''Crime de rico a lei encobre''

Um episódio de sadismo ocorrido no Rio de Janeiro neste fim de semana colocará à prova, mais uma vez, o […]

Um episódio de sadismo ocorrido no Rio de Janeiro neste fim de semana colocará à prova, mais uma vez, o verso da Internacional que proclama: ''Crime de rico a lei encobre''. Na madrugada deste sábado (23), no bairro de elite da Barra da Tijuca, cinco jovens moradores de condomínios de luxo roubaram e espancaram a doméstica Sirlei Dias Carvalho Pinto, em um ponto de ônibus.



A confiança na impunidade pôs a perder os criminosos. Um motorista de táxi anotou a placa do carro que usavam e denunciou à polícia. Três deles foram parar na 16ª DP, da Barra da Tijuca, onde confessaram o crime ao delegado Carlos Augusto Pinto (os outros dois estão foragidos). Como ''atenuante'', alegaram acreditar que se tratava de uma prostituta. Com graves hematomas no rosto e nos braços, a vítima foi levada para o Hospital Lourenço Jorge, na Barra.



O crime sórdido e quase gratuito  – roubaram a bolsa da vítima, com o celular e R$ 47 – faz lembrar o assassinato do índio Pataxó Galdino Jesus dos Santos, queimado vivo por outra quadrilha de jovens ''de boa família'', dez anos atrás, em Brasília. Os quatro culpados (um quinto não completara 18 anos) foram condenados a 14 anos de prisão, em 2001. No fim de 2004, cumprida a metade da pena, conseguiram a liberdade condicional. Mesmo antes, eram vistos fora da prisão, divertindo-se em bares de Brasília.



No espancamento da Barra da Tijuca ''eles não tinham índio para queimar, agora é prostituta'', desabafou para a imprensa um policial da 16ª DP. Já na delegacia, depois de confessar o  latrocínio (roubo seguido de morte ou de graves lesões corporais da vítima), os espancadores mostravam segurança de que sua condição social os ajudaria. O desfecho do caso Galdino lhes dá razão.



A Constituição assegura que a lei é igual para todos. Mas quando esta é aplicada, constata-se que uns são mais iguais do que outros. O tratamento que a mídia dá aos criminosos das camadas superiores também é diferenciado: não, talvez, indulgente, mas sempre demarcando campos com os criminosos pobres, para quem, afinal, na sua ótica, foi feito o aparato policial-judicial-carcerário.



Mais de um século depois de escrito, o verso da Internacional contitua a ser uma amarga porém certeira descrição da realidade. Com o agravante de que o vértice dourado da pirâmide social prefere, via de regra, agredir, roubar e matar ''dentro da lei'', como costumam ser os crimes bem sucedidos de colarinho branco.



O que mudou, neste século, é que a vigilância e a repulsa da opinião pública são hoje muito maiores. A elas se deveu a condenação dos assassinos de Galdino, ainda que a pena tenha se reduzido ao que foi. Nelas reside a esperança de que, um dia, a Justiça deixe de ser caolha.