Tamara Naiz: Sobre tranças e apropriação cultural

Estava eu navegando na internet e me deparei com a foto de uma famosa ostentando um cabelo crespo artificialmente após colocar tranças.

Apropriação cultural

O fato gerou grande polêmica na internet e reacendeu o debate sobre apropriação cultural. Como historiadora, como mulher parda, que as vezes é lida socialmente como branca e as vezes como negra, me senti impelida a contribuir com o debate.

Um breve Histórico

As tranças existem há milênios e foram usadas por diversos povos e culturas ao longo da história. Egípcios e uma grande variedade de etnias africanas, chineses, gregos clássicos,celtas antigos, Europa medieval, nativos americanos, entre outros, faziam uso das tranças. As tranças serviram ao longo do tempo para identificar desde origem e posição social, a fase da vida (idade, estado civil), etnia, religião, moda ou apenas pq mulheres não deveriam mostrar o cabelo em público, etc…

Em África os penteados sempre foram carregados de grande simbologia, essas todas citadas acima e muitas outras, como na religião, como rito de passagem, de transformação, ex: quando o indivíduo ocupa um novo papel na sociedade, passagem chamada de feitura do santo, onde é realizada cerimonia de raspagem dos cabelos, é uma espécie de renascimento, onde a pessoa é “batizada” com um novo nome, inclusive. Então é nítido que o significado social do cabelo era e continua sendo uma riqueza para o/a africano/a e hoje para todos/as os negros/as.Sabemos que após a escravização dos povos africanos o cabelo foi também um instrumento importante de comunicação, com a utilização dos penteados para esconder e disseminar mensagens por todo o mundo, também há estudos que apresentam a utilização das tranças para a alimentação, via a guarda de sementes nos cabelos pelas mulheres escravizadas, que com elas tinham a oportunidade de praticar um pouco de agricultura e suplementar a alimentação das suas famílias. Algumas pessoas têm trazido as redes esse papel das tranças na alimentação. Acho pertinente, mas fiz esse histórico porque me incomoda muito a idéia de buscar a origem de tudo relacionado a cultura negra na escravidão. Acordem, negros não são escravos,foram escravizados e isso é muito diferente. A cultura africana é milenar e está espalhada pelo mundo em grande medida pela escravização dos negros, mas antes disso ela existia,forte e pujante. É é esse passado de beleza, riqueza, resistência cultural e ancestralidade que temos que resgatar…

#ApropriaçãoCultural existe?

Apropriação cultural existe sim! No Brasil as tranças chegaram pelas negras (trazidas a força) e se tornaram famosas, sobretudo as nagôs. Mas pra além da “fama” é preciso saber que a relação da mulher africana com o cabelo é plasmada na memória e ancestralidade. A trança é um penteado fundamental na identidade da menina negra, momento de relação, conversa e ensinamentos entre as gerações de mulheres da família. Que menina negra não lembra dos momentos de tranças e penteados? Alguns divertidos, outros bem doloridos…

 De modo que o cabelo como identidade, cultura e resistência da população negra é importante, porque supera um o aspecto estético e assume um lugar de importância na cultura africana e negra de modo geral.No século passado, quando sociedade ocidental começa a caminhar para “incluir” socialmente os negros ela ao mesmo tempo tenta forçar seu embranquecimento de diversos modos, seja pela proibição e negação da religiosidade e culturas ancestrais, seja pela estética, clareamento da pele, alisamento ou raspagem de cabelo, etc. De modo a bombardear a culttura e autoestima dos negros. A aceitação sempre atada em grande medida ao embranquecimento e negação da identidade negra. Mas mulheres e homens resistiram, aqui no Brasil com sincretismo religioso, rodas de capoeira na mata durante a madrugada, black power, etc…

Quando a cultura negra e a negritude são negadas aos negros, mas elementos importantes seus são adotados pela cultura dominante (branca) isso é apropriação. Não é que brancos não podem usar tranças ou turbantes (até pq a história mostra que seus usos remontam a tempos milenares em distintos povos),é que, quando um branco usa trança ele deve entender que não é apenas um apetrecho, é a representação do empoderamento e da resistência de uma cultura massacrada por séculos. A branca precisa entender que enquanto ela trança o cabelo e é vista como linda a negra tem que alisar o cabelo pra arrumar emprego. Por fim, mais que brancos usando tranças, me incomoda ver o capital branco ganhando dinheiro com a cultura negra, explorando artistas, vendendo cabelo e roupa com estampa étnica, entre outros, enquanto negros são vitimas genocídio, estão majoritariamente desempregados, enchem cadeias e passam necessidade por falta de oportunidades.Povo negro uni-vos! O sistema capitalista é racista e opressor, mas não pode negar que #BlackIsBeautiful.

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