Os tentáculos da santíssima violação de leis e direitos
A semana passada foi repleta de temas polêmicos e angustiantes na esfera política. ''Conversadeira'' de nascença, desejo palpitar em todos. É espacialmente impossível. No aspecto pessoal, estou no olho de uma pororoca.
Publicado 11/03/2009 16:18
Há quase um mês vivo a inusitada situação de cobaia de um Palio Celebration II 2008. Antes de 15 mil km rodados, já passou duas semanas nos estaleiros da Tecar, no último mês. Sábado, dia 7, voltou rebocado, pela terceira vez, dois dias após recebê-lo consertado (?). Aguardo um diagnóstico correto e, o mais importante, que funcione a contento.
A pé, dona de um carro quase zero e já sem garantia de fábrica (completou um ano dia 4!), vivo um tumulto. Como médica, o carro é um dos meus instrumentos de trabalho. Estou, justamente, i-ra-da! Como não paguei por um carro ''bichado'', resta-me a via crucis para fazer valer meus direitos de consumidora, já que ''dar queixa ao bispo'' pode resultar na figura de retórica da excomunhão – sanção simbólica na cultura católica: proibição de receber os sacramentos e de realizar alguns atos eclesiásticos.
Vide o caso da menina de Alagoinha (PE), de 9 anos, violentada pelo padrasto, que engravidou de gêmeos. Correndo risco de vida, teve o duplo direito de interromper a gravidez. Por exercer seus direitos, foi excomungada, juntamente com a mãe, os profissionais de saúde que a atenderam e todas as pessoas que a socorreram em tão dolorosa situação. Ninguém merece os delírios do arcebispo de Recife e Olinda, dom José Cardoso Sobrinho, o excomungador!
Até o presidente Lula rompeu o silêncio com que tem agraciado a sua Igreja: ''Como cristão e como católico, lamento profundamente que um bispo da Igreja Católica tenha um comportamento conservador como este. Não é possível permitir que uma menina estuprada pelo padrasto tenha esse filho, até porque a menina corria risco de vida. Acho que, neste aspecto, a medicina está mais correta do que a Igreja. Eu estou dizendo que a medicina está mais correta que a Igreja, e fez o que tinha que ser feito: salvar a vida de uma menina de 9 anos''. Discurso perfeito!
Compartilho uma ponderação do dr. Roberto Arriada Lorea, juiz de direito em Porto Alegre, meu colega no Conselho Diretor da Comissão de Cidadania e Reprodução (CCR): ''Merece atenção a resposta do arcebispo, quando afirma que a lei de Deus está acima de qualquer lei humana. Numa democracia, a lei de Deus não pode estar acima da lei dos homens, pois é dever do Estado garantir a igual liberdade religiosa de todos os cidadãos, respeitadas a diversidade de crenças e visões de mundo, inclusive daqueles que não creem. A excomunhão, portanto, serve de alerta. Se hoje os cidadãos não precisam temer represálias religiosas quando exercem seus direitos, é porque em 1890 foi decretada a separação Estado-igrejas, garantindo-se a inviolabilidade de consciência e de crença. Antes disso, a pena de excomunhão surtia efeitos no mundo jurídico, podendo vitimar os cidadãos com a chancela do Estado-juiz.
Naquele largo período da história brasileira, fundamentalistas religiosos, como o arcebispo de Recife e Olinda, tinham muito poder, pois pecar era ilegal. Está nas mãos do Congresso Nacional preservar a separação Estado-igrejas, rejeitando a concordata assinada por Lula e Ratzinger em 2008, a qual viola o artigo 19, I, da Constituição Federal, estabelecendo uma aliança com a Igreja Católica, colocando-a acima das demais religiões professadas no Brasil, em detrimento das liberdades individuais''.