A China e o desenvolvimento

Desde 1978, o país retirou da pobreza cerca de 800 milhões de pessoas

A República Popular da China passou a ter elevadas e inéditas taxas de crescimento econômico, de maneira sustentada, nos últimos 40 anos; chegou a 9,5% médios em 35 anos desses. Desde 1978, o país retirou da pobreza cerca de 800 milhões de pessoas – o presidente Xi Jinping crê no fim da pobreza extrema em 2020. [1]

O que levou a China a transformações sem precedentes? O recente livro de Elias Jabbour, “China: socialismo e desenvolvimento sete décadas depois” (Fundação Mauricio Grabois/Anita Garibaldi, 2019) dá enorme contribuição para responder a candente questão. Mais além, busca uma teorização [2] arrojada para o desvelamento de uma nova sociabilidade emergente no gigante asiático.

Segundo Jabbour, professor de economia da UERJ (Universidade Estadual-RJ), logo no primeiro impulso das reformas econômicas iniciadas em 1978, a permissão aos camponeses a levarem ao mercado seus excedentes de produção resultou num boom na produtividade agrícola, e surgimento de um mercado interno que retroalimentou um prolongado processo de crescimento econômico baseado no consumo.

A redefinição da relação do poder político e institucional do partido comunista chinês (PCCh), com o Estado, as empresas estatais e privadas recriaram a dinâmica econômica [3] do investimento, do crescimento do PIB (Produto Interno Bruto), suportados numa concentração e centralização do capital que resultou, ainda nos anos 1990, em 149 conglomerados estatais, decisivos para a nova estratégia geral de desenvolvimento. O grosso do sistema financeiro chinês é estatizado, portanto aí está o poder econômico definidor de onde se investe!

Qual estratégia, e como ela evoluiu? Em resumidas contas, segundo Jabbour: 1) domínio do mercado pelo Estado; 2) liberalização regulada do comércio; 3) formação do mercado consumidor interno; 4) industrialização “engatada”, também, no empreendedorismo camponês; 5) indução da concorrência (pequenas, médias e grandes empresas), junto ao estímulo à educação a essa dinâmica; 6) novo  sistema de planificação – aos “saltos” – industrial, e a seguir do comércio exterior como “bem público” e Estado (idem, p.77).

Jabbour (et alii) compartilha ainda de ter a orientação chinesa se baseada na ideia de J. M. Keynes (1883-1946), da necessidade da “socialização do investimento”: o Estado a dirigir a complementaridade entre o investimento público e o privado, influenciando o padrão de consumo das famílias através de políticas tributária, monetária e fiscal (idem, p.166).

Mas, qual a tese de Jabbour? Na China configura-se uma “nova formação econômico-social”,[4] desenhada no socialismo de mercado. Uma Novidade teórica!

NOTAS

[1] A China já alimenta 20% da população mundial, com apenas 9% das terras agricultáveis do planeta! Xi Jinping afirmou nos 70 anos da nova China: “o problema da pobreza extrema que atormenta a nação chinesa há milhares de anos terminará historicamente, sendo um grande milagre da Humanidade”. Aqui: https://oglobo.globo.com/economia/parceria-brasil-china/china-contribui-para-reducao-da-pobreza-no-mundo-24074955

[2] Importa não esquecermos que, 1) uma totalidade teórica organiza e enuncia um sistema de relações entre representações (cujo centro são as leis) que possibilita conseguir-se explicar um conjunto de relações e suas propriedades singulares e distintas do que aparecem dadas, interligadas (Cf. Armando Castro, “A contribuição de Marx à teoria e à metodologia das ciências sociais”, em: “Conhecer o conhecimento”, Caminho, 1989). 2) Entretanto, como bem desvelou Raymond Williams, aludindo a distinção entre variação temporal e mudança qualitativa, “falsas totalidades” se projetam na antropologia, na economia, na teoria política, na sociologia: “A teoria, dizem, pode vir mais tarde, mas o ponto importante é que o fato está lá…no pressuposto metodológico de uma totalidade estática, passiva e, portanto empiricamente disponível” (“Literatura e sociologia: em memória de Lucien Goldman”, em: “Cultura e materialismo”, Unesp, 2011). 3) Mas, a necessária mediação entre teoria e método aparece nítida (também) na formulação de uma hipótese, exigindo ambiente teórico e explicitada a partir de conceitos específicos: e, “não há sentido em formular uma hipótese que não possa ser demonstrada”, oq eu se revelaria apenas um conjectura (Cf. José D’Assunção Barros, “Teoria da história” v, 1, Vozes, 2011.

[3] E. Jabbour e Alberto Gabriele destacam que os professores chineses Cheng Enfu e Ding Xiaoquin, num artigo para a “Monthly Review” (207) argumentando sobre os “Oito princípios da economia política contemporânea chinesa”. Estes seriam: 1) crescimento sustentado pelo avanço da Ciência e Tecnologia; 2) produção orientada ao bem-estar da população; 3) dominância da propriedade pública; 4) primazia do trabalho na distribuição da riqueza; 5) princípio do mercado orientado pelo Estado; 6) conjugação do rápido crescimento com alta performance; 7) desenvolvimento equilibrado sob coordenação estrutural; 8) soberania econômica e abertura (Jabbour, idem, pp.128-131).

[4] O posfácio ao livro de Jabbour, de A. Gabriele e Francesco Schettino (“Socialismo de mercado como uma distinta Formação Econômico-Social ointerna ao Moderno Modo de Produção”), escrito em 2012, longe de ser acrítico aos problemas do desenvolvimento chinês, é bastante fundamentado. Mas, considero incompreensível a ausência de dois estudos essenciais para a discussão hodierna das categorias modo de produção/formação econômico-social: o denso debate que realiza Perry Anderson, com Edward P. Thompson e sua crítica (“Miséria da teoria”), a Louis Althusser e Etienne Balibar (“Teoria, política e história: Um debate com E.P, Thompson”, Editora Unicamp, 2018; o livro é de 1980); e de Raymond Williams “Base e superestrutura na teoria da cultura marxista”, além do artigo já citado (nota 2), Unesp, 2011.

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