A ciência do pênalti 

O pênalti é uma incógnita a céu aberto. Um quadro simples de complexa solução. Se pensarmos que um pênalti, aquela falta cometida dentro da área, que tem como punição um chute livre e direto contra um goleiro, numa distância favorável sobretudo ao chutador, um pênalti, nesse caso, consiste numa atitude quase covarde para quem defende tão ampla meta.

Mas as coisas podem se inverter quando o tal pênalti passa a valer muito no contexto de uma determinada partida de futebol, ou ainda de um campeonato inteiro. E esse peso transforma o goleiro num cara ainda maior do que realmente é, que ocupa mais espaço do que de fato ocupa; e o pobre do batedor não só se sente diminuído, como vê um futuro complicado se não bem fizer aquilo para o que foi treinado exaustivamente: chutar bem uma bola.

Reconheçamos que um pênalti pode ser batido por alguém sem treino, ou com pouco treino, pouco mesmo, feito jogador de fim de semana, que entrou para tapar o buraco no time que o cunhado deixou. E só por isso, por sua coragem em substituir o cunhado no joguinho dos amigos, o cidadão já mereceria aplausos.

Mas são três da tarde, dezembro, o próximo fim de semana será, já, outro ano, e o substituto do cunhado, que viajou para suas férias e não pode cumprir sua missão na final do campeonato amador entre amigos, está diante do gol para bater um pênalti num sofrido gramado artificial.

No boteco do fundo da quadra, de onde se ouviam copos e garrafas a tilintarem entre murmúrios e gente animada, surgiu o vucovuco: "pênalti!". E o cidadão, que suava em bicas no infernal calor de início de verão, percebe-se cada vez mais pressionado dentro dos calções e camisa dos Azuis Assados (de tamanhos extra-grandes que o cunhado lhe emprestara).

O cidadão, a pensar no que lhe ocorria, lembra-se que o ano que vem é ali, ali mesmo. Depois que chutar a bola quase plástica e descolorida, irritantemente redonda, ou quase, cheia de gomos tortos, ridículos, virá o novo ano. Passados os fogos, beijos e abraços, muita comida, o absoluto enigma se apresentará: um novo ano completo e desconhecido.

Um companheiro colocou a bola na marca da cal: "Vai, nego, quem sofre precisa bater".

Colocou a mão na cintura num esforço de respirar, e percebeu que o goleiro não passava de uma sombra com tentáculos nervosos, agitados e ameaçadores. Maldito cunhado, maldito jogo, maldito ele, que aceitou o convite pensando em se divertir, como nos tempos da faculdade de engenharia: beber à vontade com os colegas do jogo, sem culpa pelos seus gestos velhos, suas risadas antigas.

Não se demorou nas meditações, era preciso agir. A vida segue e uma goleira de futebol, dividida em quatro partes e um único goleiro, duas ao rés do chão e duas ao rés da trave superior, tornou-se invisível. Era muita chance. Chutaria para o alto, antes que o ano novo viesse.

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