“O Lobo de Wall Street” Façam suas apostas
Cineasta estadunidense Martin Scorsese radiografa Wall Street mostrando como ela se tornou um cassino de manipulação de ações
Publicado 13/02/2014 14:11
Os agentes financeiros substituíram os gladiadores na arena que se tornou Wall Street. Nas arquibancadas, a platéia urra diante do pregão, esperando grandes lucros. Mas tudo não passa de um jogo, onde acumular fichas é parte do risco do negócio. Ou como desmistifica o operador Mark Hanna (Mattew McConaughey): “Ninguém sabe quando uma ação cai ou sobe, é balela´. Não criamos p… nenhuma, não construímos nada”, diz ao estupefato novato Jordan Belfort (Leonardo Di Caprio), enquanto cheira cocaína.
A partir daí, suas frases se tornarão mantras para as estripulias de Belfort: “O nome do jogo é tirar do bolso de seus clientes e colocar no seu”, grita ele a seus operadores, ao criar sua própria corretora. A lição que o espectador aprende nesta aula de economia financeira ao custo do ingresso é que inexistem manuais, o negócio é guiado pela manipulação do cliente, barbitúricos, cocaína e sexo, muito sexo.
Através de Belfort, o cineasta estadunidense Martin Scorsese (1942) estrutura, a partir da biografia homônima do próprio especulador, a radiografia do mercado financeiro dos EUA. E desmistifica os mitos de Wall Street, mostrando sua ferocidade por lucros, ostentação de riqueza e falsas expectativas de ganhos. Belfort não fala em investimentos no setor produtivo, na sustentação do nível de emprego, na distribuição da riqueza, apenas grita: “Não há nobreza na pobreza”.
Crise respinga no planeta
É o espírito do capitalismo financeiro e do neoliberalismo, cuja regra é não ter regra. Este descontrole engendrou a Queda de Wall Street em 2008 e a crise financeira mundial ainda não debelada. Trilhões de dólares foram gastos pelo Estado para salvar o próprio sistema financeiro e a estrutura industrial (e não só eles) ao custo de 215 milhões de desempregados, em 2013, sendo 74,5 milhões de jovens, segundo a OIT (Organização Mundial do Trabalho), e a estagnação econômica do planeta. Numa sucessão de crises estruturais, cada vez mais constantes, sem solução à vista.
Porém, a financeirização de todos os atos da sociedade demarca esta etapa do capitalismo, tendo cada um deles seu valor mercadológico (das riquezas naturais ao lazer, da criação intelectual à produção tecnológica, etc). Portanto não se trata de um fenômeno isolado, mas consequência da estrutura autofágica do próprio sistema em sua fase interdependente. Berfort é apenas um elo desta gigantesca teia criada pelas desregulamentações monetárias de Richard Nixon (1969/1974), ao impor o dólar como moeda de reserva e troca internacional, e de Ronald Reagan (1981/1989) e Margareth Tatcher (1979/1990), ao implantar o neoliberalismo como arma conservadora.
Scorsese vale-se de toda uma simbologia para mostrar como Belfot acumula o dinheiro fácil. Milhões de dólares surgem em maços sobre camas, bancos de automóveis, sofás, malas sem qualquer controle. Quando muito, apregoa Belfort, é doado a partidos políticos, (para bloquear leis contra o controle de capitais), e igrejas (para sanear suas culpas). Ele vive num frenesi orgiático para não sair da cruel ficção que mantém sua ganância.
Imagem nada lisonjeira
No entanto, por mais que Scorsese e seu roteirista Terence Winter tratem da epopéia de Belfort, mostrando a gestação da crise financeira de 2008, seu filme é sobre a máfia. Nele está a família, cercada de amigos, mesclando negócio e amizade (“Os Bons Companheiros”, 1990), o controle feroz do negócio fraudulento (“Cassino”, 1995) e a tentativa de dar aspecto legal às tramóias de Belfort (“O Poderoso Chefão III, este de Coppola,1990), em cenas marcadas por ameaças, violência e contrabando de dólares.
Além disso, Scorsese não foge a referências às comédias malucas. As trapalhadas do quarteto formado pelos sócios de Belfort, Donnie Azoff (Jonah Hill), Robbie Feinberg (Brian Sacca), Nicky Koskoff (J.P.Byrne) e Brad (Jon Bernthal) nada devem aos “Três Patetas”. Mesmo depois de anos de tramóias e milhões de dólares, eles continuam “amadores”. Scorsese usa variados recursos narrativos, com Belfort/Di Caprio pontuando a ação ao falar direto para o espectador, gozando a si mesmo e aos sócios.
A exemplo de outros filmes de Scorsese, as mulheres continuam sendo fachada de “respeitabilidade”. Ficam sempre à margem dos negócios. Naomi (Margot Robbie), ex-modelo, fecha sua loja para criar os filhos de Belfort e ser sua companheira de cocaína e festas. É a nova rica deslumbrada com a riqueza. Só entra em polvorosa, quando a rede de falcatruas do marido chama atenção do FBI. Até tenta ajudá-lo a sair da encrenca, mas é um adorno ao estilo católico-conservador mafioso.
Enfim, “O Lobo de Wall Street” é uma grata contribuição de Scorsese à filmografia sobre a Queda de Wall Street, iniciada por Charles Ferguson, em seu documentário “Trabalho Interno” (2010). Sua visão é de que financistas e especuladores agem como mafiosos ao defender seu nicho a qualquer custo.
“O Lobo de Wall Street” (“The Wolf of Wall Street”). Comédia-dramática. EUA. 2014. 180 minutos. Edição: Telma Schoonmaker. Fotografia: Rodrigo Prieto. Roteiro: Terence Winter, baseado no livro homônimo de Jordan Belfort. Direção: Martin Scorsese. Elenco: Leonardo Di Caprio, Mattew McConaughey, Margot Robbie, Jonah Hill, Jean Dujardin, Kyle Chandler.