O terceiro longa de Godard

“Le Mépris” (O Desprezo), gravado em 63, foi uma tentativa de fazer uma grande produção cinematográfica procurando fazer um cinema nos moldes hollywoodianos.

Brigitte Bardot e Michel Piccoli em cena de "Le Mépris" (O desprezo), de Jean-Luc Godard

Parece sem propósito voltar a falar sobre Jean-Luc Godard agora que ele pessoalmente já cumpriu o seu caminho. Mas acontece que alguém que conseguiu criar novos caminhos – e não um só caminho – para o cinema, ou seja, para uma arte ainda tão nova – merece e há motivos para que se dê uma nova olhada sobre ele. A plataforma Mubi está exibindo “Le Mépris” (O Desprezo) e assim criou motivos para que possamos retomar nossa visão, e no meu caso, eu o vi agora penso que apenas por quatro vezes.

“O Desprezo” é um longa-metragem de JLG feito em 1963 depois de ter feito grande sucesso com seu primeiro filme “Acossado” (À Bout de Souffle) em 1960, e “Viver a Vida” (Vivre sa Vie) em 1962, esse com sucesso apenas entre os ‘entendidos’, ou seja, críticos e estudiosos do cinema. “Le Mépris” foi uma tentativa de fazer uma grande produção cinematográfica procurando fazer um cinema nos moldes hollywoodianos. E para isso, ele conseguiu uma forte produção francesa e com junção de Carlo Ponti, um dos grandes da produção italiana.

Godard tentou fazer uma chamada superprodução e assim contou com grande equipe técnica, contratou a mais famosa ‘estrela’ da França na época: Brigitte Bardot. Famosa na França e no mundo, inclusive na América do Sul e do Norte. Ele também chamou um artista que já era famoso na França, Michel Piccoli. E um ator famoso em Hollywood, um ator de Hollywood, Jack Palance. Ele ainda contratou o cineasta e famoso diretor alemão de Hollywood, Fritz Lang, para fazer o papel de um cineasta que era um personagem importante na estória do filme. E ainda utilizou uma estória de uma novela do famoso escritor italiano Alberto Moravia, para ele mesmo fazer o roteiro cinematográfico.

Na realidade, todo esse aparato não continuou no cinema godardiano. Ele nunca mais fez filmes tão custosos. Ele pensou que poderia ganhar a dimensão hollywoodiana e ainda ter liberdade. Mas viu aí que quando o dinheiro vem para uma produção, o dinheiro tem que mandar, se o diretor quiser ter a continuidade de produção.

Brigitte Bardot me parece que nunca teve uma interpretação tão significativa quanto nesse filme, embora nele o seu papel é de namorada do personagem vivido por Michel Piccoli. Todavia, em nenhum momento do filme, BB fica nua diante das câmeras. Embora o casal esteja num quarto e numa cama muito tempo. Mas então ela mostra que sabe dialogar tanto quanto outras boas atrizes.

Le Mépris foi filmado na Itália, e assim muitas vezes o diálogo é dito em italiano e às vezes em inglês por causa de Fritz Lang, embora a maior parte seja mesmo em francês. Quando estão num estúdio italiano. aparece numa parede a famosa frase dita por Louis Lumière e escrita em italiano: Il cinema è un’invenzione senza futuro. Deixar aparecer com grande destaque essa frase não é algo muito interessante para um filme que pretendia fazer sucesso hollywoodiano.

“O Desprezo”, na verdade, apesar dos esforços de Jean-Luc Godard, não conseguiu ser uma obra hollywoodiana, mesmo tendo esse pessoal famoso e participante do cinema industrial, que em geral conquistou o público pagante. O filme tem um aspecto hollywoodiano com muita conversa ao molde dos produtos de Hollywood. Mas depois dele, JLG continuou o seu caminho dentro do que pedia o seu inquieto e muito criativo espírito.

Olinda, 27.04.23

Uma profunda conversa de Gil e Mario Sergio Conti

Se o mundo está nos parecendo muito vazio, nada melhor que essa conversa que ouvimos hoje no programa Diálogos da GloboNews, coordenado por Mario Sergio Conti, tendo como entrevistado o cantor, compositor, músico e artista baiano Gilberto Gil. E eu situei o artista como baiano porque realmente o que tivemos foi uma conversa entre um entrevistador paulista e um artista baiano nos seus 80 anos.

Gil se mostra sempre titubeante na sua fala. E talvez quem o não conheça pode pensar que ele está dúbio porque não sabe o que falar. Mas quanto mais ele titubeia, mais ele fala observações fundamentais para nossa cultura e vida. Juntaram-se um excelente entrevistador e um genial entrevistado. Nem todo dia temos a oportunidade de assistir a uma entrevista tão fundamental.

E Conti sabe obrigar o entrevistado a dizer o que gosta e o que parece que não gosta. Tentou colocar Gil para se explicar por que havia assumido uma cadeira na Academia Brasileira de Letras, onde um general torturador havia ocupado a mesma cadeira. E Gil enfrenta a situação indo no caminho do perdão. Também mostra que a música de Gil hoje é muito diferente da música anterior, e Gil encontra o caminho para o entendimento. Inclusive Gil reconhece que a música hoje no Brasil não tem certos arcabouços que tinha nas décadas passadas, mas que a juventude está buscando os seus novos caminhos.

Eu gostaria de transcrever tudo o que Gilberto Gil disse, mas não vou conseguir. Apenas digo a quem leia esse texto que procure ver essa conversa, pois ela preenche a nossa necessidade de ouvir uma conversa superinteligente.

Olinda, 22.04.23

As opiniões expostas neste artigo não refletem necessariamente a opinião do Portal Vermelho
Autor