Trump suspende batidas contra imigrantes em fazendas após pressão do agro

Presidente cede após alerta de colapso na agricultura; decisão revela embate interno entre pragmatismo eleitoral e promessa de deportações em massa

Trabalhadores imigrantes da agricultura deixam de ir trabalhar nas colheitas temendo deportações de Trump causando prejuízos, risco de insegurança alimentar e inflação.

Na manhã da última quarta-feira (11), o presidente Donald Trump recebeu uma ligação da secretária de Agricultura, Brooke Rollins, que mudaria, ao menos momentaneamente, a rota de sua política migratória. Rollins levou ao presidente um alerta vindo do coração agrícola dos Estados Unidos: as batidas da Imigração em fazendas e hotéis estavam provocando medo, evasão em massa de trabalhadores e risco real de paralisação da produção.

No dia seguinte, em tom surpreendentemente conciliador, Trump escreveu em sua rede social Truth Social que “imigrantes na agricultura e na hotelaria são bons trabalhadores, há muito tempo no setor” e prometeu “mudanças a caminho”. A mensagem causou revolta entre membros da Casa Branca favoráveis à linha-dura — entre eles, Stephen Miller, arquiteto da política de deportações em massa — e confundiu o comando do ICE (Serviço de Imigração e Alfândega).

Mas a decisão já havia sido tomada. Poucas horas depois, o ICE emitiu uma ordem interna suspendendo todas as ações de fiscalização em fazendas, frigoríficos, hotéis e restaurantes, ao menos temporariamente.

Pressão do campo e dos cofres

A reversão expôs um dilema clássico da política trumpista: prometer “limpar” o país de imigrantes sem documentos, mas sem abalar setores-chave da economia — como a agricultura e a hotelaria, onde a mão de obra imigrante ilegal, sob exploração precarizada, é predominante.

Grupos como a United Farm Workers (UFW), sindicatos, empresários do agronegócio e doadores republicanos influentes haviam intensificado suas reclamações após a série de batidas do ICE em regiões produtoras da Califórnia, Idaho e Texas, nas quais dezenas de trabalhadores foram presos, inclusive em campos de morango em Oxnard e nas vinícolas do Vale Central.

Cerca de 40% da força de trabalho agrícola dos EUA é composta por imigrantes sem status legal, segundo o próprio Departamento de Agricultura. Com a escalada das batidas, até 60% dos trabalhadores deixaram de comparecer ao trabalho em algumas regiões, ameaçando o abastecimento de alimentos.

Indústria do medo: “Eles estão nos campos levando quem encontram”

Apesar da suspensão parcial das operações, denúncias de prisões em plantações continuaram na sexta-feira (13), segundo representantes de trabalhadores agrícolas. “Mesmo que o ICE não esteja indo diretamente aos campos, só o fato de os agentes estarem dirigindo pelas áreas rurais já basta para que os trabalhadores se escondam”, afirmou Teresa Romero, presidente da UFW.

Romero relatou à NPR que crianças estavam ligando para saber onde estavam seus pais, detidos enquanto colhiam frutas. Em Oxnard, o sindicato informou que diversas fazendas fecharam temporariamente, temendo novas incursões. “Isso não é aplicação da lei, é intimidação”, declarou Romero.

A presidente do UFW fez críticas duras à administração: “Trump disse que deportaria criminosos. Mas criminosos estão nas prisões. Ele está deportando trabalhadores que sustentam nossas mesas com comida”.

Reações no Congresso e entre aliados

A reação no Partido Republicano foi mista. Representantes como Tony Gonzalez (Texas) e Glenn Thompson (Pensilvânia) pediram foco na deportação de imigrantes com ficha criminal. Thompson, presidente da Comissão de Agricultura da Câmara, disse que as batidas em fazendas eram “erradas” e exigiu que o governo “pare com isso”.

Já setores mais à direita, como o comentarista Jack Posobiec e o grupo conservador Oversight Project, acusaram o governo de ceder à “pressão de grandes empresários” e enfraquecer a promessa de deportações em massa. “Se Trump acredita que esses trabalhadores são importantes, ele pode parar essas batidas agora mesmo”, provocou Posobiec.

A política entre a promessa e a produção

O histórico de Trump com o agronegócio ajuda a entender a guinada. Em seu primeiro mandato, ele deu bilhões em ajuda federal aos agricultores afetados pela guerra comercial com a China. Durante a pandemia, declarou os trabalhadores rurais como essenciais e permitiu que portassem cartas que os livrassem de fiscalização migratória.

Wayne Cornelius, professor emérito da Universidade da Califórnia em San Diego, resume: “É previsível que Trump recue onde seus próprios negócios ou base eleitoral são afetados — hotelaria e agricultura”.

Mesmo assim, a realidade é que muitos trabalhadores seguem no campo por necessidade, apesar do medo. “Eles estão aterrorizados, mas têm contas a pagar. Mesmo assim, voltam no dia seguinte”, disse Romero.

Impactos no futuro da política migratória

A decisão de Trump gerou confusão no ICE e pode limitar o escopo de sua prometida “maior operação de deportação da história”. A exclusão de fazendas e hotéis — que empregam milhões de imigrantes — reduz o impacto prático da operação e revela a contradição entre discurso eleitoral e realidade econômica.

A relutância em atacar setores críticos para sua base também levanta dúvidas sobre como Trump pretende implementar suas promessas, especialmente com protestos crescentes e oposição legal se acumulando nos tribunais.

Por ora, enquanto a retórica nas redes sociais persiste, trabalhadores imigrantes seguem nos campos — com medo, mas ainda em atividade. “Se as batidas continuarem, haverá frutas apodrecendo nas plantações”, alerta Romero. “E preços mais altos nos mercados.”

“Mostre, não diga”

A frase de Teresa Romero resume o sentimento de muitos defensores dos direitos dos imigrantes: não basta publicar uma mensagem branda nas redes sociais. Se Trump de fato pretende proteger setores essenciais da economia — e os trabalhadores que os mantêm —, precisa transformar palavras em ordens claras e permanentes.

Enquanto isso não acontece, milhares de famílias imigrantes continuam vivendo sob a ameaça diária de serem separadas, deportadas e esquecidas — mesmo sendo, como o próprio presidente reconheceu, “trabalhadores muito bons e de longa data”.

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