As escolhas de Lula

“Apenas o tempo revelará os desdobramentos das decisões táticas adotadas por ele. Certo é que não podemos ficar parados diante da adversidade da conjuntura atual.”

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) | Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Muito se tem debatido acerca da nomeação de Gleisi Hoffmann para a Secretaria de Relações Institucionais e da possível indicação de Guilherme Boulos para a Secretaria da Presidência. Enquanto Hoffmann assumirá a responsabilidade pela articulação política com os partidos e o Congresso, Boulos, caso confirmado, deverá se encarregar do diálogo com os movimentos sociais.

Antes de avançarmos, é necessário destacar um ponto que, embora evidente, merece ser reiterado. A grande mídia frequentemente constrói uma narrativa que sugere uma suposta disputa no governo entre “técnicos” e “políticos”. De um lado, posiciona-se o grupo liderado por Fernando Haddad, descrito como técnico, focado em soluções racionais e voltadas para compatibilizar uma política de contenção com os gastos públicos com políticas sociais. Do outro, estariam os “políticos”, movidos por interesses ideológicos e, supostamente, alheios às necessidades da nação, que pensão apenas no gasto dos recursos públicos.

Essa tentativa de simplificação, no entanto, não é novidade. Durante o governo Bolsonaro, a mesma estratégia foi utilizada, com Paulo Guedes sendo apresentado como o técnico em constante embate com os políticos. Tal narrativa busca dissociar a economia da política, apresentando-a como uma esfera puramente técnica, enquanto deslegitima aqueles que defendem pautas políticas mais amplas.

Na realidade, todos os atores envolvidos são políticos. A diferença reside no fato de que os chamados “técnicos” frequentemente promovem políticas alinhadas aos interesses da classe dominante, enquanto os “políticos” defendem agendas que beneficiam a maioria da população.

Voltando ao tema central, a grande mídia tem interpretado as recentes escolhas do presidente Lula como um sinal de endurecimento político. Segundo essa visão, a nomeação de Gleisi Hoffmann e a possível inclusão de Guilherme Boulos indicariam uma guinada à esquerda, com o governo abandonando o diálogo com partidos que não compartilhem dessa orientação.

Minha análise sugere que o PT está reagindo ao desgaste político atual do governo, constatado nas últimas pesquisas, causado tanto pela situação econômica do país quanto pela dificuldade em implementar as políticas públicas prometidas durante a campanha, especialmente aquelas voltadas para a redistribuição de renda e inclusão dos excluídos no orçamento público. Nesse contexto, Lula parece estar adotando uma estratégia de reorganização, voltando-se para sua base eleitoral e buscando reconstruir o diálogo com os movimentos sociais.

A figura de Gleisi Hoffmann simboliza o fortalecimento de políticas públicas de redistribuição de renda, enquanto Guilherme Boulos, caso confirmado, representará uma ponte direta com os movimentos sociais. Essa estratégia remete a táticas já utilizadas pelo PT, como nas eleições de 2018, quando, mesmo desgastado pela Operação Lava Jato e com Lula preso, o partido conseguiu levar Fernando Haddad ao segundo turno.

O objetivo parece ser retomar o discurso político mais à esquerda e as políticas públicas que dialoguem com setores historicamente alinhados ao partido, promovendo uma rearticulação com a militância e um reencontro com sua base social. No entanto, essa estratégia também apresenta riscos. Ao priorizar a mobilização de sua base, o governo pode limitar a ampliação de alianças no primeiro turno, abrindo espaço para o fortalecimento de uma candidatura de direita mais moderada e palatável, capaz de unificar o campo conservador e representar uma alternativa ao campo da esquerda.

Quem acompanha minha coluna[i] sabe que defendo como fator de aglutinação para as próximas eleições a questão democrática. Sendo nossa tarefa principal, isolar a extrema-direita.

Entendo que uma estratégia eleitoral mais ampla, centrada na defesa da democracia, poderia isolar a extrema-direita e criar um movimento capaz de atrair setores da sociedade que, embora não sejam de esquerda, reconhecem os riscos de um retorno da extrema-direita ao poder.

Em última análise, o caminho que Lula escolherá trilhar permanece incerto. Apenas o tempo revelará os desdobramentos das decisões táticas adotadas por ele. Certo é que não podemos ficar parados diante da adversidade da conjuntura atual.

No canal do Youtube “A questão Política” aprofundo mais esse e outros temas que dizem respeito à política. Convido a todas e todos para acompanharem o canal. (https://www.youtube.com/@Aquestaopolitica).


[i] https://vermelho.org.br/coluna/as-eleicoes-de-2026-no-rs-e-a-questao-nacional/ e https://vermelho.org.br/coluna/outra-democracia-e-necessaria/

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