Nhá Chica não era pobre, adotou a simplicidade voluntária
O fervor devocional por Nhá Chica faz de Baependi-MG um porto de turismo religioso similar a uma Casa da Moeda. Lá o dinheiro rola, aos montes: de um em um real – preço de um chaveiro com a imagem de Nhá Chica preta, a canecas, xícaras, camisetas, sacolas, panos de pratos, imagens tradicionais da santa, em papel e em gesso pintado, de vários tamanhos e preços.
Publicado 07/08/2013 10:36
Estive lá em 27 e 28 de julho passado, com Silvana Nascimento, perguntadeira de nascença, que indagou a mais de uma centena de pessoas sobre a nova imagem. Para devotos, Nhá Chica é preta e acabou-se! Foi instalada a desobediência religiosa. Disse a dona de um restaurante: “A minha Nhá Chica, e não vou trocar, é pretinha, em sua cadeira e com seu guarda-chuva. Diz que o Papa mandou fazer daquele jeito, quase branca, de pé, de terço de ouro na mão e vestido florido. Não troco minha Nhá Chica pretinha nem por ordem do papa!”
Nas duas missas do domingo, às 09h e às 11h, o Santuário da Imaculada Conceição lotou até à escadaria e o comércio de tudo com a imagem antiga da santa, inclusive na loja do Santuário, que não fecha nem nos horários das missas, é vigoroso. A nova, cópia da de Osni Paiva, é rara. Só a vi em um lugar. O comerciante disse que não é vendável (!).
O legado de Nhá Chica é de fé e muito dinheiro. Doou para patrimônio de Nossa Senhora da Conceição: “casas, terrenos e fontes de água”, sob a guarda da Paróquia de Santa Maria de Baependi, que em 1955 designou as freiras da Congregação das Irmãs Franciscanas do Senhor cuidar do legado, que gera dinheiro para obras sociais. Até para acender vela virtual/ecológica, paga-se – uma moedinha no cofre aciona um sensor que acende a vela – pois as velas de verdade são proibidas! Ah, usar o banheiro é de graça!
Numa retrospectiva da vida de Nhá Chica, ela nunca foi “pobre, pobre, pobre de marré deci”. Optou pela filosofia da vida simples, que não é a penúria imposta pela pobreza. Da chácara, onde viviam numa casa simples, tiravam o sustento. Após a morte da mãe (1818) recebeu do irmão, Theotônio Pereira do Amaral, o escravo Félix, a quem alforriou que morou com ela até morrer, aos 80 anos (1883); com dinheiro próprio e de doações construiu a Igrejinha de “Nhá Chica”, em homenagem à sua Sinhá, a Imaculada Conceição, iniciada em 1865 e inaugurada em 08.12.1887, sob os acordes de um órgão caríssimo, comprado por ela no Rio de Janeiro, levado de trem até Barra do Piraí (RJ) e de lá até Baependi, num carro de boi, uma viagem que durou três semanas!
Herdeira universal do irmão, falecido em 1861, recebeu uma fortuna e a usou para a caridade e cumprir designação do testamento dele de doação de 200$00 réis para dourar o altar mor da Igreja Matriz de Mont Serrat (1862). Nhá Chica ditou um testamento (1º/07/1888). Seu espólio, cujo inventariante foi Monsenhor Marcos Pereira Gomes, vigário de Baependi, foi suficiente para um enterro “nos trinques” de cujas despesas, no valor de 47$000, consta até uma grinalda de porcelana francesa; e distribuiu para o Cônego Custódio de Oliveira Monte Raso, o sacristão Francisco de Paula Mota Júnior e várias irmandades católicas 106$000, totalizando 153$000”, em dinheiro vivo (um conto de réis valia oito gramas de ouro), conforme Passarelli, 2013.
Nhá Chica praticou a simplicidade voluntária e era solidária com os pobres, material e espiritualmente; e socorria com a sua fé a todas as pessoas que a procuravam. Nhá Chica, por seus méritos, é uma santa do povo.