A festa de São João na ilha de São Luís é ópera de rua
Um autobrasileiro genuíno, sem similar em Portugal e África
Publicado 04/07/2012 14:20
Parafraseando o saudoso artistamaranhense Joãosinho Trinta, que disse que "Carnaval é ópera de rua",ouso afirmar que o São João na ilha de São Luís é ópera de rua cheia de encantoe magia. Há mais de 20 anos, eu não ia ao Maranhão nas festas juninas. A maiorfelicidade foi ouvir Clarinha dizer: "Quero ver boi, vovó!". E vimosmuitos, cada um mais belo que o outro. É uma mineirinha que virou boieira. Semfalar que a turma dela do maternal dançou o "requebradinho". Em SãoLuís, há um arraial junino completo em cada escola.
É contagiante a alegria dos batalhõesde bumba meu boi e seus inebriantes sotaques – de orquestra, de matraca, dezabumba, de batida costa de mão… Para Américo Pellegrini Filho, folcloristada USP, "é um dos folguedos mais representativos da cultura brasileira,pois reúne traços de três grandes ramos da formação do nosso povo: europeu,indígena e afro-negro".
Dona Lô pontua que "bumba meu boié coisa complexa, não apenas pelo sincretismo e pelas relações de poder quedesvela", e que, no "Auto do Boi de Catirina e Pai Francisco",há mais do que supõe a nossa vã filosofia, pois "boi tem ciência. E écomplexa… É uma ópera popular reveladora do inconformismo e dainsubordinação. É toda uma cultura de resistência, proibida, durante um século,de se apresentar em ‘redutos de brancos’, o centro da cidade, e só chegava atéo areal do ‘Caminho Grande’, hoje bairro do João Paulo".
Melissa Alecrim, em "Bumba MeuBoi é Pura Cintilância", relembra que é uma ópera popular surgida noséculo XVI tipificada como um bailado popular dramático; um auto genuinamentebrasileiro, sem similar em Portugal e África, em que se mesclam teatro, dança,música e circo; o "couro do boi" é ricamente bordado, de brilhoincomum e beleza deslumbrantes, com brincantes de vestes cintilantes: brilhos,sedas, canutilhos, miçangas, paetês, purpurina, plumas, fitas e fitas…
E destaca que brincar boi não é apenasapresentá-lo no São João. Tradicionalmente, o boi passa por um ciclo de vida:ensaios, batismo, apresentações públicas e a morte. Teoricamente, em 30 dejunho, dia de são Marçal, os festejos juninos são encerrados, há 85 anos, com aconcentração de bois de matraca no João Paulo, porém, na semana seguinte há olava-bois no balneário de São José de Ribamar, a 30 km da capital, surgido nosanos de 1950, festança que encerra o ciclo junino maranhense e abre os festejosjulinos!
Há outras danças no São Joãomaranhense, como tambor de crioula, danças portuguesa, francesa, cigana, dococo, lelê, cacuriá e as quadrilhas puxadas em francês impecável, numadiversidade de ritmos e de vestuários que encanta. As bebidas e comidas daépoca e as típicas, como arroz de cuxá e torta de camarão, exibem a orgiaalimentar dos arraiais da ilha…
Para Ney Vilela, mestre em comunicaçãomidiática, em "Festas Juninas: Rituais pagãos", as festas do quartetode santos de junho (santo Antônio, são João, são Pedro e são Marçal) são pagãs,e não cristãs, pois são anteriores ao cristianismo: no confronto do solstíciodo meio do ano, o catolicismo perdeu para o paganismo.
"Os gregos festejavam ossolstícios com bebedeiras homéricas e orgias dionisíacas. Rituais como beber,comer, pular fogueiras e dançar quadrilhas são herdados da sabedoria pagã e dafilosofia grega". Embora sinais de fé cristã, como a elevação do mastro dosanto e até procissões, se façam presentes em algumas regiões, "os rituaisdionisíacos, típicos da cultura pagã, predominam no imaginário social".