Procuradora admite: Lava Jato ajudou Bolsonaro, mas precisava traí-lo

Jerusa Viecili afirmou que operação corria o risco de ser associada às ações antidemocráticas de Bolsonaro

À frente de uma criminosa operação que tirou o ex-presidente Lula das eleições 2018 e foi decisiva na chegada de Jair Bolsonaro à Presidência, os procuradores da Operação Lava Jato reconheceram o alto custo de suas manobras. Em março de 2019, ainda no terceiro mês do governo bolsonarista, eles já discutiram uma forma de se desvincular do presidente para que os jornalistas voltassem a dar credibilidade à força-tarefa.

É o que revelam conversas foram entregues nesta segunda-feira (29) ao STF (Supremo Tribunal Federal) pela defesa de Lula, com base no material da Operação Spoofing, que investiga o hackeamento dos diálogos. O conteúdo das mensagens foi divulgado na coluna de Mônica Bergamo na Folha de S.Paulo.

Uma das conversas envolve a procuradora Jerusa Viecili e o comandante da operação, Deltan Dallagnol. Jerusa admite que a Lava Jato beneficiou Bolsonaro eleitoralmente – mas era preciso traí-lo e rifá-lo. “Delta, sobre a reaproximação com os jornalistas, minha opinião é de que precisamos nos desvincular do Bozo [Jair Bolsonaro], só assim os jornalistas vão novamente ver a credibilidade e apoiar a LJ “, disse a procuradora em 28 de março de 2019. A grafia foi mantida na forma original das mensagens.

Jerusa segue: “Temos que entender que a FT [Força Tarefa] ajudou a eleger Bozo, e que, se ele atropelar a democracia, a LJ será lembrada como apoiadora. eu, pessoalmente, me preocupo muito com isso (vc sabe)”. Segundo a procuradora, os integrantes da Lava Jato já tiveram a oportunidade de desvincular a imagem do presidente, mas não aproveitaram. Eles teriam feito cobranças mais “fortes” no “caso Fávio”, se referindo ao filho do presidente, “se fosse qualquer outro político”.

Na época, o ex-juiz Sergio Moro – que teve uma atuação suspeita na Lava Jato, conforme o STF – era ministro da Justiça de Bolsonaro. “Veja que, no passado, em pelo menos duas oportunidades poderíamos ter nos desvinculado um pouco do Bozo nas redes sociais: 1. caso Flavio (se fosse qualquer outro politico envolvido, nossa cobrança por apuração teria sido muito mais forte); 2. caso da lei de acesso à informação que o bozo, por decreto, ampliou rol de legitimados para decretar sigilo e depois a Camara derrubou o decreto. A TI fez nota técnica e tudo e nossa reação foi bem fraca (meros retweets). (ao lado do caso Flavio, o proprio caso de Onix Lorenzoni)”, afirma a procuradora.

Ela diz que sequer quando há elogios à ditadura os procuradores da Lava Jato se manifestaram: “Agora, com a “comemoração da ditadura” (embora não tenha vinculação direta com o combate à corrupção), estamos em silêncio nas redes sociais. Não prezamos a democracia? concordamos, como os defensores de bozo, que ditadura foram os 13 anos de governo PT? a LJ teria se desenvolvido numa ditadura?”.

Em outro ponto, Jerusa admite que eleitores mais fiéis a Bolsonaro tendiam a repudiar a Lava Jato em caso de mudança de discurso. “Sei que há uma preocupação com a perda de apoio dos bolsominions, mas eles diminuem a cada dia. o governo perde força, pelos atropelos, recuos e trapalhadas, a cada dia. converse com as pessoas: poucos ainda admitem que votaram no bozo (nao sei como Amoedo nao foi eleito no 1º turno pq ultimamente, so me falam que votaram nele)”.

A procuradora sugeria que a Lava Jato devia falar mais sobre democracia para reconquistar a simpatia não só da mídia – mas também do Judiciário. “Enfim, acho que defender a democracia, nesse momento, seria um bom início de reaproximação com a grande imprensa. com relação a defender a Democracia, tambem seria importante um discurso de defesa das instituições. Atacamos muito o STF e seus ministros, mas sabemos que a democracia so existe com respeito às instituições. e o STF precisa ser preservado, como órgão máximo do Poder Judiciário brasileiro”, escreveu Jerusa, pedindo a Deltan que “pense com carinho”.

Deltan Dallagnol, então, responde: “Concordo Je. Acho nota esquisita. E se fizermos artigos de opinião? Acho que não da pra bater, mas da pra firmar posição numa abordagem mais ampla”. Ela finaliza: “Isso. defender, sem atacar”. O oportunismo dos procuradores não impediu, como se sabe, que a operação passasse a colecionar inúmeros revés na Justiça.

Com informações da Folha de S.Paulo