O presidencialismo de coalizão, o PMDB e o governo Dilma

O presidencialismo brasileiro tem muitas peculiaridades. É um regime que se caracteriza pelas crises cíclicas. Para o titular do Poder Executivo governar com estabilidade (governabilidade) é preciso fazer/montar maioria parlamentar. Isso se faz basicamente de três modos: 1) compartilhando poder (gestão) com a coalizão, distribuindo cargos; 2) liberando recursos do orçamento, por emendas, convênios ou liberalidade; e 3) fazendo concessões no conteúdo das políticas públicas.

O compartilhamento de gestão, entretanto, há que se observar critérios de capacitação e comprometimento com o programa de governo, sob pena de resvalar para o ‘é dando que se recebe’, resultando no fisiologismo puro e simples, o que é condenável sob todos os pontos de vistas.

Todos os governos da Nova República, pós redemocratização, seguiram mais ou menos essa receita do regime presidencialista de coalizão multipartidária. Uns com mais competência, outros com menos, mas no geral foi assim. Os dois governos que tiveram mais dificuldades foi o de Collor, o breve, e o da presidente Dilma.

Ambos não conseguiram operar politicamente essa característica do presidencialismo brasileiro, pois tiveram (Dilma ainda tem), problemas políticos com o Congresso. Não foi à toa, entre outras razões, que Collor entrou em crise espiral até renunciar ao mandato presidencial em dezembro de 1992.

O presidencialismo de coalizão exige maioria parlamentar estável para a governabilidade (estabilidade política, social e financeira, em que o Poder Executivo pode exercer plenamente as suas atribuições), pois do contrário não terá condições de gerir as crises políticas, que são constantes no regime presidencialista de coalizão multipartidária, e também tocar a gigantesca máquina pública.

Em 2003, o então presidente nacional do PT, o ex-deputado José Genoíno, em brevíssima entrevista, que passou despercebida por todos (não me recordo qual veículo noticiou), disse que o PT não ganhara a eleição para ‘acumular forças para depois romper’ como um partido revolucionário. Ganhara, segundo ele, para melhorar e modernizar as relações capitalistas no País.

Quem disse isto não foi um membro qualquer do PT, mas seu presidente à época. Assim, não dá para cobrar do PT aquilo que não se propôs a fazer — rupturas.

A relação com o PMDB, desde o primeiro mandato de Lula (2003-2006), sempre foi problemática, com idas e vindas. Até que no segundo mandato (2007-2010), o PMDB embarcou por completo na coalizão. Mas, mesmo assim, ainda havia divergências, com setores mais conservadores sempre insatisfeitos manifestando-se todo o tempo contra o governo.

O desembarque do governo na semana passada foi mais um capítulo dessa conturbada relação. E a tentativa de o Planalto recompor sua base nada mais é que a tentativa de sobrevivência política.

A essas alturas da crise política, cobrar do Executivo coerência com programa para a montagem ou recomposição da base parlamentar em outros moldes não dá, pois não é mais possível.

MDB/PMDB

O partido do dr. Ulisses foi a grande locomotiva que acolheu e agrupou todos os setores democráticos contra a ditadura. Terminado o regime de exceção, todos que viajavam naquela locomotiva procuraram seu rumo. O velho MDB (Movimento Democrático Brasileiro) se transformou em PMDB.

Com a redemocratização, a legenda tornou-se o grande partido da Nova República. Mas pelas características ainda de um partido de frente, mesmo elegendo sempre grandes bancadas parlamentares, tanto na Câmara, quanto no Senado, um sem número de deputados estaduais e vereadores e um grande número de governadores, nunca teve força suficiente para eleger o presidente da República. Mas mesmo assim, o partido já teve dois presidentes. O primeiro foi José Sarney, que era vice de Tancredo Neves, do PMDB. E o segundo foi Itamar Franco, que ocupou a vaga de Collor, que renunciou antes de o Senado julgar o seu impeachment, que fora aprovado pela Câmara. O terceiro pode ser Temer. O governismo está na alma do PMDB.

Ocorre que, em cada estado há um PMDB diferente, com um ‘cacique’ a definir seus rumos, conforme as suas conveniências políticas. Daí, em grande medida, decorre o fato de o partido não ter unidade política para alçar voos nacionais.

Por ser um grande partido sempre foi o ‘fiel da balança’ em todos os governos, da Nova República até aqui.

Com o passar do tempo, o velho MDB, com a combatividade que notabilizou os autênticos, foi dando lugar a um tipo de relação que conspurca a política. Com o ‘toma lá dá cá’ assumindo de vez as negociações em torno dos governos de plantão, o partido se notabilizou por ser essencialmente governista. De Sarney para cá, o PMDB fez parte de todos os governos. Ora com mais força, ora com menos, mas sempre se manteve como o ‘fiel da balança’. Isto é, sem o partido na base, a governabilidade estaria comprometida ou fragilizada.

E o partido fez juz a essa dependência para dar estabilidade a quem quer que estivesse no Planalto, mas nunca em bases republicanas. O lance mais recente do PMDB demonstra isto, com robustez e eloquência invulgares.

Numa reunião que durou apenas três minutos, rompeu com o governo apenas porque vê como real a possibilidade de Dilma ser afastada e Temer, o vice, assumir a cadeira presidencial. Qualquer que seja o resultado do processo de impeachment, o outrora discreto Michel Temer, vice-presidente da República e presidente do PMDB, estará marcado para sempre como aquele que traiu, que conspirou e tentou/ajudou a derrubar a presidente Dilma Rousseff. Temer vai para a lata do lixo da história. Será lembrado apenas por essa passagem que mancha de modo indelével sua biografia política.

Nos dias atuais, por exemplo, entre seus quadros não têm candidatos competitivos à Presidência da República. Se quiser disputar o Planalto, em 2018, com reais chances de êxito terá de buscar fora da legenda uma candidatura para dizer que é sua.

O governo

A presidente Dilma continuará a fazer o que tem feito desde o primeiro mandato e o que fez Lula e, também, FHC, Itamar, Collor e Sarney no que diz respeito às relações com as outras forças políticas no interior do governo. As bases não deixarão de ser fisiológicas porque o PMDB desembarcou.

A propósito, mesmo com o desembarque, o partido, informalmente, manterá as mesmíssimas relações anteriores. Uma banda fica com o governo e outra é oposição.

O governo, até pela desorganização política, que tem caracterizado a gestão Dilma, terá com as legendas que toparem ocupar o espaço institucional deixado pelo PMDB, as mesmas relações que mantiveram o partido na base até duas semanas atrás.

A remontagem da base parlamentar será na base da liberação de recursos do orçamento e ocupação de cargos, sobretudo no primeiro escalão. Por que mudaria essa relação agora?

O Congresso, a Câmara em particular, que teve a oportunidade de mudar essa situação não o fez. Debateu e aprovou uma reforma política apenas para atender demandas do fisiologismo político que ainda reina nas relações políticas e das corporações financiadoras de campanha.

Só para lembrar, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ) queria aprovar duas propostas que levariam aos estertores a política brasileira: o ‘Distritão’ e o financiamento empresarial de campanha. Sorte que ambos foram rejeitados.

O ‘Distritão’ foi uma proposta apresentada pelo PMDB em que seriam eleitos os mais votados de cada estado, em ordem decrescente, até o limite de vagas de cada estado para Câmara Federal, Assembleia Legislativa e no município. Se esta proposta fosse aprovada, seria o fim dos partidos políticos no Brasil.

O PT e o governo sob Dilma não estão errados em tentar manter-se no poder. Errado foi não ter tentado efetivamente, quando teve força política e social, fazer de fato uma reforma política que desse consistência aos partidos, com mudança de regras políticas e eleitorais para fortalecer a democracia e os detentores de fato dos mandatos eletivos, o povo.

Dilma, desde 2013, quando eclodiu a crise que hoje draga o governo e suas forças, nunca mais teve condições de governança, porque foi perdendo a governabilidade. Teve muitas e variadas chances de reverter o quadro quando era possível, mas sem traquejo político deixou-as passar todas. Agora corre atrás do prejuízo. Paciência!

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