Crise? Deixa quebrar

Gastando algo como 20% do que tem disponibilizado às empresas, o governo poderia ser muito mais eficiente na prevenção e no combate da crise se colocasse esses recursos diretamente na mão dos trabalhadores através de duas simples medidas: o Fundo de Compe

Montesquieu preconizava que o papel do estado era mediar, conciliar, os interesses antagônicos das classes sociais. Mas o estado nunca cumpriu esse papel. O estado sempre foi e assim será, enquanto existir, um instrumento de dominação da classe dominante, como bem define o marxismo.



A crise atual do capitalismo e a forma de ação dos distintos governos ao redor do mundo não deixam dúvidas quanto a esta assertiva teórica. São bilhões de dólares, euros, reais e demais moedas do mundo despejadas para socorrer banqueiros especuladores, desonerar empresas e reforçar o caixa de capitalistas corruptos e ineficientes, sem que estes generosos benefícios sequer assegurem o emprego dos milhões de trabalhadores mundo afora que são, de fato, as únicas vítimas da crise.



No Brasil, em particular sob o governo Lula, as empresas experimentaram crescimento contínuo no faturamento, acumularam enorme patrimônio e bateram todos os recordes de lucratividade. No primeiro sobressalto elas não hesitam em demitir. Essa é a essência do capitalismo.



Algumas aproveitam a crise para promover ajustes há muito planejado e que as condições políticas não lhes permitiam levar adiante, como fica evidente na declaração do presidente do Sindicato das indústrias elétricas e eletroeletrônicas de Manaus (SINAEES), ao afirmar que “quem demitiu tinha problemas desde antes da crise e agora não tem jeito de segurar emprego”. Outras, simplesmente encontraram na crise o pretexto ideal para mascarar sua incompetência gerencial e, em alguns casos, até mesmo o caráter obsoleto de seu processo produtivo. Há, ainda, aquelas em que a crise simplesmente apressou um colapso anunciado, como é o caso da indústria automobilística na medida em que essa atividade econômica tende a saturação, não apenas por razões ambientais, mas principalmente de logística. Afinal, onde é que se vai colocar tanto carro quando todas as cidades do mundo dão sinais de completo esgotamento viário?



O discurso de ontem de que o estado não deve se meter na economia e sim deixar o mercado cuidar de tudo – tão em moda na era FHC – foi rapidamente esquecido sem qualquer autocrítica. Cobram mais e mais providências do governo central e dos governos estaduais e não se comprometem com qualquer contrapartida. Quando o estado faz investimento em obras públicas e de saneamento, aumenta salário mínimo, cria programas de compensação social para a população de baixa renda e promove reajuste e contratação de servidores públicos, eles esbravejam e taxam o governo de perdulário. Mas, para eles, tudo é pouco. Querem sempre mais.



De onde vêm esses recursos? Do tesouro, do poder público tão desmoralizado pelos arautos do neoliberalismo. O estado “paquiderme” que eles tanto criticaram e desmoralizaram é o grande provedor para sanar a incompetência da “eficiente” iniciativa privada. Eles não têm nenhum pudor. Fazem o que sempre fizeram, mamam nas tetas do “paquiderme”. São os primeiros a chegar. Vorazes, sugam o que podem e querem sempre mais sem qualquer contrapartida, nem mesmo a de manutenção precária do emprego. Esses recursos, todavia, fazem falta para as ações típicas de governo, dentre as quais a segurança pública e o apoio às populações carentes.



O governo do Amazonas estima em 400 milhões a renúncia fiscal adicional que está promovendo para desonerar ainda mais as empresas do Parque Industrial da Zona Franca de Manaus. O governo de São Paulo fala em 4 bilhões de socorro as montadoras de automóvel. A resposta foi demissão em massa, acima dos 10 mil postos de trabalho tanto em Manaus quanto em São Paulo. E o governo federal, depois de várias generosidades, acaba de anunciar mais duas: a redução de juros (antiga reivindicação nacional) e uma linha de crédito de 100 bilhões de reais do BNDES.



As medidas são elogiáveis, mas a mim parece que se destinam ao cliente errado. Ao invés de entregar dinheiro para as empresas o poder público tem que canalizar seus recursos diretamente para os trabalhadores. No caso do Brasil, mesmo que a indústria continue produzindo há insegurança tanto do trabalhador quanto do varejo em realizar transações comerciais pela incerteza e pelo clima de terror deliberadamente criado pela mídia conservadora.
O Brasil, porém, possui um grande mercado consumidor próprio. Sua população economicamente ativa (PEA) é da ordem de 100 milhões de brasileiros (as), o que representa um grande trunfo contra a crise. Mas esse mercado precisa estar ativo. Sem segurança, de ambas as partes, ele não será potencializado e essa enorme vantagem que o Brasil possui em relação à maioria dos países do mundo simplesmente deixará de existir.



Duas medidas simples poderiam contribuir decisivamente para essa segurança. A primeira seria o Fundo de Compensação Salarial, pelo qual o governo bancaria, por um determinado período, parte da folha salarial de empresas que se comprometessem a não demitir e acatar auditoria em sua contabilidade para demonstrar a real necessidade do recurso.



A segunda medida seria o Fundo de Aval, pelo qual o poder público seria o avalista dos chamados prestamistas que estivessem na faixa de renda de, digamos, até 10 salários mínimos. Esses recursos seriam devolvidos ao poder público de acordo com a possibilidade do beneficiário tão logo ele pudesse fazê-lo. Essa medida nós estamos tentando implantar no Amazonas, através da SEPROR (Secretaria de Estado da Produção Rural), para os trabalhadores rurais.



Isso daria confiança e segurança nas transações comerciais, impulsionaria o consumo, a produção, reduziria spreads bancários e juros comerciais por conta da redução do risco e, conseqüentemente, praticamente eliminaria a inadimplência. Como se pode ver essas medidas simples teriam muito mais efeito prático do que os bilhões disponibilizados às empresas, com a vantagem de que o retorno desses recursos aos cofres públicos estaria muito mais seguro. O povo, no fundamental, não dá calote.



Ademais, tudo isso seria viabilizado com um volume de recursos infinitamente inferior ao que os governos estão disponibilizando. Com apenas 10,65 bilhões de reais o governo poderia assegurar 13 salários de 1.260 reais (valor médio segundo IBGE) a cada um dos 650 mil brasileiros que perderam o emprego até o final de dezembro. E qual seria a reação da indústria e do comércio se soubessem que o governo criou um fundo de aval, digamos, de 10 bilhões de reais? Sem dúvidas, de euforia e de intensa atividade produtiva.



Isso resultaria na inclusão, tanto no mercado de trabalho quanto no consumo, da imensa maioria dos 6,8% da população economicamente ativa (PEA) que estava sem emprego em dezembro de 2008, ou seja, algo como 7 milhões de brasileiros(as).



Quanto às sanguessugas de sempre, é melhor deixar quebrar. Afinal eles sempre advogaram a supremacia do mercado. Deixemos o mercado, portanto, seguir o seu “curso natural”. Colocar dinheiro na mão deles é como enxugar gelo. Por mais eficiente que você seja, a tarefa nunca estará concluída.

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