1982: Bella Ciao

Calixto de Inhamuns foi um dos responsáveis pela realização, em 1982, do magnífico Bella Ciao, um espetáculo teatral que conta a odisseia dos trabalhadores brasileiros no início do século 20, como parte de um projeto para entender o ressurgimento da luta dos trabalhadores no ABC paulista em 1978.

Cena da peça Bella Ciau - Divulgação

O texto que Prosa Poesia & Arte publica a seguir é um relato feito por ele sobre Bella Ciao. Vale a pena ler: é o relato da aventura de produzir um teatro que tem, em seu centro, como tema, a história da luta dos trabalhadores brasileiros.

Leia na íntegra:

A crítica de Ulisses Cruz, no Diário do Grande ABC, dizia: “A história da formação do movimento político operário, de 1905 a 1945, está sendo contada num imprescindível espetáculo: Bella Ciao, de Luis Alberto de Abreu, em cartaz no Teatro Taib, numa produção do Grupo Arte Viva, sob a direção do minucioso Roberto Vignati.”

O trabalho nasceu através de um projeto do Grupo Mambembe chamado Projeto ABC, de 1978, que tinha como objetivo entender o renascimento no ABC, principalmente em São Bernardo do Campo, do movimento organizado dos trabalhadores onde a liderança, nascida e exercida pelos próprios operários, alguns pertencentes aos movimentos eclesiais da igreja católica, e sem o domínio de um partido ou de uma elite intelectual, era a grande novidade.

Para entender fomos às raízes. Com a ajuda do jornalista Ademir Médici, do Diário do Grande ABC, que tinha entrevistados vários sindicalistas históricos da região, inclusive um da greve na Tecelagem Ipiranguinha, Santo André, em 1906, e de Edgard Carone, um dos maiores historiadores do movimento operário na primeira metade do século 20, fomos, principalmente eu e o Abreu, a campo atrás dos fatos e dos personagens.

Foi uma das mais emocionantes jornadas das nossas vidas. Entrevistamos um operário, com mais de noventa anos, que tinha participado de uma greve anarquista contra o trabalho infantil e a duração extenuante da jornada de trabalho em 1906, cujo filho virou comunista e participou da marcha de Luís Carlos Prestes.

Da greve geral de 1917 que teve início em duas tecelagens do Cotonifício Rodolfo Crespi, no Bairro da Mooca, em São Paulo, que também foi liderada por trabalhadores ligados aos movimentos anarquistas e socialistas, entrevistamos dois.

Uma das mais emocionantes e marcantes entrevistas foi realizada em São Bernardo do Campo, no Jardim Ferrazópolis, com um operário, militante e tarefeiro do Partido Comunista, fundador de vários sindicatos agrícolas pelos interiores do Brasil e um dos fundadores do Sindicato dos Metalúrgicos de Santo André, de onde saiu o Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo.

Ele nos recebeu em sua casa simples mas acolhedora. O tempo passou, a gente perdeu o registro, a memória enfraqueceu, mas tentando lembrar o passado, reavivando a memória pra não viver num presente eterno, foi mais ou menos assim, acrescentando coisas que não existiram pra substituir as esquecidas.

A gente começou a entrevista, a esposa do entrevistado entrou, nos serviu café, saiu ficou em um quarto ligado a sala e, sem a gente perceber, ouvindo a conversa. O operário contando sua saga heroica com tarefas que deram certas, outras que deram errado. Mas quando perguntado e falou que tinha quatro filhos, de repente a mulher, que a gente já tinha até esquecido, entra em lágrimas:

– “Posso falar uma coisa?”
Claro que nós, assustados com a situação, concordamos e ela continuou.

– “Ele fala que tivemos quatro filhos, mas ele tá se esquecendo dos cinco que perdemos… A gente não tinha sossego, vivia fugindo, correndo da polícia… Uns morreram depois de nascerem, outros antes… No último, ele queria mudar, tinha um trabalho em outro lugar, mas eu disse não. Brigamos, xinguei e ele fez o que nunca tinha feito, me deu um tapa. Eu com raiva, com ódio, me encolhi… Senti que meu filho morreu dentro de mim… Quatro dias depois operei pra tirar meu filho morto.”

O filho que traiu o pai, o comunista da história do velho operário da greve de 1906, virou Genarino, filho do Barachetta, personagem central de Bella Ciao. Da esposa do militante comunista saiu Carmela, mulher de Barachetta.

Barachetta é a soma de todos operários que sonharam por um trabalho mais justo e digno e que continuavam sonhando nos tempos das entrevistas.

Da história tecida pelo tempo, Luís Alberto de Abreu foi puxando os fios e construindo os personagens do nosso espetáculo. Quando apresentou o primeiro esboço das primeiras cenas, só a introdução que falava dos anarquistas, tinha sessenta páginas… Impossível!…

Vamos fazer três espetáculos… Um sobre os anarquistas, Bella Ciao, outro sobre os migrantes nordestinos, Cala a Boca Já Morreu, montado pelo Mambembe, e, um terceiro, sobre o Lula e São Bernardo do Campo que nunca foi escrito.

Elenco

Cacá Amaral, Calixto de Inhamuns, Christiane Tricerri, Gabriela Rabelo, Mário César Camargo, Rosaly Grobman, Zécarlos Machado, Rosi Campos (substituiu Gabi a partir da segunda temporada no Rio de Janeiro), Julia Gomes (substituiu Rosaly Grobman que foi ser mamãe), Douglas Salgado (substituiu Zécarlos Machado em alguns espetáculos).

Ficha Técnica

Texto: LuÍs Alberto de Abreu
Direção geral: Roberto Vignati
Cenários e figurinos: Irineu Chamiso Jr.
Direção musical: Solano de Carvalho
Assistente de direção: José Geraldo Rocha
Expressão corporal: Rosa Almeida
Iluminação: Roberto Vignati
Efeitos sonoros e escolhas de músicas: Roberto Vignati
Gravação e playback: Julio Vicente e Banda Sinfônica de S. B. do Campo
Confecção de figurinos: Zíria de Oliveira Rosa
Divulgação: Rosi Campos e Silvia Quinze
Fotografias: Ary Brandi
Montagem e operação de luz: Carlitos
Operação de som: Raquel Lira
Operação de som: Vadinho (substituiu a Raquel Lira)
Gravação da trilha sonora: Flávia Calabi
Cenotécnico: Jorge Ferreira da Silva
Programa: Luiz Fernando Tofanelli
Cartaz e capa do programa: José Rubens Siqueira
Cconfecção de programas: LuÍs Udaquiola Laport
Produção executiva: Calixto de Inhamuns e Luiz Fernando Tofanelli
Administração: Luiz Fernando Tofanelli

Sobre a canção

Surgida entre os trabalhadores italianos na Emilia Romagna e no Veneto, no final do século 19,Bella Ciao – que dá nome à peça – virou uma espécie de hino da esquerda italiana, e depois da esquerda mundial. Foi a canção da resistência italiana durante a Segunda Grande Guerra. Na Grécia de nossos dias foi a canção que animou os protestos contra as imposições da especulação financeira. Há inúmeras versões da canção, mas Prosa, Poesia & Arte traz uma bastante contemporânea, a comemoração dos membros do Syriza depois de vencerem as eleições na Grécia.

Assista ao vídeo: