Árbitros das Circunstâncias
Acredito que cada época possui o seu momento íntimo, a sua alma. Não há como pronunciar um veredicto sobre um determinado período histórico sem considerar o contexto em que os fatos aconteceram. As simplificações são perigosas e normalmente incorrem em fa
Publicado 21/06/2008 18:12
Julgar, por exemplo, a maturidade teórica e prática dos que se bateram na resistência contra o arbítrio aos olhos de hoje, seria um ato de ingenuidade ou talvez de falsidade ideológica. Porque os tempos mudaram radicalmente e também amadureceram as condições filosóficas dos que persistiram na empreitada por um mundo melhor.
Quando se pretende transformar uma conjuntura determinada em presente contínuo produz-se uma aberração na área da interpretação dos fenômenos sociais. Ortega y Gasset escreveu que os indivíduos são eles e as suas circunstâncias e assim são, igualmente, os calendários dos processos sociais.
Há aqueles que se aferram a uma ética abstrata e se julgam acima dos embates e das contradições políticas, em uma determinada conjuntura específica. Essas pessoas são, em grande maioria, ilustres ausentes dos combates, tanto do cotidiano quanto dos projetos de longo curso. Sequer podem ser incluídos como navegadores costeiros. Alguns são indivíduos sinceros, outros céticos. Vários escondem por trás de suas opiniões de metralhadoras giratórias, objetivos exclusivamente pessoais. Dificilmente mantêm posição coerente, estão sempre alternando atitudes conforme a oportunidade e a comodidade que a ocasião indica. Jamais enfrentam o bom duelo, em maioria ou minoria.
Alguns passam da esquerda para o centro e daí para a direita, com a mesma face, tranqüila e determinada, com que são capazes de percorrer o caminho inverso. Mas os argumentos mudam e são múltiplos.
Permanece apenas a predestinação de jamais entrar em cena e observar de binóculos, em uma torre de marfim, as tormentas da batalha política, o furacão das paixões geradas pelas contradições na sociedade. Esses jamais podem afirmar, “eu sou eu e minhas circunstâncias”.
Como não existem posições acima dos interesses de classes ou de segmentos da sociedade, esses indivíduos dependem da vitória de certos agrupamentos, mas jamais revelam seus verdadeiros campos de interesses.
Desejam ser “árbitros” das circunstâncias. O problema é que precisam combinar com a História essa privilegiada condição. E ela sempre a rejeita.