Teoria e prática: o cinismo como método político
Só o cinismo e um amplo sentimento de impunidade pela proteção e guarida que a luta de classes propicia aos seus pode explicar a postura que a direita tem adotado nesse país até então: é patrona dos maiores escândalos de corrupção e mesmo assim procura se apresentar como paladino da moralidade. O último a cair foi Demóstenes Torres (PFL/DEM, Goiás), mas não será o único.
Publicado 01/05/2012 19:23
O tão propalado “mensalão”, como todos sabem, é uma invenção do PSDB mineiro, criado sob a batuta do ex-governador, ex-senador e atual deputado federal Eduardo Azeredo (PSDB). A corrupção no Distrito Federal, sob o comando de José Roberto Arruda (PFL/DEM) e seu operador Durval Barbosa, interrompeu prematuramente o mandato do próprio governador Arruda. E o escândalo “Cachoeira” já demonstrou que o ainda senador Demóstenes Torres (PFL/DEM) de Goiás nada mais era do que um operador de luxo do contraventor que empresta o nome a mais esse vergonhoso espetáculo de corrupção, que deixa em situação igualmente embaraçosa o governador goiano Marconi Periilo (PSDB), além de deputados federais do PSDB e do PPS.
Um grupo com esse histórico e prática política seria prudente adotar um comportamento comedido até para, quem sabe, não chamar a atenção. Mas não. Com amplo apoio midiático o grupo nunca se fez de rogado. Adotou sempre uma postura crítica agressiva e, pasmem, invocando o combate à corrupção e a defesa da ética como bandeiras centrais de sua atuação. Por uma questão de justiça é justo ressaltar que nem todos seguiram esse roteiro demagógico. Mas entre os mais destacados protagonistas desse cinismo estava precisamente Demóstenes Torres, que os grampos da policia federal acaba de identificar como um dos principais operadores do contraventor Carlos Cachoeira.
O que explica esse comportamento pouco prudente da direita brasileira?
A direita brasileira governou o Brasil desde sempre, até ter sua desastrosa trajetória interrompida pela eleição e reeleição de Lula e a conseqüente vitória de Dilma Rousseff que, a julgar pelos índices de popularidade medidos nas pesquisas de opinião, não teria maiores dificuldade de se reeleger, completando assim um ciclo de 16 anos ininterruptos.
É tempo demais para a direita suportar e principalmente fazer política sem dispor das máquinas públicas que ela manejou a bel prazer por 500 anos. Mas, diferente da esquerda que se agigantou fora do poder político até conquistá-lo pelo voto popular em 2002, a direita ideológica (PSDB, PPS e PFL/DEM), fora do poder, desidratou. Em 1998 esse bloco elegeu 251 Deputados e Senadores. Em 2003 sua representação tinha sido reduzida para 178 parlamentares. E atualmente conta com apenas 105 Deputados e Senadores, incluindo Demóstenes Torres. E o abalo só não foi ainda maior pelo controle que ela ainda dispõe de quase 1/3 dos governos estaduais (Paraná, São Paulo, Minas Gerais, Goiás, Alagoas, Rio Grande do Norte, Pará e Roraima). Essa retração decorre da inevitável comparação que o povo faz de governos, apesar de todo o bombardeio que uma parcela da mídia despeja na tentativa de dificultar essa análise comparativa. Isso explica, portanto, em parte, o desespero e a política do vale tudo que a direita vinha adotando.
São 3 grandes escândalos. O primeiro, graças ao apoio midiático, ela dividiu e na prática colocou como obra do PT. O segundo ela tentou se livrar entregando o governador Arruda às feras. E agora, no terceiro, o comportamento não foi diferente. Rapidamente procurou se livrar de Demóstenes Torres, o então paparicado e ventríloquo de seus pares de direita – como fez durante uma visita a Manaus na qual reclamou da ausência de seu ex-colega Artur Neto (PSDB) no senado da república. Mas agora não será tão simples. A inteira extensão desse escândalo ainda é uma incógnita e a sociedade espera que a CPMI, recentemente instalada no Congresso Federal, seja capaz de, sem bravatas e retaliações, desnudar o modus operandi dessa quadrilha e, o que seria ideal, criar mecanismos que impeça ou dificulte a proliferação de cínicos e corruptos em todos os segmentos sociais.
O cinismo do senador goiano é de tamanha monta que na sua defesa ao conselho de ética do senado, como amplamente foi difundido pela imprensa, ele não questiona a sua ligação com o contraventor. Não nega o teor das conversas promíscuas nas quais ele envergonha o senado da república por se revelar um despachante de interesses escusos, independente até mesmo de quem seja o patrono desses interesses. Um agente público não pode ser operador privado. Ele não ousa negar nada. E, tudo indica, nem poderia. Sua defesa, como experiente membro do ministério público, é tentar desqualificar as provas materiais – as gravações – sob o argumento de que elas foram obtidas ilegalmente.
Do ponto de vista jurídico talvez isso tenha algum eco, não sei. Mas, do ponto de vista político, isso significa uma explícita confissão de culpa. Que o Congresso aja com a serenidade e o necessário rigor moral é o que todos nós esperamos. E essa esperança reside no fato de que a sociedade espera que se criem mecanismos que impeça, iniba e puna exemplarmente os que se afastarem do compromisso legalmente assumido de zelar pela coisa pública.
Não podemos e não devemos aceitar o “campeonato” proposto na Folha de São Paulo (30.04.2012) por FHC quando ele, ao invés de se juntar ao coro nacional que reclama rigor nas apurações, busca no escapismo subjetivo da comparação, um atenuante a esses desmandos quando afirma que “a corrupção é maior agora do que meu governo” e, revelador de seu “zelo” com a coisa pública, censura a presidenta Dilma pela “faxina” que tem promovido, alertando-a de que o congresso é muito forte. É preciso dizer mais?
Já o governador tucano Marconi Perillo, mesmo matutino, revela que encomendou um levantamento para saber quantos contratos a construtora DELTA, do esquema Cachoeira, tem nas prefeituras do PT e PMDB. Tenta, segundo ele próprio, demonstrar que os “outros” tem mais contratos do que ele. A essência de sua defesa, como se percebe, é que não foi apenas ele que contratou a DELTA. Certamente não foi. Mas não me parece que isso atenue ou agrave alguma coisa, pois imagino que ninguém será condenado apenas por ter contratado a DELTA, afinal se trata de uma empresa formalmente estabelecida. O contrato em si não é o problema, mas sim como e de que forma esse contrato foi efetivado e se há relações promíscuas dos operadores da DELTA com os agentes públicos que deveriam zelar pela coisa pública. Esse é o problema.