Na Rua do Bom Jesus, no Recife, existe uma escultura do compositor e cronista Antônio Maria.
Publicado 03/07/2025 18:16 | Editado 03/07/2025 18:19
Num dia de sexta-feira, por volta das 11 da manhã, quando eu caminhava pela Rua do Bom Jesus, vi um aglomerado de senhoras e senhores, em pequeno tumulto ao redor da estátua de Antônio Maria.
Eram turistas, o que se notava pelas cores das roupas e vermelhão recente nas peles abrasadas pelo sol do Recife. E por um certo estar muito à vontade também. As senhoras, como jamais fariam as nativas do Recife em público, sentavam-se no colo da estátua do cronista, agitavam-se nos quadris e davam gritinhos.
– Ui!
A estátua de Antônio Maria não despregava um sorriso no concreto, enquanto as demais senhoras gritavam também e os risonhos senhores gargalhavam.
Eu já deixava a cena como um intruso na festa, quando a um sinal o grupo se recompôs. Destacado, passou então a falar um jovem, que se vestia como um recifense fantasiado de turista no Recife. Camisa florida, boné, óculos escuros, tênis cintilante. Era o guia.
Mas a fala do jovem guia tinha colorido, ele falava com exemplos de pedagogia de cursinho para vestibulares. Como naquelas aulas agradáveis que simplificam o que não pode ser simplificado. Curioso, resolvi ficar, e pude ouvir:
— Este senhor é meio gordinho, não é? Uma graça. Pois saibam que este homem é autor do primeiro frevo composto em Pernambuco.
Eu fiquei parado, hipnotizado e tonto. O jovem guia continuava a falar as coisas mais absurdas sobre Antônio Maria, que eram recebidas em altíssimo grau de aprovação por todas e todos.
Então fiz sinal, educado, ao guia professor de aulão para vestibulares. Ele surpreendido me concedeu a palavra, talvez por não saber o que viria de um nativo vestido de recifense. E falei, entre gaguejos e pausas, procurando clareza à medida que seguia a linha da lembrança:
— Acho que houve um pequeno engano. Antônio Maria não é autor do primeiro frevo em Pernambuco. Ele é autor do Frevo n◦. 1 do Recife. O primeiro frevo é Vassourinhas.
— Ah, ele é autor do primeiro frevo do Recife. Não é o primeiro de Pernambuco.
— Não! Ele é autor do Frevo número 1 do Recife. Esse é o nome. É o número 1 do compositor Antônio Maria, para ele que fez, entende? Porque ele fez também o Frevo número 2 do Recife.
— Ah… – o guia respondeu.
– Bah – uma outra voz falou.
E parei de falar, de interromper a orientação do jovem. O guia então, por gentileza, puxou aplausos. Acho que ele fez mais isso por gentileza ritual, algo assim como o costume recente de aplaudir de pé um show medíocre. O certo é que agradeci e saí andando, confuso e perturbado, o resto da rua.
Mas ainda pude ouvir:
– Mas o frevo número 1 é mesmo o primeiro frevo, não é?
E a resposta do guia:
– Sim, claro. A briga de vaidades é que é grande.
Então eu apressei o passo, para mais longe.
(Talvez roteiro de um curta de texto no Dicionário Amoroso do Recife)