos que transportavam armas para o EI”, informação confirmada pela Comissão de Segurança Nacional e Defesa do Parlamento iraquiano.
O presidente da comissão disse que “o governo de Bagdade recebe relatórios diários de pessoas e forças de segurança na província de al-Anbar, sobre numerosos voos de aviões da coligação chefiada pelos EUA que lançam armas e mantimentos nas zonas sob controle dos terroristas”. O pântano criado pelas ambições hegemônicas do imperialismo está para além de qualquer imaginação doentia. Falta saber quem nele se irá afundar.